O que significa comemorar a Comuna de Paris?
A Comuna de Paris foi a primeira «tomada do poder», à escala de uma grande cidade, pelos trabalhadores e intelectuais revolucionários. Já eram conhecidas greves, manifestações e até revoltas armadas, como em 1848. Mas essas insurreições nunca tinham conduzido a uma nova forma de poder político, mesmo na forma restrita de um poder limitado a Paris. Deste ponto de vista, a Comuna é aquilo a que chamei uma «declaração política sobre política».
Estabelece um programa sobre quase todas as questões da vida social, procura resolver quase todas as questões colocadas ao poder do Estado conquistado aos burgueses.
Tudo isso constitui um pensamento activo sobre o que deve ser uma estratégia política realmente revolucionária, o que significa também uma estratégia política orientada por uma espécie de comunismo. Claro que, por razões de inferioridade militar, quase tudo permaneceu sob a forma de um programa. Mas é impressionante ver que depois de Outubro de 1917, Lenine e os bolcheviques, que tinham tomado o poder, não tinham outro ponto de comparação política, como resposta à pergunta «o que fazer?», do que a Comuna. Foi por isso que Lenine dançou na neve quando o poder dos sovietes durou um dia mais, na Rússia, do que o dos communards em Paris.
O que foi a Comuna de Paris?
A expressão utilizada por Marx foi «ditadura do proletariado». Isto significava que o poder político em Paris tinha sido arrancado das mãos da classe burguesa e transferido para representantes do movimento operário e popular. Isto pode ser visto perfeitamente no programa e na acção da Comuna: trata-se de instalar uma «verdadeira» democracia, a todos os níveis, desde a organização do trabalho até às assembleias políticas, passando pelas forças militares, educação popular, trabalho assalariado, etc. A verdadeira natureza da Comuna não é mudar apenas o poder do Estado, mas mudar a própria sociedade, em todas as suas dimensões.
Quais as razões do seu falhanço e qual a razão que faz com que a Comuna de Paris continue presente na nossa imaginação?
O fracasso da Comuna deve ser pensado a dois níveis: a organização militar, e a organização económica. No primeiro ponto, este fracasso era inevitável, uma vez que nenhum movimento conseguiu estender a revolução da Comuna a todo o país, ou mesmo às grandes cidades. A Comuna permaneceu triplamente cercada, pelo exército clássico, que na sua quase totalidade permaneceu fiel ao regime burguês, e estava pronto, como vimos, a massacrar os revoltosos; pela opinião pública provincial, especialmente a opinião camponesa, ainda maioritária em França naquela época, que via com terror os defensores da Comuna que se opunham à propriedade privada; e finalmente pelo exército do invasor alemão, que estava acampado muito perto de Paris, e que desejava, tal como os políticos burgueses que fugiram para Versalhes, o esmagamento da revolução. Contra tudo isto, a coragem dos voluntários da Comuna e de alguns oficiais revolucionários, especialmente estrangeiros, não poderia ser suficiente.
Quanto ao segundo nível, a Comuna cometeu o erro de não aproveitar a alavanca financeira representada pelo Banco de França. Havia, de um ponto de vista comunista, uma espécie de timidez, um respeito excessivo pelas fortunas capitalistas.
Nestas condições, a defesa de Paris pelos partidários da Comuna assumiu o fascínio romântico de uma luta desesperada, em que a coragem era o único recurso, face aos seus assassinos muito mais armados e disciplinados. Este romantismo era inevitável, mas não deve esconder o facto de que o esmagamento da Comuna praticamente eliminou a hipótese comunista no movimento operário, à escala internacional durante cinquenta anos.
Os revoltosos da Terra estão condenados sempre à derrota?
Não há exemplo, depois de praticamente um século, de um sucesso revolucionário orientado por comunistas para o comunismo, que tenha tomado a forma de insurreição numa ou mais grande cidade. Todas as anteriores tentativas deste tipo terminaram em massacres e na restauração da ordem capitalista, desde o esmagamento dos espartaquistas na Alemanha até às revoltas na América Latina e aos terríveis fracassos das insurreições em Xangai ou Cantão. Todos os sucessos, desde a China de Mao, a Cuba de Castro ou o Vietname de Ho Chi Minh, tomaram a forma de uma guerra prolongada travada primeiro no campo. Como resultado, a questão da perspectiva de uma vitória comunista nos grandes países capitalistas, na América do Norte ou na Europa Ocidental tornou-se bastante sombria, e deve ser totalmente repensada. Mas este trabalho político e histórico deve ser feito sem enfraquecer a própria hipótese comunista, longe de ser, como é hoje, largamente abandonada, deve ser renovada e reconstituída, integrando a lógica dos sucessos muito parciais e dos fracassos gloriosos, desde a Comuna de Paris até ao presente.
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