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Tiago Oliveira: Se o mundo está a mudar, melhore-se a vida de quem trabalha

O AbrilAbril entrevistou o secretário-geral da CGTP-IN no âmbito do pacote laboral apresentado pelo Governo, que motiva a greve geral da próxima quinta-feira. O teor das medidas, a narrativa oficial e a luta que se segue ao dia 11 de Dezembro foram alguns dos temas abordados por Tiago Oliveira.

Créditos / AbrilAbril

O pacote apresentado vai no sentido de alterar matérias centrais das relações laborais, as ditas traves-mestras de que o Governo não querer abdicar. Podes indicar quais são essas traves-mestras e que efeitos teriam na vida de quem trabalha?

Nós identificámos seis, sete matérias que teriam um profundo impacto se alguma vez se concretizasse este pacote laboral, nomeadamente no que diz respeito ao aprofundamento da precariedade. Dentro deste pacote laboral está o alargamento dos contratos de trabalho a prazo a termo certo, de dois para três anos, está o alargamento dos contratos a prazo de termo incerto, de quatro para cinco anos, está o fim que impedia as empresas de recorrerem à externalização de serviços após 12 meses de um despedimento colectivo. Ora, o fim dessa barreira permite que a empresa que hoje faz um despedimento colectivo, amanhã possa estar a externalizar o serviço, recorrendo desta forma a trabalho mais barato, à fragilização das relações de trabalho, a trabalhadores com vínculos de trabalho cada vez mais precários. E, obviamente, esta é uma trave-mestra, é uma linha importantíssima da discussão deste pacote laboral. Outra questão que está em cima da mesa é a da regulação dos horários, a implementação do banco de horas individual. Nós não podemos esquecer que o banco de horas individual já esteve presente na legislação laboral, foi retirado, existe o banco de horas grupal. Agora, há aqui uma questão central, é que, fruto da organização, da vontade dos trabalhadores, da discussão dos trabalhadores, as empresas sabem perfeitamente que não conseguem aplicar o banco de horas grupal. E a forma que foi encontrada, seja pelo Governo, seja pelas empresas, obviamente que aquilo que o Governo está a fazer é corresponder aos interesses das empresas, é individualizar cada vez mais as relações de trabalho, colocando o trabalhador numa situação de ter que assumir a sua posição de confronto de forma individual, obviamente sabendo perfeitamente que numa relação individual o trabalhador é a parte mais fraca desse confronto. E o banco de horas individual é mesmo isso, é a individualização das relações de trabalho. É colocar o trabalhador a ter que trabalhar mais duas horas por dia, mais dez horas por semana, mais 150 horas por ano, de forma gratuita para a entidade patronal, sem ganhar esse trabalho como trabalho extraordinário. Outra questão, que é um eixo central que, para nós, tem um impacto profundo nas relações de trabalho, é a facilitação dos despedimentos. A questão de impedir que um trabalhador, num processo instrutório, após um processo disciplinar, apresente testemunhas em sua defesa, que tenha que, no recurso ao tribunal, pagar uma caução para ter que se defender de um despedimento que é injusto e que depois, no fim de todo o processo de julgamento, esse trabalhador ainda seja impedido de regressar à empresa porque o patrão acha que não existem as condições necessárias para o trabalhador ingressar no seu posto de trabalho, é de facto responder aos interesses das empresas. 

Mas não podemos esquecer o ataque ao direito à greve, com o alargamento dos serviços sociais impreteríveis a outros sectores da sociedade, a questão da limitação da liberdade sindical, quando se impede ou se quer impedir que os sindicatos possam contactar com os trabalhadores, levar a informação aos trabalhadores, organizar os trabalhadores nos locais de trabalho, colocando nas mãos das empresas se permitem ou não a entrada do sindicato no local de trabalho. E o ataque à contratação colectiva que está em curso com a caducidade automática das convenções colectivas de trabalho ao fim de quatro anos. 

E estes são os eixos centrais, mas eu queria deixar aqui dois eixos que não têm sido muito falados e que são importantes também colocar no espaço mediático, na opinião pública. Um tem um nome que é um palavrão, mas que é importante que os trabalhadores tenham conhecimento dele, que é a remissão abdicativa. A remissão abdicativa é algo que já existiu, a actual lei impede, mas que este governo volta a colocar na lei. 

Qual é a questão da remissão abdicativa?

Vamos supor que um trabalhador que é despedido tem direito a uma indemnização de dez mil euros. Pela lei actual, o trabalhador não pode abdicar dessa indemnização, é um direito seu. Tem que receber a totalidade da sua indemnização. Ora, uma das propostas que está neste pacote laboral é a possibilidade de o trabalhador, por livre vontade (é colocado desta forma), de forma escrita, abdicar da sua indemnização. A única coisa que eles colocam é que tem que ter um documento escrito, reconhecido por notário e a partir desse momento o trabalhador pode abdicar da sua indemnização. Ora, a quem é que interessa isto? Não é ao trabalhador, de certeza. Porque o que qualquer trabalhador quer ver garantido, no decorrer de qualquer processo negocial, é que os seus direitos sejam reconhecidos e que tenha direito a receber tudo aquilo que é fruto do seu trabalho. E, obviamente, colocar isto num pacote laboral é reconhecer que as pressões que existem no mundo do trabalho condicionam muito a liberdade de quem trabalha e a decisão de quem trabalha. E isto é colocar, mais uma vez, no trabalhador um peso de uma relação cada vez mais individualizada, obviamente para permitir que as empresas pressionem o trabalhador a abdicar daquilo que é um direito seu.

Outra questão que também não tem estado muito na discussão, mas que é importante dar nota, é a possibilidade de, por acordo, o trabalho extraordinário ser pago com valores inferiores aos que estão previstos na lei. Mais uma vez, a quem é que serve que, por acordo, possa haver um trabalho extraordinário que seja pago com valores inferiores à lei?

A CGTP-IN identificou desde o início um conjunto de matérias alargadas, mas a nossa observação e a nossa posição relativamente ao pacote laboral é que todo ele é profundamente negativo. E aquilo que o Governo diz, de que está aberto a negociar, bate de frente quando o Governo diz que não abdica destas traves-mestras e vai ainda mais longe quando diz que está disposto a alterar uma ou outra matéria que não entre em conflito com estas questões centrais.

Muitas vezes tenta-se menorizar a contestação reduzindo-a a uma mera questão ideológica, mas a verdade é que esta proposta não só não está desprovida de uma forte carga ideológica, como desvirtua ainda mais aquilo que devia ser o equilíbrio da legislação laboral. Que comentários te merece?

Ainda ontem [26 de Novembro] penso que ficou bem patente, na entrevista que a ministra do Trabalho deu à RTP [Grande Entrevista], quando sentiu enormes dificuldades para conseguir justificar muitas das matérias que são introduzidas na revisão deste pacote laboral. Não conseguiu justificar e depois tem uma saída que acho que reflecte bem essa carga ideológica, quando refere que, na análise que ela própria faz, já hoje a actual legislação laboral é tendenciosa a favor dos trabalhadores. Ora, isto diz tudo daquilo que é a visão do Governo, desta tal carga ideológica que o Governo procura com a alteração desta revisão da legislação laboral. Há uma coisa que a ministra tem que perceber: é que qualquer lei, mais profundamente a lei do trabalho, tem um objectivo muito concreto, que é nivelar, ou procurar nivelar uma relação que já de si é desequilibrada, porque a relação do mundo do trabalho é profundamente desequilibrada. A partir do momento em que o trabalhador tem que procurar trabalho para conseguir, através dele, ter as condições materiais necessárias para fazer face ao seu dia-a-dia, obviamente esse trabalhador vai estar sempre numa situação de fragilidade. Porque não depende do trabalhador a sua autonomia, a sua capacidade de garantir esses bens materiais. E, obviamente, o que a legislação laboral tem que fazer é proteger cada vez mais esse trabalhador. Aliás, um dos argumentos que o Governo diz nesta proposta de revisão é que temos que modernizar, temos que adaptar, até porque há novas formas de trabalho que estão a aparecer.

Nessa entrevista, Rosário Palma Ramalho dizia que a actual legislação está virada para um quadro «profundamente desadequado».

Partindo dessa visão, aquilo que a gente já disse à ministra, e vamos continuar a dizer, é que se há novas formas de trabalho, hoje, se há necessidade de corresponder a essas novas formas, então que se proteja cada vez mais a parte mais fraca da relação. Que se proteja cada vez mais o trabalhador. A ministra disse outra coisa, que já não é a primeira vez que diz e também não foi a única a dizer. Acho que quem veio com esta retórica inicial até foi Manuela Ferreira Leite, de o Código de Trabalho ter que ser adaptado, até para responder àquilo que são as ambições dos jovens que hoje não querem o mesmo trabalho para toda a vida. 

«Há uma coisa que a ministra tem que perceber: é que qualquer lei, mais profundamente a lei do trabalho, tem um objectivo muito concreto, que é nivelar, ou procurar nivelar uma relação que já de si é desequilibrada, porque a relação do mundo do trabalho é profundamente desequilibrada.»

 

Nós aceitamos perfeitamente que um jovem trabalhador que entra hoje para o mundo do trabalho, numa primeira fase tente procurar um, dois, três postos de trabalho até encontrar aquele que responda a um anseio pessoal. Isso é perfeitamente normal. Agora, a questão central disto é: o que é que um vínculo de trabalho efectivo impede um jovem trabalhador de o fazer? Não impede nada. Aquilo que um vínculo de trabalho efectivo dá ao trabalhador é a garantia de estar seguro, estar numa situação estável, que lhe permita hoje estar aqui e estar à procura de outro trabalho que corresponda aos seus anseios, mas com a certeza e a segurança de que chega ao fim do mês e tem o seu salário para pagar a sua casa, para comprar o seu carro, para pôr comida na mesa. O vínculo de trabalho efectivo dá mais garantias a qualquer trabalhador. Aquilo que vemos hoje em dia, com esse argumentário de que o jovem, hoje, não quer trabalho para toda a vida, é precarizar cada vez mais as relações de trabalho, transformando o trabalhador, não numa pessoa, num ser humano, mas numa ferramenta ao serviço das empresas. E, obviamente, essa é uma questão central de um conjunto de mentiras, de um logro que tem vindo a ser construído por este Governo para justificar as alterações que estão em curso. Seja a questão de responder aos jovens, seja a questão da modernização da legislação laboral, seja a questão do aumento da produtividade. Tudo isto são questões que têm sido utilizadas ao longo do tempo. 

Na retórica em que Governo e patrões se apoiam para tentar convencer sobre a alegada necessidade desta mexida surge a questão do aumento da produtividade. Como se explica esta associação, sendo Portugal um dos países da União Europeia com jornadas de trabalho mais longas?

O que é certo é que uma coisa nunca bateu com a outra. Aumenta-se a produtividade, mas os salários ficam sempre no ponto inicial. E outra questão que é central no que diz respeito à produtividade é que os salários, efectivamente, não acompanham um aumento da produtividade no nosso país. A nossa média salarial encontra-se nos 60% da média da União Europeia, enquanto a produtividade se encontra nos 80%. Por isso, se queremos fazer esse acompanhamento, então, desde já, aumentemos os salários na base daquilo que tem sido o aumento da produtividade, que não tem tido essa reflexão, não têm visto esse aumento de acompanhamento. 

Mas depois há uma questão central, que é a produtividade de que eles falam – uma produtividade individualista, uma produtividade que é vista no âmbito da individualidade de cada empresa, em que se quer produzir mais para obter o lucro cada vez maior. A questão que nós analisámos é que aquilo que faz falta ao nosso país não é discutir este tipo de produtividade. O que faz falta ao nosso país é discutir aquilo que é o valor acrescentado daquilo que produzimos.

Podes explicar melhor?

Neste momento discutimos muito o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], os milhões que vêm da União Europeia para investir no nosso país. E a pergunta central é: do que é que nós abdicamos para hoje estar a receber esses milhões que entram no país? Abdicamos de sectores estratégicos que, esses sim, impulsionariam e muito o valor acrescentado que o país produz, o produto interno bruto.

Porque se nós olharmos para as discussões que temos tido, para aquilo que é a produção, o valor acrescentado daquilo que nós produzimos no nosso país, e se compararmos esse valor com outros países da União Europeia, nós de facto estamos com um défice enorme, porque abandonámos os sectores estratégicos do país. Abandonámos a indústria pesada, a indústria ferroviária, a indústria naval, a indústria metalúrgica e abdicámos de todos esses sectores estratégicos para nos centrarmos num país assente na hotelaria e no turismo, que não tão traz nada de valor acrescentado para o país. Depois, retirando isto, temos um país assente em serviços, que, mais uma vez, não trazem esse acréscimo.

«Aquilo que um vínculo de trabalho efectivo dá ao trabalhador é a garantia de estar seguro, estar numa situação estável, que lhe permita hoje estar aqui e estar à procura de outro trabalho que corresponda aos seus anseios, mas com a certeza e a segurança de que chega ao fim do mês e tem o seu salário para pagar a sua casa, para comprar o seu carro, para pôr comida na mesa.»

 

Era preciso ter uma política diferente de valorização daquilo que nós já tivemos, que foi tão importante para alavancar o país e continuamos a negar essas raízes que nós tínhamos e começámos a mandar fazer fora aquilo que não é feito no nosso país. Nas discussões que temos com os trabalhadores e aqui na CGTP-IN há um exemplo concreto desta forma de pensar. Nós mandámos agora fazer 150 comboios à Suíça. Nós somos dos melhores países do mundo a fazer rolhas de cortiça. A questão é que podemos produzir as rolhas de cortiça que quisermos. Podemos fazer milhões e milhões de rolhas de cortiça. O problema, ao fim do dia, é que não deixámos de produzir rolhas de cortiça. E quantas rolhas de cortiça é que a gente tem que fazer para comprar 150 comboios à Suíça? Vamos estar uma eternidade a fazer rolhas de cortiça, porque nunca vamos conseguir comprar com rolhas de cortiça comboios à Suíça. Ou nunca vamos conseguir comprar aqueles navios que podiam estar a ser feitos cá e estão a ser feitos na Turquia, dois navios para para as Forças Armadas. Ou, por exemplo, quando quisermos comprar os submarinos à Alemanha, quantas rolhas de cortiça temos que fazer para comprar submarinos à Alemanha? Por isso, uma das coisas que é fundamental é adquirirmos a soberania nacional que temos perdido, apostar na indústria que cada vez mais temos perdido e valorizar o país a partir daí. Isso é que é fundamental para alavancar o país, e não a questão da produtividade individualista que tem sido colocada em cima da mesa.

Voltando aqui à retórica usada pelo Governo e pelo grande patronato, de que a actual legislação não serve a contemporaneidade das relações de trabalho, que futuro é este em que, apesar de tanto desenvolvimento científico e tecnológico, os trabalhadores têm que abdicar dos seus direitos?

É uma boa pergunta... A centralidade de tudo está aí. Há reflexão interna que nós fazemos. Nós sabemos que o trabalho é a centralidade de tudo, sabemos que é a partir do trabalho que tudo aparece, que tudo acontece, que tudo se transforma.

Nós sabemos que é fruto do trabalho e do empenho de cada um de nós que tudo aparece na nossa vida. Enquanto trabalhadores, sabemos isso. Mas há uma coisa de que não podemos ter dúvida, é que os patrões também o sabem. Enquanto nós temos essa consciência, os patrões têm muito mais conhecimento de que isto é a realidade, que é assim que se constrói. Então, partindo deste princípio, que o trabalho é centralidade de tudo, como é que o capital se apropria cada vez mais da força de trabalho para obter cada vez mais o seu lucro? É exactamente como todas as medidas que estão neste pacote laboral. É partindo de dois pressupostos: fragiliza-se cada vez mais as relações de trabalho, impedindo o trabalhador de estar organizado, de ganhar consciência de classe e de  trabalhar em colectivo -  precariedade, despedimentos facilitados, impedimento do sindicato de entrar na empresa, ataque ao direito à greve, está aqui tudo na fragilização das relações de trabalho. E, ao mesmo tempo, alarga-se a disponibilidade do trabalhador para o trabalho, porque o capital sabe perfeitamente que é com a presença do trabalhador no local de trabalho que está a garantia da obtenção do lucro dele. Então implementa-se o quê? Implementa-se o banco de horas. E em tudo aqui está a resposta à degradação das condições de vida a que temos assistido. São sucessivos governos que estão com objectivos concretos de responder aos interesses do capital, dos grandes grupos económicos, e que respondendo a esses interesses desregulam cada vez mais a vida dos trabalhadores (ver caixa lateral). 

Impactando os trabalhadores de uma forma transversal, seja nos salários, seja na facilidade em despedir, há a questão dos jovens que, com o tal argumento de que não querem um trabalho para a vida, vêem dinamitada a possibilidade de virem a ter um contrato sem termo. Que mensagem tem a CGTP-IN para trabalhadores mais novos que estejam a ponderar fazer greve pela primeira vez?

Temos sido contactados nesse sentido, vários têm sido os camaradas que têm transmitido algumas preocupações que vêm do mundo do trabalho, até porque é a primeira greve geral em 12 anos, portanto, muitos dos que estão hoje estão no mundo do trabalho vão exercer pela primeira vez um direito que é seu, um direito a lutar. A peça central da nossa discussão parte do esclarecimento daquilo que está em cima da mesa, de informar muito dos impactos negativos que tudo isto tem no mundo do trabalho. Mas há outra questão aqui, que é a questão de o trabalhador ter a percepção do que é um direito seu e daquilo que pode fazer.

Eu acho que nós temos que ter uma intervenção direccionada para os jovens e temos uma organização que é a Interjovem, que tem muito esse papel de informação, de esclarecimento, de proximidade à juventude. Mas há uma questão central, uma mensagem fundamental, é uma mensagem de confiança, temos que passar uma mensagem de confiança, de os fazer acreditar que outro rumo é possível, outro mundo é possível, outra relação de trabalho é possível. Fazê-los não ter medo, fazê-los acreditar que aquilo que estão a fazer é um direito seu e que devem lutar por uma vida melhor, por um mundo diferente, por mais estabilidade, por uma perspectiva de garantia de futuro que não os coloque constantemente nesta circunstância. Esta proximidade com os trabalhadores é uma ferramenta que temos que utilizar, também na perspectiva construtiva de classe. Colocar ao trabalhador aquilo que é a sua condição de classe enquanto trabalhador, que tenha orgulho em ser trabalhador, que tenha orgulho em afirmar aquilo que é. 

«Trabalhador» já é um termo em desuso...

Obviamente, o trabalhador também já começa a ser um termo em desuso, ou pelo menos o capital tenta que seja. É a substituição do trabalhador por colaborador, é a substituição do patrão por empregador, até os plenários já começam a ser meetings. E a questão da consciência de classe também é uma questão de confronto no local de trabalho. Mas temos que ter muito este cariz de formação, esta intervenção de formação e de trazer aos jovens essa confiança de acreditarem em si, de lhes retirar esta ideia que está a tentar ser introduzida na sociedade de que somos cada um por si, de uma maior individualização das relações de trabalho, e de trabalho colectivo, conjunto, de acreditar que é possível um outro rumo. Acho que, enquanto central sindical que somos, temos muito essa obrigação de estarmos presentes no contacto directo com os trabalhadores nos locais de trabalho, mas também de desconstruir muito daquilo que é a retórica dominante que têm incutido na sociedade.

A ameaça à actividade sindical, que é outra das propostas do Governo, não pode condicionar também a visão dos mais novos sobre o papel dos sindicatos?

A tentativa de afastamento dos sindicatos de locais de trabalho tem um objectivo próprio, mas coloca logo à partida uma dificuldade ao nível da organização. Para aqueles que dizem que esta proposta de revisão da legislação laboral é algo para adaptar a legislação à modernidade, está aqui a prova de que isto não é o «Trabalho XXI». Muitas destas propostas são de regresso ao século XIX, porque isto é uma medida completamente antidemocrática, é uma política que afecta os trabalhadores no que diz respeito ao acesso à informação, à organização e à melhoria das suas condições de vida e de lutar por uma vida melhor. Mas depois coloca-nos aqui uma questão central, que é: o que a lei diz é que para o sindicato entrar numa empresa onde não haja trabalhadores sindicalizados, eu tenho que informar a empresa, tenho que pedir autorização à empresa. Então, e aqueles milhares de trabalhadores que descontam por fora, que descontam directamente ao sindicato porque têm represália do patrão? Como é que a gente ultrapassa agora esta questão central? Para nós é central, porque nós temos milhares de trabalhadores que descontam diariamente ao seu sindicato porque têm medo da repressão, da perseguição, da ameaça que existe diariamente no seu local de trabalho.

Depois dizem, a ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho] há-de intervir e pode intervir, mas a ACT depois vai questionar o sindicato de quantos sócios tem e como é que prova quantos sócios tem naquela empresa. E então é o sindicato que vai anunciar quantos trabalhadores tem ou quem são os trabalhadores que têm sindicalizados, faltando desta forma a um compromisso de sigilo que tem com o trabalhador? Não pode ser. Isto só demonstra que estamos perante uma ministra do Trabalho que não sabe como é que funciona o mundo do trabalho. É uma técnica que pode ser, como muita gente diz, uma excelente técnica, mas não conhece minimamente aquilo que é o mundo do trabalho. E demonstra muito daquilo que é o cariz ideológico que está patente neste pacote laboral, e que, obviamente, conduz àquilo que estavas a colocar: quem é que ganha com o afastamento dos sindicatos dos locais de trabalho? Não são os trabalhadores, deixam de poder trabalhar em colectivo. O medo implementa-se, o receio implementa-se, ganha expressão. Ora, se ganha expressão, quem é que ganha com este receio, com este recuo? São as empresas, são os grandes grupos económicos.

Apesar disso, na vossa opinião é preciso mudar alguma coisa na legislação laboral?

Claro que sim, até neste sentido de responder às necessidades. Há uma reivindicação central que a CGTP-IN tem, nomeadamente naquilo que é o combate à precariedade. Há uma reivindicação central e que tem de ser assumida: a cada posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo de trabalho efectivo. E esta, sim, também tem uma carga ideológica profunda. Está do lado dos trabalhadores. Defende aqueles que diariamente estão no seu posto de trabalho, anos e anos de desafio, sempre a executar a mesma função, sempre a responder à hierarquia profissional de uma certa e determinada empresa, mas que, durante todos esses anos, mantém um vínculo de trabalho precário. Depois, para aqueles que dizem que o mundo está a mudar, então que mude no sentido de melhorar as condições de vida dos trabalhadores. E a redução dos horários de trabalho é fundamental. Nós temos em cima da mesa a questão das 35 horas semanais para todos os trabalhadores, seja do sector privado, seja do sector público, correspondendo àquilo que é um anseio dos trabalhadores, de terem e de verem melhoradas as suas condições de vida, a sua conciliação entre a vida pessoal e familiar, isto são objectivos centrais. Obviamente temos a questão da contratação colectiva, temos a questão central que é a valorização dos salários, não só do salário mínimo nacional, mas também a questão de todos os salários. Nós temos um problema no nosso país que é fruto daquela questão do ataque à contratação colectiva, que é o achatamento de todos os salários. Temos assistido, por falta de negociação colectiva, ao aumento do salário mínimo nacional, mas todos os salários que estão acima das tabelas superiores não acompanham essa mudança.

Créditos

Portanto, aquilo que é central é o aumento do salário mínimo nacional já para 2026, no valor de 1050 euros, e um aumento geral para todos os salários de 150 euros. Pode-se perguntar: é necessário e possível? É, basta ver os dados que saíram recentemente sobre os lucros de algumas empresas do sector estratégico para o País. A Galp avançou com a notícia de que arrecadou nos primeiros nove meses deste ano, 973 milhões de euros de lucros, são mais de 100 milhões de lucros por mês. E a mesma empresa que é defendida nesta política de alteração à legislação laboral, e que se vai aproveitar de toda esta revisão para atacar ainda mais os trabalhadores, é a aquela que há dois ou três anos encerrou a refinaria de Matosinhos e mandou para o desemprego centenas de trabalhadores. 

Já tiveste oportunidade de afirmar que o objectivo da greve geral é retirar esta proposta da mesa. Como é que perspectivas a continuação da luta depois do dia 11 de Dezembro?

Nós tivemos uma enorme manifestação em Lisboa no dia 8 de Novembro. Mais de 100 mil trabalhadores responderam à chamada da CGTP-IN para virem para a rua denunciar os problemas que já hoje sentem, mas também a rejeitar o pacote laboral. Ora, esta massiva participação de trabalhadores demonstra o grau de esclarecimento que já existe no mundo do trabalho relativamente ao conteúdo do pacote laboral. Isto é muito positivo. Mas nós também dissemos uma coisa no dia 8 de Novembro: que esta é uma luta urgente, porque o ataque está em curso. É uma luta necessária, porque nós conhecemos o conteúdo do pacote laboral, e será uma luta prolongada. Nós dissemos isto aos trabalhadores. Vai ser uma luta prolongada, porque nós sabemos o governo que temos. Não podemos esquecer o passado, não podemos esquecer o tempo da troika, não podemos esquecer os ataques que foram feitos pelo PSD e pelo CDS no tempo da troika, toda a regressão que existiu no mundo do trabalho. Por exemplo, o mês por cada ano de trabalho, quando o trabalhador era despedido, nunca mais conseguimos recuperar esses valores, ficámos circunscritos aos 14 dias por ano. 

Mas nós afirmámos que ia ser uma luta urgente, necessária e prolongada. Esta nossa análise e de sermos abertos com os trabalhadores, prepara-os logo para aquilo que é a luta que temos pela frente. Nós sabemos que temos agora a greve geral do dia 11, terá que ser e vai ser uma greve com uma forte e uma enorme participação dos trabalhadores, vai ser uma greve que terá um impacto enorme no país e que deverá servir ao Governo para perceber a dimensão daquilo que é o seu ataque e a necessidade de retirada do pacote laboral de cima da mesa, mas obviamente há um conjunto de mecanismos que a CGTP-IN já colocou em cima da mesa para continuar a luta. E nós assumimos que a luta é para continuar, não desistimos enquanto este documento estiver em cima da mesa. E uma das questões que nós estamos a fazer paralelamente à preparação da greve geral é que estamos a recolher um conjunto de assinaturas junto dos trabalhadores de rejeição ao pacote laboral. Um abaixo-assinado de rejeição do pacote laboral dirigido ao primeiro-ministro que está a ter uma adesão fortíssima e uma disponibilidade enorme por parte dos trabalhadores para o assinarem em cada empresa, em cada local de trabalho, na rua, no contacto diário que temos com as pessoas.

Tal como passado demonstra, o presente confirma e o futuro irá comprovar, é com a luta de quem trabalha que vamos derrotar o pacote laboral, não tenho dúvidas disso.

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