O trajecto entre o Campo Pequeno e a Praça de Londres foi preenchido, na tarde desta quinta-feira, por milhares de jovens trabalhadores que assinalaram o Dia Nacional da Juventude em protesto.
A acção foi mobilizada pela Interjovem e trouxe a Lisboa as principais reivindicações de uma geração empenhada em combater o que é vendido como inevitável. «Dizem que estamos todos no mesmo barco e que a pandemia veio afectar toda a gente, mas os jovens trabalhadores foram os mais prejudicados e não tinha de ser assim», garante ao AbrilAbril Dinis Lourenço, da direcção da Interjovem.
«Muitos jovens fizeram greve para estar aqui hoje a exigir que querem trabalhar mas com direitos»
Dinis lourenço
O dia «tinha que ser assinalado em luta», afirma o jovem sindicalista, que remete para a situação em que vivem muitos jovens, em que a exploração se aprofunda e se dá um «aproveitamento brutal dos impactos reais do surto epidémico». Sublinhando que a Covid-19 não veio «trazer nada de novo» em termos de precariedade, Dinis Lourenço explica que os mais de 70 mil jovens desempregados são fruto da precariedade que já sofriam: vínculos precários, falsos recibos verdes, empresas de trabalho temporário, e agora as plataformas digitais sem regulação, são elementos que compõem um caldo de instabilidade, de desemprego e de ataque aos direitos dos trabalhadores, aproveitados pelo surgimento da crise sanitária.
O jovem sindicalista sublinha a «grande adesão» a estes protestos e a «coragem e confiança» que ela traduz. «Muitos jovens fizeram greve para estar aqui hoje a exigir que querem trabalhar mas com direitos», referiu. As contradições que foram evidenciadas pela pandemia levaram à indignação de muitos jovens trabalhadores mas que foi transformada em «luta organizada», porque é «lutando nos locais de trabalho e nos sindicatos que os jovens podem fazer valer os seus direitos» e garantir «uma vida melhor no presente e no futuro», disse.
Outsourcing é precariedade institucionalizada
Gonçalo Paixão, da Altice, Fábio Pragana, da EDP e Linda Correia da NOS, têm todos uma coisa em comum: nenhum deles é funcionário destas empresas apesar de serem imprescindíveis ao seu funcionamento diário e permanente.
«É uma questão de justiça: damos a voz e assinamos pela empresa mas quando um cliente liga para o serviço de apoio está a falar com um trabalhador que não tem qualquer tipo de vínculo»
Linda Correia
Todos contratados por empresas de outsourcing, prestam o mesmo serviço que outros colegas com vínculo às empresas «utilizadoras», mas não têm os mesmos direitos. «Estamos à mercê do cliente», afirma Gonçalo Paixão, acrescentando que «é sempre uma aflição porque uma pessoa não sabe se um dia para o outro, pela natureza do outsourcing vai continuar a trabalhar ali, ou se vai ter, por exemplo, transporte para o seu local de trabalho».
Desde o início do surto epidémico diz que já esteve em teletrabalho mas que não teve «qualquer compensação» no que toca às despesas de electricidade e internet.
Do mesmo se queixa Fábio Pargana, com vínculo à Randstad mas que presta serviço de atendimento ao cliente na EDP. «Faz-me muita falta um contrato colectivo de trabalho e ter os mesmos direitos que um trabalhador da EDP», confessa, referindo que a diferença é grande entre o seu salário de 665 euros e os mil euros de ordenado base na EDP.
Lembrando que a NOS é a única grande empresa de telecomunicações que não tem ainda um acordo colectivo, Linda Correia, também contratada através da Randstad, ressalva que ocupa um posto de trabalho permanente mas não tem perspectivas de ganhar mais do que o salário mínimo nacional. «Estamos nesta manifestação para exigir mais condições de trabalho e isso passa pela integração nos quadros da NOS e pela garantia dos mesmos salários e regalias», afirma.
Para esta trabalhadora, o Governo tem responsabilidades por permitir que as grandes empresas contratem através de outsourcing de forma «recorrente e permanente» para aumentar os seus lucros. «É uma questão de justiça: damos a voz e assinamos pela empresa mas quando um cliente liga para o serviço de apoio está a falar com um trabalhador que não tem qualquer tipo de vínculo com a NOS», concluiu.
Jovens não querem sectores estratégicos nas mãos de privados
Encontrámos também João Alves, da Comissão de Trabalhadores da Groundforce, que falou das condições laborais cada vez mais precárias que impedem os jovens de alcançar a independência que desejam. «Temos de nos manifestar para criar condições não só para a nossa geração mas para as futuras», defende o trabalhador. Sobre o processo de luta na Groundforce, do qual já resultou o pagamento dos salários em atraso, diz que «o que se pode retirar de bom» é que trouxe «maior consciência» aos trabalhadores sobre os seus direitos e a importância da empresa. «O problema não está resolvido porque a viabilização da empresa não está assegurada, nem os postos de trabalho. Mas os trabalhadores começam a pensar nas consequências da privatização e a relacionar com a perda dos seus direitos», disse.
«Temos de nos manifestar para criar condições não só para a nossa geração mas para as futuras»
João Alves
Hugo Gonçalves, técnico da EDP, referiu que assinalar o Dia Nacional da Juventude em luta serve também como forma de exigir responsabilidades aos que lucram muito com a exploração do trabalho. Em negociações salariais nas quais não viram propostas de aumento, os trabalhadores reclamam que uma empresa com lucros de 801 milhões de euros não pode dizer que não tem condições para melhorar as retribuições daqueles que «nunca pararam». «Os trabalhadores da EDP não aparecem muitas vezes na televisão como estando na linha-da-frente mas se não houver luz não há hospitais», sublinha Hugo Gonçalves.
A venda das barragens como forma de fugir ao fisco, sem ter em conta a alienação de parte da soberania, e os valores que vão pagar a um ex-administrador para «ficar em casa», são outros exemplos que justificam a indignação dos trabalhadores da EDP e a sua presença nesta acção de luta.
Apesar da pandemia nunca pararam mas a pretexto dela perdem direitos
Fábio Roxo segurava uma faixa que há muitos anos não era vista em manifestações. Trabalhador da Exide, fábrica de baterias de Vila Franca de Xira, veio com mais uma dezena de colegas à manifestação devido ao descontentamento que têm sentido nas negociações com a administração.
«Os valores a que chegámos no acordo para 2020 foram injustos do ponto de vista da maior parte dos trabalhadores e este ano, aquilo que nos apresentaram também não corresponde às nossas exigências», referiu o trabalhador e dirigente sindical.
«Não quiseram dar-me as horas da amamentação, nem férias a que tinha direito, e depois perseguiram-me porque me sindicalizei e comecei a exigir que o salário fosse pago ao fim do mês»
Margarida Alves
«Houve secções que tiveram que fazer turnos de 12 horas, correspondemos à necessidade de trabalhar em horários desfasados, estamos a fazer tudo o que tem sido pedido, mas não somos valorizados», afirmou, explicando que o trabalho envolve muito esforço físico e contacto com materiais perigosos.
Ao contrário do que muitos dizem, «afinal de contas, os jovens estão disponíveis para lutar», sublinha Fábio Roxo, acrescentando que esta manifestação é expressão de que, quando é «organizado», o descontentamento é motor da conquista de uma vida melhor.
Noutro sector que nunca parou, na panificação, também a pandemia serviu de desculpa para atropelos de direitos e «ajustes de contas». É o caso de Margarida Alves, despedida da Louripan, em Loures, onde várias colegas não recebem desde Janeiro. «Não me passaram carta para o fundo de desemprego, teve que ser a ACT a fazê-lo, e agora estou em tribunal a exigir o pagamento do que me é devido», contou a trabalhadora, acrescentando que «tudo começou» quando foi mãe. «Não quiseram dar-me as horas da amamentação, nem férias a que tinha direito, e depois perseguiram-me porque me sindicalizei e comecei a exigir que o salário fosse pago ao fim do mês», disse, garantindo que continuará a vir para a luta e a apoiar as colegas porque «só assim se pode avançar».