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Despedimentos ilegais? Governo quer trabalhadores a abdicarem de indemnizações

Um trabalhador isolado não tem a mesma força que o patrão e o Governo sabe. O pacote laboral abre a porta a que, em caso de despedimento ilegal, o patronato exerça pressão sobre o trabalhador para que este abdique da indemnização. As reintegrações também serão dificultadas e os processos disciplinares facilitados.

CréditosAntónio Pedro Santos / Agência Lusa

A proposta de alteração à legislação laboral apresentada pelo Governo PSD/CDS não mexe directamente nas fórmulas de cálculo das indemnizações por despedimento. No entanto, introduz mecanismos que, na prática, podem significar que os trabalhadores recebam menos dinheiro em caso de despedimeno ilegal, ou até mesmo nenhum.

Num documento que fragiliza e ataca direitos sindicais, o trabalhador fica cada vez mais exposto à ofensiva patronal. Nada está colocado por acaso e as alterações ao processo com que derrore o despedimento ilegal traduzm isso mesmo. 

Actualmente, um trabalhador despedido sem justa causa tem direito a uma indemnização calculada com base no seu tempo de serviço e remuneração. Este valor tem um carácter irrenunciável. Isto significa que, por lei, o trabalhador não pode ser forçado a abdicar deste direito. Qualquer acordo para receber menos do que o valor legal só é válido se for homologado por um juiz, uma salvaguarda fundamental.

Veja-se um exemplo prático com a legislação em vigor. Vamos considerar que um trabalhador com um salário base de 1200 euros e 15 anos de empresa é despedido sem justa causa. Nas regras actuais, o trabalhador teria a sua indemnização calculada da seguinte forma: 20 dias de remuneração por cada ano de trabalho, o que totaliza 300 dias. Convertendo para meses, são 10 meses de salário, perfazendo um total de 12 000 euros.

Actualmente, o trabalhador está protegido e não pode ser pressionado a aceitar menos do que está estipulado por lei, a não ser pelo tal acordo homologado por um juiz. Dada a ilegalidade, o trabalhador pode ainda exigir a sua integração no seu posto de trabalho (mas já lá vamos). 

Com a proposta do Governo, teoricamente, o valor da indemnização mantém-se o mesmo, ou seja, 12 000 euros. Porém, na prática, a situação do trabalhador pode ser muito diferente. No momento do despedimento, o patrão poderá apresentar-lhe uma proposta de acordo de, por exemplo, 8 000 euros, pressionando-o a assinar de imediato uma renúncia aos seus direitos completos, agora possível através de uma simples declaração. 

Na relação trabalhador-patrão existe uma assimetria. O trabalhador individualmente considerado tem menos força que o patrão, algo que é visível na negociação salarial ou de horário. Neste caso, com medo de represália, o trabalhador pode abdicar de parte da sua indemnização ou da totalidade desta. 

Acontece aqui uma outra alteração, já avançada acima. Atualmente, quando um trabalhador é despedido e considera que o despedimento foi ilícito, pode recorrer aos tribunais e pedir a reintegração no seu posto de trabalho, ou o pagamento de uma indemnização correspondente. Isto era, em grande medida um elemento que impedia arbitrariedades patronais. 

Com o pacote laboral desenhado pelo Governo a mando do patronato, caso o trabalhador seja despedido ilicitamente e queira ser reintegrado, terá que pagar uma caução ao tribunal e só mediante esse pagamento é que pode lutar. A par disto, para evitar reintegrações, o Governo dá a capacidade às empresas (não apenas as microempresas) de poderem pedir judicialmente a exclusão da reintegração, alegando «factos e circunstâncias impeditivas».

Neste campo dos despedimentos, o Governo quer ainda simplificar os processos disciplinares nas pequenas e médias empresas. De forma a «simplificar» o processo, passa-se a dispensar a realização da instrução dos trabalhadores e este fica impedido de apresentar provas que refutem os motivos da acção disciplinar. 

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