A afirmação de Wolfgang Schäuble, o todo poderoso ministro alemão, é o último capítulo de uma história de contradições da qual o responsável não consegue sair: ao mesmo tempo que continua a defender acerrimamente o caminho duro que ajudou a impor ao povo português, vê-se confrontado com um conjunto de indicadores positivos – ainda que insuficientes face à profunda recessão imposta pela política da troika e do anterior governo – que surgem depois de uma alteração de caminho.
Ontem, no Luxemburgo, afirmou que a actual conjuntura nacional mostra «que o programa de Portugal é uma história de sucesso». Mas o que Schäuble não disse é que esse «programa» deixou como resultado uma taxa de desemprego que superou os 15% no auge da sua aplicação e uma redução de perto de 7% na riqueza produzida em Portugal durante a sua aplicação.
Nem as contas públicas, o alfa e o ómega das análise europeias, podem dar conforto ao governante germânico. Quanto ao défice, no primeiro ano da troika (2011) foi de 7,4% do PIB; à saída (2014), o BES colocava-o em 7,2%. O resultado de 2016, de 2%, agora celebrado com a expectável saída do braço correctivo do Procedimento por Défices Excessivos (cuja decisão definitiva deve ser tomada hoje), foi alcançado já com o início de um caminho denegrido por Schäuble e seus pares, ainda que percorrido de forma tímida: regresso do horário de 35 horas de trabalho semanal e fim parcial dos cortes salariais no sector público, redução do IVA na restauração, fim progressivo da sobretaxa do IRS, subida do salário mínimo.
Quanto à dívida, não há nada para festejar. Nos três anos e meio de aplicação do programa da troika, a dívida pública subiu, em percentagem do PIB, sensivelmente o mesmo que nos 20 anos anteriores – e continua em torno dos 130% do PIB (quando Portugal aderiu ao euro, em 1999, era de 51%).
O facto que motivou as declarações triunfalistas de Schäuble, o pagamento antecipado de parte da dívida ao FMI, não vai ser suficiente para alterar esta realidade, até porque a dívida vai ser paga através de outros empréstimos, com juros mais baixos. O serviço da dívida pode descer ligeiramente, mas a dívida continua.
É isso mesmo que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE, que detém o empréstimo das instituições europeias no âmbito da troika) diz: «A redução do elevado saldo de dívida pública permanece um desafio.»
No entanto, o mea culpa do MEE não vai tão longe ao ponto de colocar em causa as políticas da troika. A solução, diz o relatório, passa por «políticas orçamentais muito prudentes durante um período extenso», o que, em linguagem da União Europeia, significa cortes nos rendimentos e direitos dos portugueses, e nos serviços públicos.
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