A Conferência Internacional sobre os Crimes do Colonialismo em África: Rumo à Reparação das Injustiças Históricas através da Criminalização do Colonialismo teve lugar recentemente na capital argelina (30 de Novembro e 1 de Dezembro). Tratou-se de um evento apoiado pela União Africana (UA) visando o reconhecimento do colonialismo como crime contra a humanidade e a exigência de reparações.
O encontro, que contou com a participação de líderes africanos, diplomatas e académicos, decorreu sob a liderança do presidente argelino, Abdelmadjid Tebboune, tendo culminado com a elaboração e adopção da Declaração de Argel – que, sublinha o Peoples Dispatch, «consolida décadas de defesa das reparações e de luta anticolonial numa posição continental coerente», e dá sequência às resoluções da UA, adoptadas este ano, que reconheceram a escravatura e o colonialismo como genocídios e crimes contra a humanidade.
A Declaração de Argel
A declaração tem um amplo alcance, situando as reparações dentro de uma luta mais vasta pela soberania, legalidade, justiça ecológica e mudança económica, afirma o jornalista Nicholas Mwangi.
«Começa por posicionar a memória como um terreno de contestação política, defendendo que o colonialismo não foi apenas um sistema de exploração, mas também um ataque às histórias, identidades e cosmologias africanas», acrescenta, sublinhando que reivindicar a memória se torna fundamental para reivindicar a soberania.
Nesta perspectiva, o estabelecimento de um arquivo digital pan-africano, a revisão dos currículos educativos para dar prioridade às experiências históricas africanas, a criação de memoriais e museus, e a restituição de artefactos roubados e restos mortais «não são actos de nostalgia», antes «exercícios de poder narrativo, o direito dos povos africanos a definir o seu próprio passado e, por conseguinte, o seu futuro político».
Codificando os crimes coloniais
Com base nesta reivindicação epistémica, a declaração faz avançar uma agenda jurídica ousada: a codificação do colonialismo como crime no direito internacional. Ao mobilizar tribunais nacionais, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, a Assembleia Geral da ONU, o Tribunal Internacional de Justiça e até o Tribunal Penal Internacional, a UA «procura converter injustiças históricas em acções judiciais concretas».
Reparações ambientais
A declaração alargou também o discurso sobre as reparações, destacando a violência ambiental do colonialismo. «O extractivismo, os programas agrícolas forçados e os testes nucleares deixaram profundas cicatrizes ecológicas em todo o continente, desde a Bacia do Congo ao Saara», destaca Mwangi. Para fazer frente a isto, o documento apela a uma avaliação continental dos danos ambientais, à formação de uma Plataforma Africana para a Justiça Ambiental e a exigências de reabilitação, compensação e apoio tecnológico. Ao fazê-lo, a UA liga a destruição ecológica da era colonial à vulnerabilidade climática contemporânea, reenquadrando as reparações como essenciais para a sobrevivência ambiental de África.
Reparações socioeconómicas
A declaração confronta ainda os legados socioeconómicos da exploração colonial, propondo uma auditoria a nível continental sobre a pilhagem económica, exigências de compensação, o cancelamento da dívida e reformas na governação financeira mundial.
A análise da UA reconhece que o colonialismo persiste estruturalmente através de regimes comerciais desiguais, da dependência da dívida, dos efeitos persistentes do ajustamento estrutural, dos contratos corporativos predatórios e do controlo limitado de África sobre os mercados e as tecnologias globais – afirma o Peoples Dispatch, sublinhando que «esta é uma grande mudança geopolítica», com África «a tentar globalizar a questão das reparações».
Alerta para contradições
Apesar desta ambição histórica, os organizadores pan-africanos também levantam questões sobre a abordagem da UA, se pode realmente desafiar as estruturas de dominação que actualmente moldam o continente.
Em conversa com o Peoples Dispatch, Blaise Tulo, do Movimento Socialista do Gana, formula uma contradição central no cerne do debate sobre as reparações em África: «As reparações trazem os crimes coloniais para a agenda, o que é muito importante e deve ser apoiado, mas os governos neocoloniais em África estão de olho no ganho monetário», diz, examinando um dilema estrutural: muitos estados africanos continuam presos a sistemas de dependência moldados por instituições financeiras ocidentais, empresas multinacionais e parcerias geopolíticas desiguais.
Como resultado disso, o seu interesse pelas reparações parece muitas vezes menos relacionado com a justiça e a responsabilização histórica, e mais com a garantia de novas vias de negociação dentro da ordem global vigente. «O que levanta a questão: poderão os governos cúmplices dos arranjos neocoloniais liderar realmente uma agenda transformadora de reparações anticoloniais?»
Tulo aprofunda o tema. «Se pagarem, isso significa que a ordem neocolonial acabou? Porque a estrutura apenas se transformou e evoluiu.» Ele realça a realidade de que África continua a operar dentro de sistemas financeiros e económicos extractivos, regimes de dívida, mandatos de privatização e programas de austeridade que reproduzem as lógicas coloniais de acumulação por expropriação.
Visto desta forma, o debate sobre as reparações não pode ser dissociado da luta mais ampla contra o neoliberalismo. Qualquer acordo que ignore os fundamentos materiais da exploração corre o risco de se tornar simbólico em vez da mudança transformadora necessária.
O perigo, diz Tulo, reside em permitir que as reparações se tornem uma distracção política. «Não podemos deixar que a reivindicação de reparações seja uma distracção. Não pode substituir a luta de classes.»
Isto exige uma compreensão materialista da libertação africana; as reparações devem ser inerentemente políticas, e não apenas legais ou monetárias. Sem abordar as relações de classe, a exploração do trabalho, a expropriação de terras e as estruturas capitalistas herdadas e adaptadas do domínio colonial, qualquer compensação, se vier a ser concedida, corre o risco de ser apropriada pela mesma elite que há muito beneficia dos arranjos neocoloniais. Neste sentido, a luta por reparações é indissociável da luta para desmantelar a arquitectura socioeconómica que continua a sustentar a desigualdade em todo o continente.
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