Numa atitude de profundo paternalismo (e subserviência aos interesses económicos do patronato do sector do comércio), os deputados do PS, PSD, Iniciativa Liberal e CDS-PP, com abstenção do Chega, chumbaram a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para encerrar todo o comércio às 22h e a todos os domingos, subscripta por cerca de 27 mil trabalhadores da área. A proposta partiu do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP/CGTP-IN).
PCP, Livre, BE, PAN e Juntos Pelo Povo votaram a favor do encerramento do comércio às 22h e aos domingos e feriados.
No debate sobre a Iniciativa Legislativa de Cidadãos, PS, PSD, IL e Chega socorreram-se de todos os fantasmas para justificar a sua oposição à melhoria das condições de vida dos trabalhadores do comércio, fingindo sempre uma grande preocupação com a conciliação entre horários de trabalho e as famílias. Ricardo Araújo, deputado do PSD, ressalvou que trabalhar aos Domingos e Feriados, ou até à 1h da madrugada, representa «uma oportunidade de emprego, de remuneração, incluindo para jovens estudantes que não teriam outra possibilidade de rendimento».
Hugo Costa, pelo PS, passou rapidamente das platitudes para a defesa dos interesses que ali representa: «naturalmente», afirmou, o PS defende que «sejam garantidas todas as condições para a conciliação da vida pessoal e profissional no tempo, para o lazer e para a família. «Contudo», o Partido Socialista defende exactamente o oposto, por necessidade de salvaguardar «soluções de equilíbrio em respeito com as regras da concorrência e do mercado». O PS tem duas almas em guerra – no final, ganham sempre os interesses do patronato.
Pela IL, Carlos Guimarães Pinto também tomou as dores dos patrões, alertando para o risco que representaria o fim horários de trabalho até à madrugada e aos domingos e feriados para os «trabalhadores estudantes» e para os trabalhadores que têm companheiros de outros sectores que trabalhem ao Domingo e que, desta forma, já não poderiam realizar folgas desreguladas em conjunto. Guimarães Pinto não se esqueceu de reafirmar que a vida familiar dos trabalhadores do comércio vale menos do que a «conveniência» de quem faz compras nesse dia.
Congratulando a «cidadania activa» demonstrada pela Iniciativa Legislativa de Cidadãos protagonizada pelo CESP, Felicidade Vital, deputada do Chega, sem deixar ressalvar a necessidade de salvaguardar a protecção da família («pilar fundamental da sociedade») contra horários desregulados, ignorou olimpicamente esses princípios para defender os multimilionários donos das grandes empresas do comércio: esta proposta significa «mais controlo, mais burocracia e menos liberdade económica», asfixando os «trabalhadores honestes e os consumidores que têm direito à flexibilidade» com «intervencionismo económico e controle estatal sobre a actividade económica».
Palavras ocas em defesa dos trabalhadores e das suas famílias
Já em 2024, em resposta ao alarmismo da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (que no espaço de 48h conseguiu prever que esta medida custaria 18, 40 e 200 mil postos de trabalho no sector), o sindicato havia desmontado as narrativas do patronato, dado o facto de conhecer bem a «realidade de quem trabalha no comércio». Esta tentativa de chantagem por parte das organizações patronais contrastam com o facto de que «há cada vez mais lojas, com maior volume de negócios, mais lucros… e cada vez menos trabalhadores, com horários desregulados, forçados a desdobrar-se em horas extra para lá das já excessivas 40 horas semanais».
Também a ideia de que esta proposta é impraticável esbarra no facto de ser uma medida que já está em prática em países como a Áustria, Alemanha, Espanha, Suíça, Noruega e Grécia. Estes são apenas alguns dos países onde as superfícies comerciais estão encerradas aos domingos, sem se verificar nenhum colapso do sector do comércio.
Em frente à Assembleia da República, enquanto a iniciativa era discutida no parlamento, dezenas de trabalhadores e activistas sindicais participavam no protesto convocado pelo CESP. Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP-IN, em entrevista à RTP, reiterou o compromisso da central sindical na luta para que todos os trabalhadores «tenham direito ao lazer, direito ao tempo em família, direito a viver uma vida melhor, direito a desligarem-se completamente do trabalho». A Iniciativa Legislativa prende-se, exactamente, com a defesa desse direito.
«A questão central é se estamos interessados em responder aos interesses das empresas, grandes grupos económicos ou estamos interessados em responder aos interesses da maioria. E a maioria são os trabalhadores». Existem, neste momento, em Portugal, 1.9 milhões de trabalhadores presos «a ritmos de trabalho completamente desregulados. Trabalho ao Sábado, trabalho ao Domingo, trabalho no Feriado, trabalho por turnos e trabalho noturno».
Antecipando os guiões dos deputados da direita, Tiago Oliveira recentra a questão: «Quais são os interesses que estão por trás disto?». Certamente, defende o secretário-geral, «não são os interesses daqueles que têm que trabalhar com horários desregulados ou que procuram um momento de lazer, um momento de diversão, cultural». Sob a capa da defesa dos trabalhadores, o PS e a direita mais não fizeram «do que suportar os interesses das grandes superfícies comerciais e das grandes empresas».
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