A investigação científica é, hoje, a busca sistemática e metódica do conhecimento e inovação nas ciências naturais, nas ciências formais, nas engenharias, nas tecnologias, nas humanidades e nas artes. Sim, as engenharias, as tecnologias, as humanidades e as artes também fazem parte dela. E absolutamente nada do que fazemos hoje não involve de uma maneira ou de outra o que foi conseguido com a investigação científica. Do estetoscópio à ressonância magnética, do cultivo da batata à aquacultura, da comunicação à escrita… nada escapa. E, no entanto, a Ciência nunca está no centro do debate político.
O Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) é composto pelos Laboratórios do Estado, as Instituições de Ensino Superior (IES), a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), as Unidades de Investigação e Desenvolvimento (UID) — mais conhecidas por «centros de investigação» —, os Laboratórios Associados (LA), os Laboratórios Colaborativos (CoLab), os Centros de Interface Tecnológicos, as Infraestruturas de Ciência e Tecnologia, as Redes e Consórcios de Ciência e Tecnologia, bem como as empresas ou instituições públicas, privadas e Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos (IPSFL) que desenvolvam ou participem em atividades de investigação científica, de desenvolvimento tecnológico, ou de comunicação de ciência e tecnologia. Cansa só de ouvir. É um sistema complexo, talvez excessivamente complexo, permanentemente sujeito a reformulações legislativas, embora mais de forma do que de conteúdo. No entanto, na sua essência, resume-se a três coisas: instituições públicas, semi-públicas e privadas. E não nos deixemos enganar pela palavra «privadas» das IPSFL, pois a maioria são apenas artifícios legais dentro das instituições públicas para muito convenientemente serem donas de coisa nenhuma exceto do contrato dos investigadores, privando-os do direito a uma carreira.
E é na privação de uma carreira que reside o maior problema da investigação científica em Portugal. Cerca de 90% dos investigadores com contrato têm contratos a prazo, ou seja, são «precários». E precisamente 100% dos bolseiros de investigação científica também o são e esses nem sequer contratos de trabalho têm — porque em Portugal uma bolsa não confere nenhum vínculo laboral. Se preferirem algo mais visual, imaginem a famosa regata de Oxford e Cambridge onde os barcos são do Estado, os timoneiros são investigadores da carreira e todos os remadores são precários. Só não há tamborileiro nem chicote, pois já não estamos no tempo das galés. É esse o retrato do nosso SCTN.
«Cerca de 90% dos investigadores com contrato têm contratos a prazo, ou seja, são "precários".»
E a precariedade na Ciência combate-se de uma e uma só forma: contratando para as carreiras. Pouco importa a aprovação de um novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) se se continuar a não contratar para esta carreira. Pouco importa se se aprova outro ainda mais novo já amanhã. Independentemente da necessidade de rever o estatuto, a não contratação para a carreira de investigação nunca em nada dependeu da sua revisão. Não se contratou no passado, para a carreira, pela mesma razão que não se contrata, no presente, para a carreira: por decisão política. Precarizar todo o trabalho é o grande sonho liberal. Foi fácil fazê-lo na Ciência, em Portugal, porque para acompanhar o aumento da investigação científica que levou a União Europeia (UE) a duplicar o número de investigadores per capita, de 1996 até hoje, o país quadruplicou o seu número de investigadores, durante o mesmo período, recorrendo quase exclusivamente ao trabalho precário — com a agravante de que, para as estatísticas, os bolseiros de investigação entram como trabalhadores, mas para a lei e para o desemprego entram como estudantes.
A transformação de muitas dessas bolsas de investigação em contratos de trabalho a prazo só foi conseguida a partir de 2016/2017 porque o PS a isso foi obrigado pelas forças à sua esquerda, o PCP e BE, e pela pressão dos investigadores nas ruas. Foi esse mesmo PS que, já com uma maioria absoluta, não quis resolver o problema da precariedade do setor em 2022/2023, propondo apenas a criação (já tardia) de um limitado pacote de apoios financeiros, parciais e temporários, para a contratação para as carreiras, conhecido por FCT-Tenure. Pacote esse que, curiosamente, é já o governo PSD/CDS quem o executa. Execução que está ainda bem longe de ser finalizada.
Hoje, os investigadores no desemprego já custaram 20 milhões de euros em compensações por caducidade de contrato, custando mais cerca de 2 milhões de euros por mês ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). E não estão desempregados por falta de trabalho. Estão desempregados, sim, por falta de concursos para as carreiras. As estes 2 milhões, que saem do IEFP, há que acrescentar mais cerca de meio milhão por mês dos cofres das IES que se vêem agora obrigadas a contratar docentes a tempo parcial para lecionarem as muitas cadeiras que eram voluntariamente lecionadas por investigadores. A precariedade sai cara! A inércia e a incompetência também!
«Foi esse mesmo PS que, já com uma maioria absoluta, não quis resolver o problema da precariedade do setor em 2022/2023, propondo apenas a criação (já tardia) de um limitado pacote de apoios financeiros, parciais e temporários, para a contratação para as carreiras, conhecido por FCT-Tenure.»
Mas o Governo PSD/CDS tampouco quis resolver o problema da precariedade na investigação científica. Durante a votação do novo ECIC, chumbou a proposta de criação de um regime transitório de integração na carreira para os investigadores já com vários anos de trabalho precarizado. O PS, apesar dos vídeos que faz circular, também não o quis. Não o quis enquanto teve a maioria absoluta, não o quis durante a votação dessa proposta na Assembleia da República e, como sempre, não o quererá nunca, a menos que a isso seja obrigado. E quanto à mais que justa e devida revogação do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) e consequente transformação de todas as bolsas em contratos de trabalho, nem que seja de um só dia, sempre podemos contar com a recusa unânime de PS e do PSD/CDS.
A cada dia que passa, cada bolseiro conta mais um dia em que efetivamente trabalhou sem que o país o conte. A cada dia que passa, há mais um contrato que termina sem que nenhum outro o substitua. A cada dia que passa, há mais um projeto de investigação que já ninguém sabe como vai poder concluir. A cada dia que passa, há mais um novo investigador que não o irá ser. A cada dia que passa, o SCTN desacelera e paralisa e será cada vez mais difícil conseguir voltar a movê-lo.
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