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Bolseiros: comunidade científica unida no protesto contra a precariedade

Largas dezenas de investigadores protestaram esta terça-feira, frente ao Centro de Congressos de Lisboa, tendo denunciado os problemas vividos no sector.

Largas dezenas de investigadores reuniram-se em protesto contra a precariedade na Ciência
Créditos / ABIC

O encontro nacional «Ciência 2019», organizado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que decorre até hoje, contou no primeiro dia (segunda-feira) com as intervenções do ministro da Ciência, Manuel Heitor, e do primeiro-ministro, António Costa, que admitiram que «o trabalho não está concluído» e que o Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos à Administração Pública (PREVPAP) foi insuficiente, sendo necessário «criar novos mecanismos».

«Uma mão cheia de nada»

Em declarações ao AbrilAbril, Nuno Peixinho, presidente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), valorizou o protesto e as intervenções empenhadas dos participantes. «Chegamos ao fim da legislatura com uma mão cheia de nada», frisou. Sobre as declarações proferidas segunda-feira pelos ministros, referiu que «o espanto foi genuíno quando o ministro da Ciência disse que o PREVPAP não funcionou porque não estava previsto para as carreiras especiais, o que não é verdade. Está escrito na lei que era para aplicar às carreiras gerais e especiais».

Para o investigador, tudo não passa de uma questão de vontade política. «Se quisessem resolver a situação dos bolseiros, mesmo contra a vontade dos representantes das instituições universitárias, seriam capazes de garantir a aplicação da lei», disse. Os casos mais insólitos passam pela própria universidade não reconhecer que o requerente tenha estado a trabalhar na instituição. «É um processo totalmente individualizado, e está nas mãos do bolseiro, ele é que tem que dar provas de que existe e o empregador – a universidade – pode não reconhecer que essa pessoa está ligada à faculdade».

Considera que os investigadores começam a ganhar uma percepção mais sólida das incongruências deste processo, apesar de muitos já terem feito os requerimentos e de já terem chegado algumas notificações. «No ano passado os concursos da norma transitória não estavam abertos e por isso a tensão era muito grande. O CRUP [Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas] fez tudo para não iniciar o processo, os reitores não cumpriam a lei mas não havia como os sancionar», frisou.

Este ano clarificaram-se os termos em que se coloca o diferendo. «O ministro confunde a existência de um contrato com o fim da precariedade. Contratos a termo não garantem uma progressão na carreira e, enquanto não existir uma carreira de investigação, não existe estabilidade», afirmou. Este continua a ser, segundo o dirigente, o maior problema dos investigadores. Referiu ainda a situação dos bolseiros de doutoramento, que «não são vistos como trabalhadores, não têm contrato de trabalho com os deveres e direitos que isso implica, mas são obrigados à exclusividade». Ou seja, sem contribuições não têm protecção, mas são impedidos de trabalhar noutra entidade com um contrato.

«Uma clara tentativa de afastar quem pede a regularização»

Já Sara Vargas, até agora bolseira na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), ficou de fora do PREVPAP. Falou-nos da sua situação, que considera paradoxal. «Logo que fiz o requerimento, o director do centro de investigação indicou-me que não o deveria ter feito sem o ter consultado», disse. Acrescentou que muitas direcções dos centros não têm interesse em contratar e que as pessoas são pressionadas a não iniciar os processos com vista ao estabelecimento de um vínculo permanente.

«Comecei a trabalhar para substituir uma funcionária em todas as suas funções e outras, eu era necessária ao funcionamento diário do centro, o que obriga a um vínculo efectivo», afirmou. Mas, ainda assim, o seu contrato não foi renovado e o centro voltou a abrir um concurso de bolsa para as mesmas funções. Para Sara, foi uma «clara tentativa de afastar do posto a pessoa que tinha pedido a regularização», o que garante que aconteceu noutras instituições.

«Muitos anos a trabalhar para o progresso da Ciência, mas não somos trabalhadores»

No protesto encontrámos também Joana Freitas, bolseira de doutoramento na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), que nos falou da perspectiva dos jovens investigadores. «O que fazer a seguir a anos com bolsas sucessivas? Se não somos contratados, ficamos fora das instituições. Estivemos muitos anos a trabalhar mas isso não é tido em conta», disse, acrescentando que «o acesso à investigação é abrangente mas o problema é continuar, ser integrado e progredir».

Impressiona-a a situação em que vivem muitos colegas: «Há pessoas que são bolseiros há 20 anos à espera de que a faculdade abra um concurso para terem um contrato, o que é raro. Prolonga-se o doutoramento porque se trabalha ao mesmo tempo fora da faculdade.»

Não tem dúvidas de que o trabalho que desenvolvem, para além de ter valor, é utilizado pelas instituições. «Estamos a produzir valores que são absorvidos pelas instituições, a Ciência evolui, estamos a trabalhar para isso, mas não somos considerados trabalhadores, e não temos qualquer protecção laboral», criticou.

Os investigadores estarão hoje nas bancadas da Assembleia da República a assistir ao debate do Estado da Nação.

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