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|rede eléctrica

Um «quase apagão» deixa tudo muito escuro

Com a saída da central de Sines ainda sem estarem garantidas todas as condições que a REN tinha alertado serem necessárias, a rede ficou desequilibrada e exposta a casos como o que agora se verificou.

Torre de alta tensão. Foto de arquivo.
Torre de alta tensão. Foto de arquivo. Créditos / Rock-cafe

O acidente na rede elétrica internacional do passado dia 24 de julho, tendo começado com o embate de uma avioneta em linhas de alta tensão em França, levou à interrupção no abastecimento a um significativo número de consumidores domésticos e industriais em Portugal.

Este «quase apagão» vem demonstrar o que se tem vindo a referir: a existência de crescente instabilidade nas redes de transporte e de distribuição de eletricidade, resultante da complexa mudança forçada pelo novo paradigma de aprovisionamento elétrico baseado em miríades de centros de produção suportados em fontes renováveis e dispersos no território nacional. Alguns milhares desses centros de (pequena) produção são, simultaneamente, pontos de consumo.

A transição energético-climática (por vezes designada por transição ecológica), vem sendo concretizada através de uma política energética drasticamente virada para a descarbonização rápida da indústria, da produção de eletricidade e dos diversos consumos.

A referida transição comporta no seu cerne, não tanto objectivos de recuperação económica, de racionalidade técnica, de preocupação ambiental abrangente ou de eficiência energética global, mas de uma voluntariosa e idealista mutação para um portefólio produtivo quase exclusivamente centrado na produção renovável (tipos e dimensões muito variáveis), através do qual se presume vir a conseguir diminuir as concentrações de CO2 na atmosfera terrestre, o que, supostamente, permitiria estancar as alterações climáticas devidas às emissões de CO2 antropogénico.

Não sendo o local e o momento oportuno, importa referir que estes desejos de controlo climático, são, no mínimo, merecedores de uma análise crítica e isenta.

«Os encerramentos extemporâneos de centrais termoelétricas – Sines e Pego (a breve prazo) e as centrais de ciclo combinado que utilizam gás natural, daqui a poucos anos – têm sido conjugados com o exponencial aumento do número de unidades baseadas em renováveis intermitentes»

O sistema de produção e as respetivas redes elétricas (transporte e distribuição), que se baseava, até há alguns anos, em fluxos de eletricidade que iam das grandes e médias centrais hidroelétricas e termoelétricas (5 ou 6 dezenas) para as várias centenas de milhares de pontos consumidores dispersos no território continental português, passou rapidamente para um desenho quase completamente invertido (e híbrido): para além de ainda se manter alguma produção centralizada em aproveitamentos hidroelétricos e em centrais de ciclo combinado, proliferaram dezenas de milhares de núcleos de produção dispersos, que injectam eletricidade renovável em certos pontos das redes. Numa grande quantidade desses pontos – os de autoconsumo – verificam-se situações híbridas. Neles, para além de se injectar eletricidade, existem consumos noutros momentos do dia, ou seja, recebe-se eletricidade da rede. Tudo isto com grande variância, volatilidade e imprevisibilidade.

A designada produção verde, está, e continuará a estar durante alguns anos, alicerçada, em grande parte, na subsidiação suportada pelos consumidores. Simultaneamente, o esquema tem permitido elevadas remunerações de capital aos accionistas de grandes empresas elétricas.

Os encerramentos extemporâneos de centrais termoelétricas – Sines e Pego (a breve prazo) e as centrais de ciclo combinado que utilizam gás natural, daqui a poucos anos – têm sido conjugados com o exponencial aumento do número de unidades baseadas em renováveis intermitentes. Ora, esta alteração implicou que a inércia da rede elétrica se tornou cada vez menor: ou seja, verifica-se uma cada vez menor capacidade para reagir com flexibilidade e rapidez às súbitas falhas no abastecimento (e a outras perturbações).

O incidente do passado dia 24, verificado ao nível da rede de transporte internacional de Muito Alta Tensão (MAT), foi, em Portugal, corrigido com o corte rápido e automático (até, no máximo, 10 segundos) do fornecimento de eletricidade a determinados tipo de consumos pré-selecionados: bombagem, grandes consumidores industriais e diminuição de consumos gerais a nível da E-Redes (rede de distribuição). É o chamado deslastre automático que está previsto exactamente para estas situações, e que é accionado quando a frequência elétrica baixa 1 a 2 Hz devido à falta de potência na rede.

No entanto, e é aqui que tem impacto a questão do tipo de produção, a necessidade de deslastre – desligar consumos – será tanto menor quanto maior for a capacidade de resposta do parque produtivo, aumentando, também em poucos segundos, a produção de eletricidade para compensar aquela que faltou subitamente. No caso presente tratava-se de compensar a grande quantidade de energia que estava a ser importada através da rede espanhola e, de repente, falhou. A eletricidade, proveniente de França, também tinha origem nuclear. A compensação, para ser eficaz, deveria passar pelo contributo de grandes unidades de produção convencional, sejam elas baseadas em combustíveis (gás natural e carvão), sejam hidroelétricas de albufeira. Têm é que entrar rapidamente na rede com potências significativas.

«O incidente do passado dia 24, verificado ao nível da rede de transporte internacional de Muito Alta Tensão (MAT), foi, em Portugal, corrigido com o corte rápido e automático (até, no máximo, 10 segundos) do fornecimento de eletricidade a determinados tipo de consumos pré-selecionados»

As pequenas e médias unidades baseadas no vento e no sol não têm possibilidade de responder a este tipo de necessidade, até porque estão sempre no máximo das suas capacidades (têm essa garantia contratual, ou, como têm preços marginais zero, entram sempre na rede). No caso dos milhares de microunidades existentes em moradias, condomínios e unidades económicas, a situação é similar, para pior. Nesses casos não é de esperar qualquer ganho no domínio da inércia. Quer isto dizer que, com esse tipo de unidades, não se conseguirá aumentar instantaneamente a potência, até porque, como sabemos, os fluxos de radiação solar e de vento não são controláveis pelo Homem.

Com a saída da central de Sines ainda sem estarem garantidas todas as condições que, aliás, o Operador da Rede de Transporte (REN) tinha alertado serem necessárias, a rede ficou desequilibrada e exposta a casos como o que agora se verificou. Essas condições passavam por estarem concluídas, pelo menos, a linha de 400 kV que atravessa o Alentejo (de Ferreira até Tunes) e o aproveitamento hidroelétrico da Iberdrola do Tâmega. Estes empreendimentos só estarão prontos em 2023.

No actual contexto a central de ciclo combinado a gás natural situada no Carregado (Central Termoelétrica do Ribatejo) passou a ter um papel fundamental para garantir a estabilidade da rede a norte de Lisboa, bem como para garantir alguma compensação daquela que se desenvolve para sul. Mas, nesta central, apenas estão disponíveis 1169 MW.

Se Sines ainda estivesse interligada teria, provavelmente, um ou dois grupos a funcionar nos níveis mínimos, o que possibilitaria, em poucos segundos, escalar a potência de modo a compensar aquela que deixou de estar disponível a partir da importação. A necessidade de deslastre seria muito menor.

Não obstante o brutal aumento do custo da energia produzida nas centrais de Sines e do Pego devido à inflação artificial do «preço» do carbono, estas unidades continuam (ou continuariam) a ter um papel relevante.

O já referido deslastre da rede passa por cortes automáticos em diversos tipos de consumos.

Desde logo há os desligamentos em alguns dos aproveitamentos hidroelétricos, com grupos geradores (turbina/alternador) reversíveis que estejam em modo de «bombagem» levando a água de regresso à albufeira. Esses consumos são os primeiros a serem desligados – no dia 24 foram interrompidos automaticamente 300 MW (ocorreu uma situação anómala em Alqueva, onde o grupo que estava a bombar água se manteve indevidamente nesse regime, e que deverá ser averiguada por entidades competentes).

«Com a saída da central de Sines ainda sem estarem garantidas todas as condições que, aliás, o Operador da Rede de Transporte (REN) tinha alertado serem necessárias, a rede ficou desequilibrada e exposta a casos como o que agora se verificou»

Há, depois, um conjunto de grandes consumidores de eletricidade (geralmente empresas industriais) que têm contratualizado o chamado regime de interruptibilidade. Em situações anormais do tipo da presente ocorrência são automaticamente desligados. Por essa razão beneficiam de preços especiais de eletricidade, situação que leva a que, anualmente, possam encaixar alguns milhões de euros (mais de 100 milhões), mesmo que não haja qualquer problema. Neste regime, que irá terminar em outubro próximo, terão sido desligados consumos de apenas cerca de 300 a 400 MW. Como está actualmente contratualizada a interruptibilidade com nove empresas1 num montante de 693 MW de potência desligável automaticamente, será interessante perguntar por que razão não se desligaram mais consumos neste regime. Estes contratos valem muitas dezenas de milhões de euros por ano para estas nove empresas (48 unidades operacionais em diferentes pontos do país), facto que faz acrescer a fatura endossada à generalidade dos outros consumidores.

Como os cortes já referidos não foram suficientes, e porque, como já foi visto, a produção de compensação já não existe em quantidade suficiente, houve necessidade de aprofundar o deslastre, o que levou ao corte de mais 550 MW na rede de distribuição, coisa que acabou por afectar muitos milhares de consumidores. No total, com estes mecanismos automáticos desligaram-se mais de 1 000 MW dos cerca de 5 500 MW que Portugal consumia na altura. Isto é, em Portugal cortaram-se 20% dos consumos enquanto em Espanha apenas foram deslastrados 7,5% (estavam nos 30 000 MW). É fundamental pedir explicações ao governo, à ERSE, à REN e à EDP sobre o sucedido e suas razões.

O Prof. João Peças Lopes, um grande entusiasta das renováveis e da transição, disse que, no dia 24, «estivemos muito próximo de uma situação de black-out»2, acrescentando que a grande questão será a de saber se o sistema ibérico, numa tarde de verão, daqui a dez/quinze anos, «será capaz de sobreviver a uma perturbação deste tipo»?

O especialista referido, embora defendendo que o incidente «requer uma autópsia cuidadosa, pois é difícil de entender como, com todos os procedimentos de segurança que são normalmente adotados na exploração das redes de transmissão, uma situação destas pôde ter lugar. Algo correu muito mal», acrescenta que se deverá «estudar cuidadosamente este tipo de problemas nos próximos anos, mas atrevo-me a responder dizendo que certamente que sim, o sistema sobreviverá», adiantando desde já a necessidade de mobilizar «mecanismos de disponibilização de inércia síncrona, de emulação de inércia sintética e regulação rápida de frequência, com volumes a definir, associados a novos produtos a colocar em mercado ...»

Para tentar «aguentar» o sistema que o regime político-económico dominante e sua entourage tecnocrática dizem pretender instalar (em 2050, teoricamente, já não haverá um único eletrão produzido que não seja «verde»3), existem ideias e propostas com «soluções» técnicas (grande extensão/densificação das redes, sistemas inteligentes, baterias de acumuladores, compensadores síncronos, etc.,). Conhecem-se, contudo os elevadíssimos custos acrescidos que isto acarreta, e que, como também se sabe, serão totalmente imputados nas Tarifas de Acesso às Redes e Custos Globais de Sistema (CGS), repassados, portanto, através das Tarifas Finais, aos consumidores.

Também se sabe que muitos dos vectores da transição energético-climática passam pela introdução de «novas tecnologias» que, sendo conhecidas há muitas décadas, aparecem agora como tábua de salvação no contexto de «emergência climática»: as baterias de acumuladores, o hidrogénio e a mobilidade elétrica, esta centrada na continuação dos veículos individuais. Ora, é necessário ter presente que, grande parte destas «soluções», estando pouco amadurecidas do ponto de vista técnico-económico, impõem enormes elevações nos preços finais, bem como um significativo volume de subvenções públicas não reembolsáveis e/ou créditos em condições especiais colocados à disposição das empresas privadas (e da banca comercial) que, agora, se tornaram fervorosos defensores da sustentabilidade verde.

«Para tentar “aguentar” o sistema que o regime político-económico dominante e sua entourage tecnocrática dizem pretender instalar [...] existem ideias e propostas com “soluções” técnicas (grande extensão/densificação das redes, sistemas inteligentes, baterias de acumuladores, compensadores síncronos, etc.,). Conhecem-se, contudo os elevadíssimos custos acrescidos que isto acarreta»

A complexidade irracional do sistema elétrico que vem sendo materializado, bem como a necessidade de contínuos e crescentes investimentos que mitiguem os seus efeitos negativos, determinarão custos e preços crescentes de uma eletricidade já de si muito marcada por alcavalas de todo o tipo, entre as quais o peso da precificação artificial do carbono que vem sendo imposta numa cavalgada insustentável4.

Para um país como Portugal a situação terá grande impacto negativo.

Neste contexto de contínuo aumento do custo da eletricidade para as populações e para a economia, justificado com o valor supremo do «combate às alterações climáticas», há, contudo, uma coisa intocável: os monstruosos lucros, alguns propiciados por rendas e subvenções públicas não reembolsáveis, arrebanhados anualmente pelas grandes empresas energéticas que operam em regime de monopólio e/ou de oligopólio consoante o sector e a perspectiva.

Além de muitas outras questões, caberá questionar como será possível perspectivar a recuperação económica e a resiliência social numa transição marcada por preços e custos crescentes de um factor de produção tão relevante como é a energia (não apenas da eletricidade), a que se acrescentarão as convulsões sociolaborais motivadas por encerramentos precoces de várias unidades de conversão energética, de processamento petroquímico e, talvez, de fabrico de aço e de cimento?

A questão de fundo passa, contudo, pelos elevados Custos de Interesse Geral Económico (CIEG) que, não sendo impostos, incidem nas tarifas conduzindo a altos preços finais, pelo IVA muito elevado, e, também, pelo peso da componente energia resultante do mercado grossista que funciona em oligopólio especulativo, com tendência crescente para a volatilidade oportunista.

No reino da energia, com um ministro que recusa actuar no sentido de descer o preço dos combustíveis, argumentando que «não faz sentido estimular a emissão de CO2», e, simultaneamente, se desloca numa bomba de alta cilindrada a 200 km/h, está tudo cada vez mais escuro.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AE90)

  • 1. Siderurgia (Megasa), Cimpor, Secil, Soporcel, Solvay, CUF Sakthi Portugal, Ar Líquido e Somincor.
  • 2. Jornal online Água & Ambiente, 26/7.
  • 3. Imaginemos que, em 2050, quando já não existirem centrais convencionais, nem sequer centrais nucleares (também essas condenadas ideologicamente ao desaparecimento), não há sol durante várias horas (ou dias) e o vento intermitente não seja muito! Como não se sobreviveria à base das hidroelétricas, ter-se-ia que recorrer maciçamente à importação (não se sabe bem donde) e, à eletricidade acumulada em caríssimos sistemas de baterias e de hidrogénio (para gerar eletricidade em dispendiosas pilhas de combustível).
  • 4. Ver recentes artigos de actores políticos como a deputada europeia Maria da Graça Carvalho (in DN, 21/7, A descarbonização inteligente) e do ex-ministro e ex-deputado europeu Jorge Moreira da Silva (in DN, 29/7, Coerência e coragem na ação climática) onde defendem, a propósito do combate às alterações climáticas, a “veracidade nos preços”. Aliás, lendo bem tais artigos, percebe-se o “receio” que perpassa nos espíritos destes influentes membros do PSD, sobre um eventual fracasso da luta climática da União Europeia.

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