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Revolução nos transportes públicos em marcha

Os novos passes são uma medida revolucionária com impactos sociais, económicos e ambientais, que favorecem sobretudo a classe trabalhadora. Entraram em vigor no dia das mentiras, mas são uma realidade pela qual lutaram milhares de utentes.

Até agora já houve 70 mil pedidos de novos passes em LisboaCréditosMiguel A. Lopes / Agência LUSA

A partir desta segunda-feira, 1 de Abril, os portugueses passam a pagar menos para andar de transportes públicos. Os habitantes dos 18 municípios da Grande Lisboa têm agora a possibilidade de se deslocarem mensalmente em transportes públicos ao custo máximo de 40 euros, o que nalguns casos gera poupanças de cerca de 1500 euros anuais. No Porto, a medida, que deverá ser alargada a todos os operadores a partir do próximo mês, também aporta benefícios a milhares de passageiros, mas já lá iremos. 

A par do importante contributo para as bolsas das famílias, prevê-se que o alargamento do passe social intermodal a todos os operadores e todas as carreiras contribua não só para reduzir a poluição, os acidentes e o stress de quem diariamente serpenteia longas vias dentro da sua viatura, mas melhorar também a qualidade de vida das cidades.   

Em declarações ao AbrilAbril, Bernardino Soares, presidente da Câmara Municipal de Loures, reconhece que esta medida terá um «grande impacto» no concelho de Loures, onde milhares de pessoas se deslocam diariamente em transportes públicos para trabalhar.

«Para além do alívio dos orçamentos familiares com as despesas relacionadas com os transportes públicos, a medida vai certamente contribuir para o gradual abandono da viatura particular, o que trará um descongestionamento significativo no trânsito, bem como uma redução das emissões de CO2», aponta o edil.

Segundo a previsão avançada pelo Governo, 79 mil toneladas de CO2 poderão deixar de ser produzidas anualmente em Portugal como resultado da implementação do Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos (PART). 

Aprovado na Assembleia da República (AR) no âmbito do Orçamento do Estado (OE) para 2019, o PART viu a sua verba subir de 83 para 104 milhões de euros, por proposta do PCP. Desde 1997 (data da sua primeira iniciativa legislativa na AR sobre este tema) que os comunistas lutam pela redução tarifária e pela promoção dos transportes públicos em todo o País, de forma a garantir a qualidade de vida das populações, sem exclusões.

O mesmo prevê o PART, apesar das críticas da direita, que tentou ofuscar os benefícios da medida alegando que introduzia desequilíbrios relativamente ao Interior.

O OE define a distribuição das verbas para cada área metropolitana e para cada Comunidade Intermunicipal (CIM), determinando que 60% dessas verbas sejam dedicadas à redução tarifária. Simultaneamente, prevê que tanto as áreas metropolitanas como as CIM tenham que pôr 2,5% da verba atribuída pelo Estado em 2019, 10% em 2020 e 20% em 2021. 

«No nosso caso, o que decidimos foi que a totalidade da verba [75 milhões de euros] será aplicada na redução tarifária, mas os 18 municípios da AML definiram que em 2019 colocavam no sistema 25 milhões de euros e, em 2020, 31 milhões de euros», esclarece Carlos Humberto, primeiro-secretário da Área Metropolitana de Lisboa (AML), numa entrevista ao AbrilAbril

«Estas verbas são para complementar o PART, isto é, para a redução tarifária, mas também para o aumento da oferta e para outras medidas, no âmbito da mobilidade e dos transportes, que seja necessário tomar», aclara. 

O presidente da Câmara Municipal de Loures acrescenta que a concretização da redução do valor dos passes sociais resulta do «grande envolvimento dos municípios que contribuíram decisivamente para a concretização desta medida», e do investimento financeiro na concretização do passe intermodal. No caso do Município de Loures, o investimento ascende a 2,5 milhões de euros por ano, admite Bernardino Soares.

Crítica com origem de classe

«Dizer-se, como alguns dizem, que Lisboa está a ser beneficiada, é desconhecer ou querer esconder que Lisboa é a zona do País com mais população, cerca de três milhões de habitantes, é a zona onde há mais deslocações pendulares, onde se percorrem mais quilómetros em transporte colectivo, e portanto, parece injusto não reconhecer a necessidade de apoio à redução tarifária de forma significativa na AML», esclarece Carlos Humberto. Por outro lado, recorda, a medida estende-se a todas as CIM do País, que também recebem uma verba nesse sentido.

Para o primeiro-secretário da AML trata-se de uma discussão «descontextualizada e demagógica» que, além de omitir o contributo dado pela AML para o Produto Interno Bruto (PIB), pode ter na origem uma questão de classe. 

«Não percebo a crítica da direita, quando eles sabem que isto vai beneficiar as pessoas, quem faz deslocações pendulares diárias para ir trabalhar ou para ir estudar, e por isso interrogo-me se aqui não está também uma crítica com origem de classe», uma vez tratar-se de uma medida que «beneficia privilegiadamente os trabalhadores». 

Bernardino Soares complementa a ideia, afirmando que os novos passes permitem acabar com uma dupla penalização das populações com menos condições económicas que, por via da especulação imobiliária, são empurradas para longe dos locais onde trabalham e com transportes mais caros. 

«Se fosse para os bancos ou para as parcerias público-privado (PPP), para as quais todos contribuímos com mais de mil milhões de euros, passava», denuncia Carlos Humberto. Por outro lado, critica, «porque é que quando PSD e CDS-PP foram governo tomaram medidas exactamente ao contrário do que afirmam?» 

«Foi cortar, reduzir e dar as piores condições ao sistema de transporte, tanto nas áreas metropolitanas como no País. Veja-se o estado em que ficou a ferrovia portuguesa, as estações e as linhas que foram encerradas, a degradação do material circulante, isso é responsabilidade de quem? Da área metropolitana e dos municípios que propuseram esta medida? De quem aprovou a medida no OE para 2019?», indaga Carlos Humberto.  

Poupanças anuais de 1500 euros  

Com os tarifários que entraram hoje em vigor nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, os utentes atingem poupanças que podem chegar aos 1500 euros anuais. Na AML, os novos passes intermodais mensais chamam-se Navegante Metropolitano e Navegante Municipal. O primeiro custa 40 euros e permite viajar por toda a área metropolitana, o segundo é dez euros mais barato e limitado a deslocações dentro de cada município. 

Entre os que beneficiam de maiores reduções estão, por exemplo, os municípios de Mafra e de Setúbal. Os utentes de Mafra, que até agora despendiam 165 euros do seu salário num passe que os levasse diariamente a Lisboa, passaram a pagar 40 euros, o que equivale a uma redução mensal de 125 euros (1500 anuais). Já os utentes de Setúbal, que até aqui pagavam 161,15 euros por um passe da Fertagus, com Carris e Metro incluídos, para a capital, passam a poupar 121,15 euros mensais, ou seja, 1453,80 por ano.  

Noutros concelhos mais próximos da capital, designadamente no de Loures, os utentes que até agora gastavam 61,20 euros mensais para se deslocarem a Lisboa, passam a poupar 21,20 euros e a poder utilizar as carreiras da Barraqueiro.  

Está igualmente previsto o Navegante 12, que permite às crianças até 12 anos viajarem gratuitamente na AML e, a partir do mês de Julho, os Navegante Família, que vão permitir pagar o máximo de 80 ou 60 euros por todos os passes do agregado, quer se trate dos passes Navegante Metropolitano ou Navegante Municipal, respectivamente. Os descontos que já existiam para estudantes, reformados e pensionistas vão manter-se.  

Por enquanto, só Andante

Na Área Metropolitana do Porto, onde o passe único intermodal ainda não é uma realidade, os novos tarifários são aplicados a partir desta segunda-feira nos transportes do Sistema Intermodal Andante, que inclui a STCP, o Metro e a Resende, entre outras empresas. 

Há o Andante 3Z, que permite circular em três zonas contíguas, e o Andante Metropolitano, que se estende por toda a rede Andante, ao preço de 30 e 40 euros, respectivamente. Mas as vantagens da medida já se fazem notar na carteira dos utentes. Até agora, pagava-se mais 8,40 euros pelo Andante 3Z (38,40) e o Andante 2Z custava 31,15 euros, ou seja, por menos dinheiro cobre-se agora mais território. 

Para se ter uma ideia das avultadas poupanças para os utentes com o Andante Metropolitano (40 euros) basta espreitar o antigo tarifário, onde um passe mensal Andante Z6, utilizado por exemplo para quem mora na Póvoa de Varzim, custava 68,60. 

No caso de Matosinhos, onde todas as redes já estão integradas na rede Andante, os utentes já podem optar livremente entre os andantes 3Z e Metropolitano. Os utentes que dantes pagavam 58,50 euros pelo Andante Z5, para deslocações, por exemplo, entre Lavra (Matosinhos) e o Porto, passam a poupar mensalmente 18,85 euros.  

Novos desafios

Os novos passes entraram hoje em vigor e o objectivo de levar mais pessoas a andar de transportes públicos e tornar as cidades mais respiráveis já começou a ganhar expressão. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, revelou esta manhã que já houve 70 mil pedidos de novos passes.

A Norte, no período entre 16 e 27 de Março, as lojas Andante contabilizaram 46 mil novas assinaturas, que comparam com as 7150 registadas no mesmo período do mês de Fevereiro. 

Aumentando o número de passageiros é preciso acautelar medidas, como o crescimento da rede, e Carlos Humberto confirma que, no caso de Lisboa, os municípios estão já a trabalhar nesse sentido.

«Entre outras coisas, estamos a organizar um concurso internacional para todo o transporte rodoviário na AML, salvo o que é municipal, com a ideia de que a rede tem que crescer, ou seja, tem que aumentar a oferta, aumentar a frequência, a qualidade do transporte público», realça. 

A ambição, diz Carlos Humberto, é ter uma rede de transportes praticamente nova «dentro de um ano, um ano e pouco». Entretanto, realça que há pequenas medidas que estão a ser tomadas. «A Soflusa está a pensar em aumentar nas horas de ponta, sabemos que outros operadores estão a tomar medidas, a Carris comprou 150 autocarros que vão reforçar a oferta e a rede à medida que forem chegando, e a Fertagus está a tomar medidas pontuais».

Entre os desafios no curto prazo está também a constituição de uma empresa de capitais integralmente municipais ou metropolitanos, com vista a gerir, por exemplo, todo o sistema de bilhética e de informação aos passageiros. «Não temos data mas gostávamos que fosse constituída ainda em 2019», conclui Carlos Humberto.  

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