|Manuel Gouveia

Porque estão parados os comboios?

O Governo, teatral, chama a greve de política, por se realizar em tempo de eleições. E, no entanto, se a greve tem algo de político, esse algo é da exclusiva responsabilidade do Governo.

CréditosRodrigo Antunes / Agência Lusa

Os comboios estão parados porque quem os põe em movimento está em greve. Os administradores foram trabalhar, o ministro em campanha eleitoral quase não dorme, a polícia foi colocada em alerta, os jornalistas andam de microfone em mão a fazer o frete que lhes pagam para fazer: «Então, dói muito esta greve?», sem (quase) nunca arranjarem tempo para falar com quem abdica de um dia de salário para fazer greve, para lutar por algo, para nos mostrar algo. Mas eles, administradores, ministros, polícias, jornalistas, todos juntos, não fazem mover um comboio. Isso é a vida dos ferroviários.

E claro que cada greve custa, custa na inversa proporção da riqueza criada por quem naquele dia recusou o trabalho. E custa, a quem a faz, o preço que nesse dia receberia pela força de trabalho que recusou vender.

O Governo, teatral, chama a greve de política, por se realizar em tempo de eleições. E, no entanto, se a greve tem algo de político, esse algo é da exclusiva responsabilidade do Governo.

«E claro que cada greve custa, custa na inversa proporção da riqueza criada por quem naquele dia recusou o trabalho. E custa, a quem a faz, o preço que nesse dia receberia pela força de trabalho que recusou vender.»

 

Recordo que os ferroviários e a administração da CP tinham chegado a acordo nas negociações para um conjunto de aumentos salariais e outras valorizações das carreiras. E que fez o Governo? Proibiu a CP de assinar esse acordo!

Isto, quando o PSD passou oito anos a acusar o governo do PS de se ingerir demasiado na gestão das empresas públicas. Isto, quando a CP tem um contrato de serviço público e, nas palavras do próprio Governo, o que o executivo tem que fazer é verificar o cumprimento desse contrato e dar autonomia à administração para gerir a empresa. Isto, quando o próprio Governo já foi obrigado a reconhecer que os baixos salários são um factor determinante para as dificuldades operacionais da CP, ou seja, que para cumprir o contrato há que pagar mais e valorizar os ferroviários.

Diz o Governo que fez o que fez por estar em gestão. O que deve indignar os portugueses, pois isto é literalmente gozar com eles. Estamos a falar de um governo que se reuniu – em gestão – para fingir que aprovava o Plano Ferroviário Nacional, para fingir que lançava a construção de 400 novas obras públicas, para fingir atribuir dez mil milhões às empresas, e que agora, porque está em gestão, teria que travar o acordo entre a Administração da CP e os seus trabalhadores?

Isto, sim, é que é gozar com quem trabalha!

Tópico

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui