Muito se tem falado em impostos ultimamente. Com o avançar da campanha, é mais que provável que este tema, a par com a corrupção, venha a dominar as agendas políticas da maioria dos partidos. Não há nada que soe tão bem às pessoas do que esta ideia de estarmos a pagar impostos a mais. Contudo, ao assimilar e reproduzir este mantra, o cidadão comum, trabalhador ou pequeno empresário, está na realidade a defender interesses alheios, prejudicando a sua já tão precária condição de vida. Como iremos ver, os impostos são fundamentais para mitigar as desigualdades na distribuição do rendimento e para financiar serviços públicos essenciais e garantir o bem-estar social. É muito importante que se discuta a carga fiscal. Mas a discussão deve partir da necessidade de corrigir as desigualdades sociais, assegurando uma mais justa distribuição do rendimento e do fardo fiscal, tributando os lucros obscenos dos grandes grupos económicos e financeiros e financiando o Estado social.
Portugal está no topo dos países com maiores níveis de desigualdade junto da OCDE ou da União Europeia. A desigualdade no rendimento agravou-se ao longo das últimas décadas, como é possível observar na Figura 1. Os 10% mais ricos recebem hoje cerca de 35% do rendimento total, enquanto os 50% mais pobres apenas recebem 19%. Isto é a consequência de políticas de contenção salarial que permitiram uma concentração do rendimento nacional nas classes mais abastadas que controlam hoje o poder político.
Ainda assim, como podemos verificar na Tabela 1, quando comparamos o rendimento antes e depois de impostos, há uma diminuição significativa das desigualdades. No rendimento bruto (antes de impostos) o rácio entre o percentil 90 e o salário mediano anda à volta de 9, reduzindo-se para um pouco menos de 6 quando contabilizamos o rendimento líquido de impostos. Ou seja, antes da cobrança de imposto o rendimento dos 10% mais ricos é 9 vezes superior ao salário mediano, passando a ser apenas cerca de seis vezes depois de cobrados os impostos. Se juntarmos as transferências do Estado, obtemos o rendimento disponível, e este mesmo rácio P90/P50, de acordo com os dados do INE, passa a situar-se entre 2 e 3. Esta diminuição decorre do caráter progressivo da tributação. As taxas de imposto são maiores nos escalões de rendimentos mais altos. Mas se comparamos com outros países, verificamos que esta progressividade é pouco acentuada, o que explica uma grande assimetria na distribuição do rendimento, mesmo depois da cobrança de impostos.
Para além da reduzida progressividade dos escalões de IRS, a estrutura fiscal vigente em Portugal também pesa nas desigualdades existentes. A receita fiscal divide-se em impostos diretos (sobre o rendimento), impostos indiretos (sobre o consumo) e contribuições para a Segurança Social (CSS). A maior fatia vem dos impostos indiretos, com o IVA à cabeça, representando entre 40 e 45% da receita total. Quanto aos impostos diretos, representam cerca de 30% da receita total. Mas destes, a grande maioria vem do IRS (cerca de 65%), enquanto o IRC, que abrange os lucros das empresas, representa apenas 30%. Finalmente, surgem as CSS, cobradas sobre o fator trabalho e que representam cerca de 30% da receita total. Ou seja, temos uma receita fiscal fortemente assente nos impostos indiretos e em particular no IVA que é um imposto cego e regressivo porque, sendo a taxa igual para todos, pesa proporcionalmente mais juntos dos rendimentos mais baixos. Por outro lado, existe uma enorme desproporção entre a contribuição do fator trabalho (IRS mais CSS) relativamente ao capital.
A discussão sobre impostos é bem-vinda, mas não deve alimentar a ideia de diminuir a carga fiscal a quem já paga pouco, sobretudo se isto for feito à custa da degradação do Estado social. O que é necessário é repartir melhor o fardo fiscal, aumentando a progressividade do IRS, diminuindo os impostos indiretos e alargando a base fiscal, eliminando benefícios fiscais dirigidos aos mesmos de sempre. Seria desejável debater uma reforma fiscal ao nível do património, que representa hoje o elemento que mais pesa no alargamento do fosso entre ricos e pobres. Finalmente, venha o debate sobre a forma de combater a fraude fiscal que custa aos cofres do Estado vários milhares de milhões de euros todos os anos.
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