Tal como em anos anteriores, Marcelo Rebelo de Sousa tenta fazer pressão sobre os partidos a propósito da aprovação do Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano.
Em declarações aos jornalistas, esta quarta-feira, o Presidente da República argumentou que os «custos» de eleições legislativas antecipadas em Janeiro e Orçamento do Estado em Abril «são muito elevados», alegando que haveria uma «paragem» em «muitos fundos europeus». A verdade é que nada impede o País de receber os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mesmo que o orçamento acabe chumbado.
Por outro lado, conhecido o custo de insistir em políticas que põem trabalhadores a empobrecer, descuram serviços públicos fundamentais, como a saúde e a educação, e não contribuem para uma repartição da riqueza criada, não há como atender ao «papão» da «crise política» com que Marcelo Rebelo de Sousa costuma acenar a cada Orçamento do Estado.
A proposta de Orçamento prevê um crescimento económico de 5,5%, mas com o Governo a fugir a compromissos fundamentais para o desenvolvimento do País, como o aumento dos salários e a valorização das carreiras. Na apresentação da proposta de Orçamento do Estado (OE), esta manhã, o ministro das Finanças enumerou «cinco grandes áreas de acção» na resposta ao pós-epidemia, entre as quais o rendimento das famílias, o aumento de salários na Administração Pública e o relançamento das empresas. Porém, o documento revela estar muito aquém do que o País precisa para superar problemas estruturais. De acordo com a proposta, os baixos salários continuam a ser a tónica, com o Governo a propor uns míseros 0,9% de aumento para os trabalhadores da Administração Pública, a que se associa a contínua perda do poder de compra dos pensionistas e os cortes nas pensões, inclusive dos que somam mais de 40 anos de carreira contributiva. Uma situação insustentável, tanto a nível económico como social. Numa altura em que o País dá sinais de sair de uma pandemia que pôs a nu a necessidade de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) robusto, o Governo desleixa a valorização das carreiras e dos salários de quem o assegura diariamente, não conseguindo garantir a sua fixação e correndo o risco da sangria de profissionais para o sector privado ou mesmo para o estrangeiro. Em matéria fiscal, e apesar das pistas que vieram a público nas últimas semanas, o Executivo de António Costa não apresenta um progressivo desagravamento dos rendimentos de trabalho mais baixos e intermédios e dos impostos indirectos. Na prática, os rendimentos até 1000 euros brutos não são alcançados pelo desdobramento dos escalões do IRS. Entre outras matérias, o Governo não dá resposta ao agravamento dos problemas da habitação e da energia, tal como não propõe medidas para um fortalecimento dos serviços públicos. Mantendo-se amarrado ao «equilíbrio» do défice e da dívida, a proposta de Orçamento estima um crescimento da riqueza criada de 5,5%, no próximo ano, sendo certo (se nada se alterar) que não serão os trabalhadores a aproveitá-lo. O documento detalhado esta manhã pelo ministro das Finanças foi merecendo críticas ao longo do dia, e ninguém admite comprometer-se com a proposta conforme está. Se à direita se critica o «peso do Estado» e a falta da «iniciativa privada», sendo esta uma das queixas do CDS-PP, à esquerda as críticas recaem no facto de se continuarem a adiar soluções para os problemas estruturais que o País vive. Segundo admitiu a deputada Mariana Mortágua, a proposta de OE «não inclui nem as prioridades do BE, nem as medidas negociadas» por este partido, admitindo votar contra se o Governo não se mostrar disponível para negociar. A proposta de Orçamento construída pelo Governo merece também o voto contra do PCP. Numa conferência ao fim da tarde, João Oliveira, líder da bancada comunista, denunciou que o Orçamento «não se insere» no sentido geral de resposta aos problemas do País, ao mesmo tempo que «o Governo não dá sinais de querer assumir esse caminho». O PCP entende que o documento «está longe» de estar no rumo que o País precisa, designadamente no que toca ao aumento dos salários e das pensões, considerando que, até à votação na generalidade, ainda há tempo de encontrar soluções. Pelo PEV, a deputada Mariana Silva mostrou preocupação com a falta de medidas para o combate à pobreza no IRS, desde logo, pelo facto de o Governo não ter aumentado o mínimo de existência. Também Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN, considerou que a proposta de OE2022 «não responde às necessidades» do País, e que o Governo «tem de perceber que não pode continuar refém do défice e da dívida pública». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
OE2022: Quem aproveita o crescimento económico previsto pelo Governo?
«Não responde às necessidades do País»
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Na dramatização sobre a eventualidade de eleições antecipadas, o Presidente da República dá a entender que um novo OE não seria muito diferente do que o Governo entregou no Parlamento na passada segunda-feira, mas a realidade do País a isso obriga. Cerca de 56% da riqueza total do nosso país é detida por 1% da população, sendo que a fortuna que é acumulada pelos 50 mais ricos em Portugal equivale a 12% do Produto Interno Bruto (PIB).
Enquanto não se tomarem medidas que garantam um equilíbrio na distribuição da riqueza e o desenvolvimento da economia e da produção nacionais, Portugal só estará a perder.
Desde ontem que este «tudo ou nada» de Marcelo, que hoje insiste na ideia de que «o que é natural é que o Orçamento passe», tem vindo a ser adoptado também por vários ministros, e pelo próprio António Costa, sendo no Governo que reside a responsabilidade de assegurar respostas para os problemas inadiáveis e evitar crises maiores.
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