O Governo aprovou em Conselho de Ministros no passado dia 17 de novembro uma resolução que dá início à transferência e partilha de competências de serviços regionais do Estado para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em nove áreas: economia, cultura, educação, formação profissional, saúde, conservação da natureza e das florestas, infraestruturas, ordenamento do território e agricultura. Sob a capa de uma alegada descentralização de competências, o Governo prepara-se na realidade para prosseguir com o desmantelamento das estruturas desconcentradas do Ministério da Agricultura, contribuindo assim para a desertificação do interior.
Na realidade, o desmantelamento do Ministério da Agricultura não constitui uma novidade. Há décadas que os serviços de extensão do Ministério, onde trabalhavam centenas de técnicos altamente credenciados e com um profundo conhecimento do terreno, têm vindo a ser progressivamente descontinuados. O número de funcionários afetos às direções regionais de agricultura era de 7200 em 1970. Em 2006, eram apenas 3600, passando depois a 2000, em 2013. Em 2016, contavam-se apenas 1800 trabalhadores.
«Na realidade, o desmantelamento do Ministério da Agricultura não constitui uma novidade. Há décadas que os serviços de extensão do Ministério, onde trabalhavam centenas de técnicos altamente credenciados e com um profundo conhecimento do terreno, têm vindo a ser progressivamente descontinuados.»
Foram, assim, muitos os serviços que pura e simplesmente acabaram1. Uma densa rede de laboratórios que prestavam um valioso apoio aos agricultores praticamente desapareceu. Mais recentemente, foram as florestas que passaram para o Ministério do Ambiente, seguindo-lhe igualmente a tutela sobre os animais de companhia, até então sob a alçada da Direção-Geral de Veterinária, pertencente ao Ministério da Agricultura. O bem-estar animal esteve igualmente para seguir o mesmo destino, tendo felizmente imperado o bom senso, veremos até quando.
Ao concentrar serviços nas CCDR, o Governo PS confirma a sua visão estratégica sobre a agricultura, reduzindo o papel do Ministério da Agricultura a uma mera função distribuidora dos fundos da Política Agrícola Comum (PAC). Com esta medida, o Governo PS demite-se da sua função de orientação política em matéria de produção agrícola e de soberania alimentar. Abdica, ao mesmo tempo, de qualquer ação política consequente em matéria de desenvolvimento do interior e de dinamização do mundo rural.
«Urge [...] canalizar os apoios para as regiões mais carenciadas [...]. Contudo, isto exige o reforço dos serviços públicos de extensão rural, ou seja, exatamente o contrário do que este Governo está a fazer.»
Há décadas que a PAC se encontra capturada pelos interesses das grandes explorações do Alentejo e do Ribatejo, deixando grande parte do País ao abandono. A atualidade da pandemia e da guerra provocada pelas ambições imperialistas da NATO e dos Estados Unidos colocam hoje mais do que nunca a necessidade de os Estados nacionais diminuírem a sua dependência alimentar face ao exterior. Urge, por isso, inverter esta situação, passando a canalizar os apoios para as regiões mais carenciadas, onde existem inúmeras potencialidades, seja na área florestal, seja na área agrícola ou agropecuária. Contudo, isto exige o reforço dos serviços públicos de extensão rural, ou seja, exatamente o contrário do que este Governo está a fazer.
- 1. J. Ramos Rocha, J. C. Rolo e F. Cordovil, Ministério da Agricultura 1985-2017: evolução institucional e políticas por grandes domínios de intervenção, volume III de Materiais para a História do Ministério da Agricultura 1918-2017, s.l., INIAV, 2021.
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