Já desde o fim do ano passado que se vinha discutindo, no seio da União Europeia (UE), a criação de um instrumento aplicável apenas na esfera dos seus Estados-membros, sob as designações de «passaporte de vacinação» ou «certificado verde».
Neste sentido, foi aprovado, na passada quarta-feira pelo Parlamento Europeu (PE) por procedimento de urgência, a proposta de «Regulamento relativo a um quadro para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperáveis de vacinação, testes e recuperação, a fim de facilitar a livre circulação durante a pandemia de Covid-19», também já conhecido por «certificado digital Covid-19».
A aprovação deste «certificado digital» assume o objectivo de «validar» a livre circulação de pessoas entre Estados-membros no actual contexto de pandemia. Assim, pretende certificar-se, a nível supranacional e no contexto europeu, determinados requisitos que os cidadãos devem ter para poderem viajar, nomeadamente a vacinação completa, um teste de diagnóstico ou ainda um atestado de recuperação da doença Covid-19.
O novo regulamento, que contou com votos favoráveis de PS, PSD, CDS-PP e Francisco Guerreiro, pretende que o «certificado verde» venha a ser condição para permitir a circulação de pessoas na UE.
Porém, o documento não assegura as condições de testagem e a vacinação para os trabalhadores cuja a sua actividade profissional depende da livre circulação, como é caso dos trabalhadores transfronteiriços.
A emissão, a nível comunitário, de um documento com esta natureza tem já sido objecto de diversas críticas, pelos problemas que encerra. Desde logo, este mecanismo está a ser elaborado à margem da Organização Mundial da Saúde (OMS), afastando-se de uma perspectiva global; não estão garantidas as devidas salvaguardas no âmbito da recolha e partilha de dados pessoais; para além de não ter como pressuposto que o essencial para o combate à pandemia é o alargamento urgente da vacinação à escala mundial.
De facto, a OMS já tinha criticado uma opção que se restinja a uma escala regional, neste caso ao nível da UE. Até porque já existe, desde 2007, o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) aprovado pela OMS e ratificado pelos Estados-membros da UE, que é aplicável em 196 países.
O RSI prevê condições e critérios sanitários reconhecidos internacionalmente de abordagem à questão da circulação de pessoas, num contexto de controlo da disseminação de doenças, nomeadamente através do averbamento individual de informação relativa a cada pessoa, sem recolha nem tratamento de dados pessoais em saúde.
O «certificado digital», por outro lado, vem reforçar a concentração na UE de competências quanto à definição das condições de circulação nos países da UE.
Ao que se soma o facto de que este novo mecanismo desconsidera um elemento fundamental a ter no actual contexto: só o alargamento urgente da vacinação à escala global permitirá um combate eficaz à pandemia, nomeadamente para evitar o aparecimento de novas estirpes.
Questão que a UE não está a assumir pondo em causa o interesse público. Veja-se que a Agência Europeia do Medicamento não concedeu ainda «autorização para colocação no mercado» a cerca de dez vacinas já validadas pela OMS.
No plano nacional, há partidos que preferem colocar-se ao lado das orientações da UE, em detrimento do interesse de uma luta global e mais eficaz à pandemia. Veja-se que PS (à excepção da sua deputada Sara Cerdas), PSD e CDS-PP, ao mesmo tempo que concordam com este certificado digital, chumbaram propostas que visavam considerar as vacinas como bem público, e estabelecer uma derrogação temporária dos seus direitos de propriedade intelectual.
Para além disto, a UE anunciou ainda esta segunda-feira que pretende vir a aliviar restrições de circulação para residentes em países fora do teritório dos seus Estados-mebros, com preocupação com deslocações por turismo.
Esta solução não só se situa fora do âmbito do «certificado digital», como também, e mais uma vez, pretende definir mecanismos que se colocam à margem das possibilidades globais que o RSI permite.
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