Eugénio Rosa reparte responsabilidades entre administradores e governos

Mais de metade do crédito empresarial da CGD foi dirigido para a especulação

As gestões «independentes» da Caixa Geral de Depósitos são responsáveis pela situação do banco público – tal como os governos que o permitiram. Eugénio Rosa aponta responsabilidades ao «bloco central», na Caixa e na tutela.

Os créditos concedidos a actividades especulativas durante anos são, agora, um dos maiores entraves ao desenvolvimento do banco público
CréditosMário Cruz / Agência Lusa

As administrações do banco público usaram-no para conceder crédito à construção e a actividades especulativas enquanto os governos, representando o accionista único da Caixa (o Estado), olhavam para o lado. Este é o retrato traçado pelo economista Eugénio Rosa num estudo recente sobre os desafios que se colocam à nova administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

53,7%

Percentagem do crédito às empresas concedido a actividades financeiras e contrução e imobiliário

Eugénio Rosa faz uma análise muito crítica à opção de entregar a gestão do banco público a equipas ditas «independentes» e «profissionais». Na verdade, as administrações só se mostraram independentes dos interesses da economia nacional e do País, já que muitos dos que se sentaram nas cadeiras do conselho de administração da CGD favoreceram negócios especulativos e são vários os cartões do PSD, do PS e do CDS-PP que figuram nas carteiras dos gestores que por lá passaram nos últimos anos.

O economista olha para o crédito concedido para chegar a uma conclusão: quase metade do crédito a empresas foi destinado a actividades financeiras e ao sector da construção e imobiliário. O crédito aos sectores produtivos não chegou a 15% do total concedido a empresas.

Alguns casos tornados públicos mostram a utilização de recursos da CGD para negócios sem qualquer interesse para a economia nacional: os empréstimos de 500 milhões de euros a um grupo de accionistas do BCP, no âmbito da luta pelo controlo do banco, em 2008; ou o financiamento da venda de parte da Efacec por parte do grupo Mello e da Têxtil Manuel Gonçalves por 200 milhões de euros.

«As administrações fizeram o que queriam, embora os seus custos fossem depois pagos pelos contribuintes e pelo País»

Eugénio Rosa

Estes negócios explicam muito do crédito em risco e em incumprimento no banco público, aponta Eugénio Rosa. Em conjunto, são mais de 15 mil milhões de euros, mais de 22% do total da carteira de créditos da CGD. As anteriores administrações «não desenvolveram nem aplicavam uma política de análise rigorosa de risco, nem tomavam em consideração o risco» na concessão de crédito, refere o economista. Mas as responsabilidades políticas também são apontadas, registando «a ausência de orientações claras dos governos em relação à política de crédito». O resultado é claro, aponta: «As administrações fizeram o que queriam, embora os seus custos fossem depois pagos pelos contribuintes e pelo País.»

Mas dá também exemplos da reponsabilidade do anterior governo na fragilização da situação financeira da Caixa. Após a privatização das seguradoras do grupo CGD, foi assinado um contrato de exclusividade por 20 anos com os novos donos da Fidelidade que o economista considera «ruinoso», já que as comissões acordadas são menos de metade dos valores praticados no mercado. De acordo com a estimativa feita, tendo por base os dados de 2015, este negócio vai representar um prejuízo de, pelo menos, 880 milhões de euros nos 20 anos de duração do contrato, sendo mesmo previsível que ultrapasse os mil milhões.

Mais cortes de pessoal não garantem retorno dos lucros

No estudo, Eugénio Rosa desmente a tese que vem justificando a redução de agências e trabalhadores do banco público. O retorno aos lucros (que permitiram ao Estado encaixar dividendos superiores a 2,6 mil milhões de euros) só é possível com a aposta na orientação da actividade da CGD para as necessidades de financiamento da economia.

A evolução recente do crédito concedido mostra isso, aponta o economista, sendo o segmento das micro, pequenas e médias empresas o único em que o crédito novo supera as amortizações – ou seja, em que o negócio bancário vem crescendo.

«A redução dos custos com pessoal tem limites que não podem ser ultrapassados, caso contrario, põe-se em causa a eficácia e a viabilidade da própria CGD»

Eugénio Rosa

Apesar da brutal redução no número de agềncias e de trabalhadores operada nos últimos anos (menos 128 balcões desde 2009 e 582 trabalhadores no nosso país no último ano), os prejuízos com os negócios ruinosos continuam a crescer.

No estudo, é demonstrado que a CGD é mesmo o banco nacional com melhor rácio de recursos de clientes por balcão e por trabalhadores – por cada trabalhador, a Caixa tem 5 milhões de euros de clientes, comparado com os 3,2 milhões do BCP ou os 3,6 milhões do BPI; por balcão, as disparidades são idênticas.

A CGD é mesmo o banco português em que os custos com pessoal representam a fatia mais pequena do total do volume de negócios, a par do Novo Banco; menos que o BCP, o BPI ou o Montepio Geral.

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