Lisboa entrou em reconfiguração e não foi só com o PSD de Carlos Moedas. A actual gestão autárquica potenciou o caminho encetado pelo PS e Fernando Medina. A especulação, eixo basilar da acção camarária de outrora, teve em Carlos Moedas o aliado que viu no PS um cúmplice à sua altura.
Ao longo do último mandato o descontentamento foi visível. Várias foram as manifestações pelo direito à habitação na cidade que passou a ter rendas proibitivas, que expulsou os que nela sempre viveram. A pretexto das eleições do próximo dia 12 de Outubro, Livre, BE e PAN aliaram-se ao PS para combater aquele que contou sempre com os «socialistas» e formaram a coligação Viver Lisboa.
Há, no entanto, vários elementos a serem considerados do último processo eleitoral, de 2021, para este, de 2025, nomeadamente, no que diz respeito à análise dos programas e a coligação em si. Em 2021, no que diz respeito à habitação, a candidatura do Bloco de Esquerda, encabeçada por Beatriz Mendes Dias, apresentava-se como uma candidatura de oposição à coligação PS/Livre, que visava a continuidade. Hoje, em 2025, os eixos que o Bloco de Esquerda criticava, enquanto partido de esquerda, estão contidos na coligação que integra juntamente com o PS, Livre e PAN.
Lancei-me ao desafio de procurar saber o que cada candidatura defendia, em 2021, relativamente às Parcerias Público-Privadas para a habitação, um desafio que só se concretizou graças ao site Wayback Machine, uma vez que os programas desapareceram da internet.
Vejamos, então, os programas:
2021
Programa eleitoral do PS/Livre, página 27
«Operações de parceria com o setor privado em regime de concessão de imóveis municipais, convocando a iniciativa privada, com intervenções em curso como a Rua Gomes Freire e grandes operações em fase de concurso: Benfica (459 fogos), Parque das Nações (154 fogos) e Paço da Rainha (55 fogos).»
Programa eleitoral do PS/Livre, página 28
«Os modelos que desenhámos e colocámos em marcha são inovadores no panorama da cidade e do país. Estamos a criar uma política de habitação pública dirigida aos jovens e à classe média inovadora na abrangência e alcance. Pelo caminho encontrámos e ultrapassámos contratempos, como sempre sucede nos grandes desafios e quando se cria algo de novo. Vimos o modelo das parcerias com os investidores privados a ser analisado em profundidade tendo sido possível consolidar um modelo.»
Programa eleitoral do Bloco de Esquerda, página 8
«Em Lisboa, Fernando Medina apostou no Programa Renda Acessível com Parcerias Público-Privada (PRA - PPP) e no Programa Renda Segura, para subarrendar casas a privados. Ambos os programas foram um falhanço e fomentam a especulação imobiliária que está na base da crise habitacional.»
O programa do PS/Livre, liderado por Fernando Medina, defendia a solução de PPP para a habitação, revelando até os projectos que tinha já em andamento. A intenção dessa candidatura, de recorrer a PPP, eram alvo de críticas por parte do Bloco de Esquerda que considerava que esse modelo de desresponsabilização foram «um falhanço e fomentam a especulação imobiliária que está na base da crise habitacional».
As palavras eram fortes, denunciavam a promiscuidade entre o sector público e privado e rejeitavam por completo uma solução que lesava o interesse público e os lisboetas. Em 2021, em Lisboa, o Bloco de Esquerda assumia-se, assim, contrário à mercantilização de uma responsabilidade social que deve pertencer ao Estado.
Acontece que quatro anos passaram, a coligação de Carlos Moedas ganhou e governou com a cumplicidade do PS que via «o modelo das parcerias com os investidores privados a ser analisado em profundidade tendo sido possível consolidar um modelo». Apesar disso, o Bloco de Esquerda, encarou a política de alianças como uma soma das partes, não algo programático que pudesse ser realmente uma alternativa ao bloco de direita liderado por Moedas, e neste caso das PPP para a habitação cedeu ao PS em toda a linha.
Neste sentido, o Bloco de Esquerda passou a integrar a coligação Viver Lisboa, entrou a direcção deste projecto ao PS, e desapareceu. A razão pode estar no programa eleitoral.
2025
Programa eleitoral Viver Lisboa - coligação PS, BE, Livre e PAN, página 8
«Reforçar o Programa Municipal de Renda Acessível, conferindo-lhe escala e previsibilidade, recorrendo, em solo municipal, ao direito de superfície de longo prazo para cooperativas, IPSS e modelos build-to-rent de arrendamento acessível, com rendas definidas e cláusulas anti-especulação, bem como a promoção pública direta e parcerias com o setor privado, sempre com cadernos de encargos sociais claros e monitorizáveis».
Em suma, o Bloco de Esquerda que em 2021 considerava as PPP parte da especulação imobiliária, em 2025 está associado a um programa eleitoral que as defende. A coligação Viver Lisboa liderada por Alexandra Leitão foi repescar a proposta política de Fernando Medina.
Pouco ou nada muda na abordagem do PS à habitação em 2021 e 2025. Sim, neste caso estão definidos «cadernos de encargos sociais», mas isso teria que existir de qualquer das formas nesse tipo de negócios. As «clausulas anti-especulação» não são definidas, mas a natureza dos agentes privados também não é negada.
Pode ser caso para dizer que o Bloco de Esquerda de 2021 faria oposição ao Bloco de Esquerda de 2025.
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