O CFP emitiu um relatório que pode ser lido como uma distorção da realidade. Analisando o documento, este usa uma metodologia que logo à partida distorce a possibilidade de lucros do Sector Empresarial do Estado (SEE).
«As empresas do SEE mantiveram resultados globais negativos, não obstante a melhoria dos indicadores de estrutura financeira. O volume de negócios das empresas não financeiras atingiu 20,6 mil milhões de euros (+5,2 mil milhões de euros face a 2023), mas o resultado líquido agregado foi negativo em 1312 milhões de euros, agravando-se em 546 milhões de euros face ao ano anterior. O capital próprio aumentou para 18,9 mil milhões de euros (+2 mil milhões de euros) sustentado pelo empenho financeiro do accionista, enquanto o passivo cresceu ligeiramente para 49,3 mil milhões de euros (+176 milhões de euros). Os rácios de autonomia financeira (27,7%) e solvabilidade (38,4%) reforçaram-se, mas 35 empresas encontravam-se em situação de falência técnica», pode ler-se no documento.
Assim, o CFP tirou conclusões sobre «as empresas do SEE», que teriam resultados negativos, sendo que depois só ilustrou com números das «empresas não financeiras» deste.

Conforme os números indicam, o SEE deu lucro. No entanto, em todas as 69 páginas do Relatório do CFP sobre o Sector Empresarial do Estado e Regional 2023-2024 nunca é feito este cálculo, apesar de lá constarem todos os dados. E o efeito alegadamente desejado foi alcançado: «Prejuízos das empresas do Estado agravaram-se para 1.312 milhões em 2024» (SIC, RTP e Observador); «Maioria das empresas do Estado dá prejuízo e 35 estão em falência técnica, revela o Conselho de Finanças Públicas» (ECO); «Empresas do Estado agravam prejuízos em mais de €500 milhões e há 35 em falência técnica» (Expresso).
Como o quadro acima também deixa ver, o que determina as contas da parte não financeira é o sector da saúde, que não fazia parte do SEE até ao último Governo do PS, que transformou os hospitais em empresas e colocou-nos no SEE. Entretanto, também os centros de saúde foram somados a estas «empresas» e colocados na esfera do Estado. Esta colocação dos hospitais e centros de saúde no SEE prende-se com o objectivo de facilitar a sua privatização e facilitar a privatização do restante SEE, na medida em que o sector não financeiro, mesmo sem o sector da saúde, também está a dar lucro.
Porém, o CFP escreve de forma a dar o sentido oposto. «A maioria das empresas não financeiras do SEE registou prejuízos em 2024, com destaque para o sector da saúde. Das 88 empresas (ou grupos de empresas) analisadas apenas 36 apresentaram resultados líquidos positivos, num montante global de 565 milhões de euros. As restantes 52 entidades registaram perdas de 1,9 mil milhões de euros, sendo a ULS de São José a entidade com um maior prejuízo individual (-150 milhões de euros). O sector da saúde concentrou 93% do resultado líquido negativo do SEE, com prejuízos de 1,7 mil milhões de euros, reflectindo o impacto da reorganização do SNS e dos custos operacionais elevados», lê-se no relatório.
Ora, tendo em conta o quadro anterior, esta «conclusão» do CFP soa a mistificação. Todas as restantes conclusões elaboradas para serem divulgadas pela comunicação social, sobre o agravamento das contas, as empresas em falência técnica, etc., derivam da sucessiva entrada no SEE deste sector da saúde e dos brutais prejuízos artificiais que ele transporta consigo.
No miolo do relatório, o CFP esconde um problema de fundo e que deveria ser o essencial do seu relatório: o problema do «subfinanciamento crónico» do SNS. De salientar que tanto os hospitais como os centros de saúde não são empresas, não estão no mercado, não têm um «accionista». Prestam um serviço público essencial e são cronicamente subfinanciados pelo Estado português que, ao mesmo tempo que subfinancia o Serviço Nacional de Saúde (SNS), sobrefinancia o negócio da doença (destinando-lhe já mais de metade das verbas que destina para a saúde).
Era a esta realidade que a capacidade de análise e de estudo de um CFP se deveria dedicar. Seria interessante saber, por exemplo, o volume de subfinanciamento, ou seja, a dívida real do Estado a estas empresas e o impacto directo (prejuízos) e indirecto (custo da dívida) nas contas.
Os sucessivos governos, como hoje todos reconhecem, andaram anos a colocar nas empresas estatais a dívida pública. O investimento público era feito pelas empresas públicas, mas quem se endividava era as empresas e não o Estado, tendo-se criado o mito da dívida das empresas públicas.
Paralelamente, subfinanciavam-se as empresas, nomeadamente as de transportes, e criou-se o mito dos prejuízos. Mitos que persistem, e que relatórios como este do CFP ajudam a ampliar.
Tendo em conta os números do relatório citado, um título apropriado seria: «SEE dá lucro de 488 milhões de euros em 2024, apesar de suportar 1,7 mil milhões de subfinanciamento do SNS» ou «Em 2024, o SEE excluindo o sector da saúde, dá lucro de 2,188 mil milhões de euros». Opções rigorosas, que ajudariam ao esclarecimento.
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