|Sofia Lisboa

Esse futuro

Um país só pode ser verdadeiramente livre quando valoriza quem o faz existir. Esse futuro não há-de chegar por milagre ou decreto, mas pelo gesto persistente de quem não desiste de o reclamar como seu.

Vivemos tempos em que a ideia de futuro parece ter sido sequestrada. Fala-se de desenvolvimento, de inovação e de crescimento, mas raramente se fala de justiça, de redistribuição ou de dignidade. Para termos o futuro que realmente queremos – um futuro sem desigualdades nem exploração, onde todas as pessoas possam viver bem porque estão inseridas numa sociedade que garante os direitos sociais e redistribui a riqueza a quem a produz, é urgente repensar o presente.

O futuro que queremos, que é bem diferente do que nos querem dar, há-de ser aquele onde o trabalho é motivo de orgulho e não uma sentença. Precisamos do trabalho para erguer o mundo à nossa volta. Por que razão não deveria ser do senso comum que o trabalho e os trabalhadores têm que estar no centro das preocupações políticas?

São os trabalhadores que constroem a sociedade todos os dias, que produzem, cuidam, ensinam, transportam, alimentam. No entanto, quantas vezes são eles os que menos beneficiam do seu próprio esforço? Um país só pode ser verdadeiramente livre quando valoriza quem o faz existir. Esse futuro, justo e comum, não há-de chegar por milagre ou decreto, mas pelo gesto persistente de quem, todos os dias, constrói o mundo com as próprias mãos e não desiste de o reclamar como seu.

Esse futuro, em que não há pobreza (uma verdadeira escassez organizada) nem injustiças que alimentem a desconfiança e a violência entre pessoas da mesma classe por terem origens diferentes, só será possível se vivermos o presente de outra forma. Precisamos de recuperar a ideia de militância, não como sacrifício, como se lutar por uma vida melhor fosse perder a vida que temos, mas como fonte de alegria e sentido. A alegria de estarmos com os outros, de pensarmos o que nos rodeia e de intervirmos; o contentamento de sabermos que, mesmo diante das maiores dificuldades, não desistimos de lutar, nem aceitamos outra forma de lidar com elas.

«Esse futuro, em que não há pobreza (uma verdadeira escassez organizada) nem injustiças que alimentem a desconfiança e a violência entre pessoas da mesma classe por terem origens diferentes, só será possível se vivermos o presente de outra forma.»

A série norte-americana Andor lembra-nos que a liberdade é uma ideia pura, um pensamento espontâneo e involuntário. A opressão, pelo contrário, é uma máquina gigantesca, sempre imperfeita, um empreendimento colossal, cheio de leis, decretos, vigilâncias e castigos, que nunca consegue destruir por completo o pensamento livre. E é precisamente esse pensamento que precisamos de resgatar – a capacidade de imaginar um futuro diferente e de o tornar real.

Não podemos ser livres quando não recebemos um salário justo em troca do nosso trabalho, quando não temos direito a uma casa, quando somos obrigados a aceitar as imposições dos grandes grupos económicos (até mesmo da indústria da guerra), que ditam o rumo dos nossos países.

Resgatar a ideia de futuro é recuperar a capacidade de imaginar o que ainda não existe, resgatar uma esperança activa, organizada e criativa, aquela que não fica à espera, que vai falar com os vizinhos para resolver problemas dos bairros, que vai falar com os colegas para travar as novas leis que foram desenhadas pelos patrões para nos explorar com cada vez mais eficácia. O futuro partilhado só chegará se formos capazes de organizar agora a sua construção. Façamos o telefonema, marquemos o encontro, não faltemos à chamada.

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