Um esquema piramidal de Ponzi é uma burla muito simples, que promete altos dividendos e os paga enquanto o dinheiro que entra (novos investimentos) é maior que aquele que sai (para pagar dividendos), pois são os novos investimentos quem paga todo o dividendo e o lucro do burlão.
Qual é a principal dificuldade de criar um novo esquema piramidal de Ponzi? Convencer o burlado que não está perante um esquema piramidal de Ponzi. As criptomoedas fazem isso muito bem, graças à complexidade dos processos tecnológicos associados ao processo. Ninguém percebe muito bem o que é a tecnologia «blockchain», mas já todos ouvimos dizer que uma bitcoin vale dezenas de milhares de euros e já todos ouvimos falar de gente que ficou rica por investir em bitcoins.
Neste ambiente, é fácil burlar milhões de pessoas. E não lhes chamem «pequenos investidores», que isso já faz parte do esquema para os levar ao engano. Os burlados são gente que cumpre a primeira condição do candidato a burlado, que é acreditar que é possível ganhar 5000 euros com o investimento de um euro.
Um exemplo: a partir do facto – real – de a Suécia estar a estudar a emissão de dinheiro digital, centenas de anúncios e falsas notícias apontam para empresas que vendem e-kronas e prometem transformar um euro em 5056 euros. Na campanha até existem sites de verificação de notícias que evidentemente validam o esquema.
«Qual é a principal dificuldade de criar um novo esquema piramidal de Ponzi? Convencer o burlado que não está perante um esquema piramidal de Ponzi. »
Um outro exemplo: foi recentemente preso um «português acusado de ser "um dos maiores" burlões de criptomoedas», que basicamente prometia 2,5% ao mês a quem investisse na sua empresa de compra e venda de criptomoedas. Um clássico esquema de Ponzi. Pois, na mesma página onde li esta notícias, num site «sério» de notícias, estavam outras quatro notícias em destaque para ler, três delas com títulos sugestivos: «Como ganhar um rendimento extra investindo 249 €»; «Eles ganham 750 € por dia e não fazem nada»; «Portugueses estão ficando ricos graças a esta tecnologia».
Estas fraudes, que rodeiam o mundo das criptomoedas, são no essencial dirigidas a tesos e remediados, e estão a beneficiar de uma complacência absoluta das autoridades. Contando ainda com a cumplicidade de uma Comunicação Social – dita séria – que aceita receber anúncios destas burlas e até com o enquadramento de uma outra Comunicação Social – ainda mais séria – que se limita a embelezar as bitcoins e todo o universo da especulação financeira.
Há milhares de portugueses a serem lesados em milhões de euros. Não importa quantas vezes leiam que fulano ganhou X ou beltrano ganhou Y. Isso é quase sempre mentira, e quando é verdade foi conseguido à custa de perdas muito superiores de outros.
Mas há uma outra fraude, mais profunda, que é o próprio mundo das criptomoedas. A actividade de «mineração» de criptomoedas, o próprio curso das criptomoedas e a especulação a ele associada só tem uma base material: o valor dos recursos gigantescos que são consumidos para gerar e operar uma criptomoeda. Mas não é este «custo de produção» que determina a cotação de uma criptomoeda, e sim o quanto alguém está disponível a pagar pela «criptomoeda» em dinheiro a sério.
Porque as criptomoedas não são dinheiro (não guardam valor, não são unidade de contagem, não são um meio de troca) e são transacionadas como um activo financeiro altamente especulativo que nem sequer cumpre as regras para poder ser considerado um activo financeiro.
Ora esta actividade, completamente improdutiva, consumidora de brutais recursos, poluidora, especulativa e ilegal, decorre à vista de todos, e até já há quem queira regularizá-la, colocar «os ganhos com criptomoedas» a pagar impostos e imagino que, as nunca mencionadas «perdas com criptomoedas», a abater aos impostos.
O Banco de Portugal até tem alguns estudos públicos interessantes sobre o tema e que até abordam algumas das muitas e perigosas ramificações desta discussão: além das já citadas, o problema do dinheiro privado e do controlo sobre os sistemas financeiros. Mas nada faz, e assiste impávido, mais uma vez, ao festim especulativo do capitalismo internacional que constrói mais uma gigantesca bolha sobre as nossas cabeças.
Mesmo para quem tenha a posição (e eu não tenho) de admitir formas legais de especulação, talvez fosse melhor ouvir o alerta do economista Nouriel Roubini: «Como o valor fundamental do bitcoin é zero e seria negativo se fosse aplicado uma adequada taxa de carbono à sua produção altamente poluidora e de uso intensivo de energia, prevejo que a bolha actual acabará por rebentar.»
Ora, todos temos a obrigação de saber o que acontece quando uma bolha financeira rebenta. Afinal, ainda estamos a pagar os estragos da última.
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