A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) enviou segunda-feira o seu parecer à Autoridade da Concorrência (AdC) sobre a compra do grupo que detém a TVI pela Altice, através da Meo. Apesar de não ter carácter vinculativo, o parecer da Anacom traça um cenário de perigos para o sector caso a operação se concretize.
Num comunicado emitido ontem, o regulador refere que o controlo da Media Capital pela Meo «traduz-se numa integração vertical completa da cadeia de valor. Internaliza no mesmo grupo as relações comerciais entre a produção de conteúdos, o fornecimento grossista de canais de TV e de rádio, a publicidade e a distribuição do serviço de televisão».
A Media Capital detém, para além da TVI (líder de audiências), a Plural (maior produtora de televisão portuguesa), um conjunto de rádios que dividem com o grupo Renascença a liderança de audiências e presença na internet através da marca IOL.
A Meo, detida pelo grupo francês Altice, para além dos serviços de telecomunicações (telefone fixo e móvel, internet e televisão por subscrição), explora a rede de televisão digital terrestre (TDT) e a Rede Nacional de Emergência e Segurança, através do consórcio SIRESP.
Concentração de poder nas mãos de multinacional francesa
A Anacom alerta para a concentração no mesmo grupo da «principal produtora de conteúdos televisivos em Portugal; o canal TVI, líder de audiências e principal espaço publicitário televisivo» com a Meo, «operador de telecomunicações líder em vários mercados de comunicações electrónicas (com quotas de mercado acima dos 40%)».
A entidade refere que a operação ultrapassa «a referência de 30% de quota de mercado mencionada nas orientações da Comissão Europeia sobre concentrações não horizontais» em «todos os mercados de comunicações electrónicas afectados».
No seu parecer, a Anacom refere alguns dos cenários que podem resultar da concentração sem precedentes no sector: o encerramento do acesso dos outros operadores de telecomunicações aos «conteúdos e canais de televisão e de rádio, bem como ao seu espaço publicitário», da Media Capital; o encerramento do acesso de outros canais «às suas plataformas, nomeadamente de televisão por subscrição, portais de internet (Sapo e IOL)» e serviços como chamadas de vídeo e voz, ou de mensagens, através da internet.
São ainda referidos os perigos de «menor transparência dos preços praticados no serviço de TDT», tanto em relação à TVI como às restantes estações (RTP e SIC).
Parecer vinculativo da ERC pode travar compra
Apesar de o presidente da Altice ter dito, na conferência de imprensa de apresentação do negócio, que não esperava entraves à operação e que considerava não existerem «questões concorrenciais», a concentração no sector foi recebida com apreensão pelos restantes operadores. Tanto a NOS e a Vodafone como a Impresa (dona da SIC) se constituíram como partes interessadas no processo aberto pela AdC.
Antes de uma decisão final da AdC, falta ainda conhecer o parecer da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), este com carácter vinculativo.
A Altice anunciou, a 14 de Julho, ter chegado a acordo para a compra da Media Capital, dona da TVI, da Rádio Comercial e de outros meios, por 440 milhões de euros – uma semana antes da greve geral dos trabalhadores da PT Portugal (dona da MEO), em defesa dos postos de trabalho e contra os despedimentos mascarados em transferências de estabelecimento.
Altice quer poderosa e lucrativa presença nos media
A Media Capital detém a TVI, a Media Capital Rádios (Rádio Comercial, M80, Smooth FM e Rádio Cidade), a produtora audiovisual Plural, a editora discográfica Farol e a Media Capital Digital (com várias páginas na internet a alimentar o portal IOL).
Entre 2012 e 2016, a empresa registou lucros superiores a 78 milhões de euros. No mesmo período, reduziu o número de trabalhadores em 15% e a massa salarial em 20% (cerca de 8 milhões de euros).
Para além de lucrativa, a Media Capital permite ainda à Altice adquirir um poderoso instrumento mediático: a TVI é líder de audiências e as rádios do grupo têm dividido a liderança com as estações da Renascença.
A PT, criada com o objectivo de entregar aos privados as telecomunicações portuguesas (depois da cisão dos CTT), foi alvo de cinco processos de privatização, entre 1995 e 2000. Em 2014, a PT e a brasileira Oi fundiram-se, num processo que ficou marcado pelos 900 milhões de dívida da Rio Forte (Grupo Espírito Santo, que era um dos accionistas de referência da PT) subscrita pela empresa portuguesa.