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Abrir as escolas, sim! Mas para não fechar mais!

As famílias e os professores não podem voltar à escola sem a consciência de que será necessário lutar para que ela se mantenha aberta com as condições adequadas.

Créditos / POND'S MEMORIES/SHUTTERSTOCK

O primeiro-ministro anunciou no dia 11 de março a abertura das creches, do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo. De acordo com as declarações, as crianças regressam nesta segunda-feira, 15 de março, às escolas. No dia 5 de abril voltam ao ensino presencial os cerca de 530 mil alunos do 2.º e 3.º ciclos. Os alunos do ensino secundário e do ensino superior voltarão a ter aulas nas escolas e faculdades no dia 19 de abril. Este regresso está integrado no «Plano para o desconfinamento» mais geral, que se fará faseadamente, estando programada apenas para o final de Maio a abertura dos espaços de restauração ou a permissão de iniciativas lúdicas com plateia.

A abertura das escolas, importantíssima para as crianças e jovens, tinha sido exigida há semanas por um amplo conjunto de especialistas de diversas áreas, preocupados com os efeitos do confinamento, e precavendo os enormes riscos para a saúde infantil e para a vivência de uma infância feliz, onde seja possível a socialização e um convívio saudável com os pares e o mundo exterior.

«A abertura das escolas, agora anunciada, foi exigência sentida por muitos pais e a partilha de dificuldades para ensinar e interagir com crianças pequenas à distância foi visível nos comentários e desabafos de centenas de professores ao longo destas semanas»

Foi enviada uma carta ao Governo e ao Presidente da República subscrita por professores, economistas, cientistas, médicos, psicólogos, pediatras, epidemiologistas, entre outros. Os signatários da carta apontam que as crianças desempenham um papel importante na «disseminação às famílias de atitudes promotoras de saúde, as escolas são fundamentais para o desenvolvimento harmonioso, o desempenho académico, a participação no mercado de trabalho e a cidadania responsável», bem como potenciadoras de «melhorias cognitivas, mas também motoras, sociais e emocionais».

Defendem os signatários da carta que «o ensino a distância é menos eficaz do que o ensino presencial e tem sido um multiplicador de desigualdades», penalizando os alunos mais vulneráveis.

Dizem-nos, e é bem visível no nosso dia-a-dia, entre a nossa família próxima, que «muitos pais não conseguem apoiar os filhos nestes moldes porque têm baixo nível de qualificações, falta de material adequado, cobertura de internet, e muitas crianças sofrem pobreza energética e habitacional». Explicam que «mais de um quarto das crianças até aos 12 anos vivem em casas com problemas de humidade e infiltrações, 16% em alojamentos sobrelotados, 13% em casas não são adequadamente aquecidas. Há 9% das crianças abaixo dos 12 anos cujas famílias não têm capacidade financeira para oferecer uma alimentação saudável».

E, indo mais longe do que as declarações bem realistas destes signatários, deviam fazer-nos reflectir as filas à porta das escolas que por estes dias se observam a olho nu.

Elas são a pobreza escancarada das famílias que não puderam alimentar os seus filhos em casa, tendo de recorrer às magras refeições das cantinas escolares, expondo as crianças e a sua situação económica. Elas são a fome das crianças portuguesas, bem valiosíssimo deste país envelhecido, e que assim é tratado.

Muitas destas famílias são famílias em que os pais trabalham, recebendo ordenados baixos, ou onde os avós recebem pensões miseráveis, rendimento que não permite a alimentação adequada, o aquecimento da casa e a provisão de todas as necessidades familiares.

E, se em alguns municípios, o poder local encontrou soluções para a entrega diária em casa, minimizando a exposição da vida familiar e a exposição destas pessoas ao vírus, em outros locais, os caciques são os novos abutres de uma situação que usam para promover o velho assistencialismo e a suposta bonomia desta nova sopa dos pobres. Muitas foram as tristes reportagens com a distribuição de refeições escolares, cenas de fazer corar de vergonha qualquer defensor dos mais fundamentais direitos humanos.

A abertura das escolas, agora anunciada, foi exigência sentida por muitos pais e a partilha de dificuldades para ensinar e interagir com crianças pequenas à distância foi visível nos comentários e desabafos de centenas de professores ao longo destas semanas.

Não tenho dúvidas de que, sendo importantes os efeitos e graves as consequências que pode ter, uma reflexão mais rica e aprofundada sobre o que foi o encerramento das escolas e sobre o que ele significou, terá de ser feita com maior distanciamento.

Por outro lado, também me parece que será possível, apesar do que se está a passar, fazer tudo para que se minimizem as consequências nas crianças e nos jovens e, em algumas áreas, se superem a crise e as angústias pelo retorno a uma rotina que se quer diferente da do encerramento em casa.

«Os jovens e as crianças precisam dos seus pares, dos seus professores, do sol e das festas que, certamente, serão possíveis para todos, com as devidas condições, nos meses de Verão. O convívio e o retorno às actividades que nos preenchem com a companhia do outro são essenciais, o confinamento não pode manter-se e a solução futura passa pela criação, a curto e longo prazo, das condições para usufruir da vida fora das nossas quatro paredes»

Carlos Neto, no seu recente livro Libertem as crianças, fala-nos da necessidade de, regressando à escola, «desconfinar também a escola» e libertar o corpo para que aprenda e se desenvolva. Escreve sobre a importância da brincadeira livre neste momento, privilegiando-se o espaço exterior, amplo, em vez das atividades dentro das mesmas salas onde já passam horas , muitas vezes com atividades desadequadas onde se remedeia a falta de funcionários e recursos para higienizar espaços, vigiar e trazer as crianças para o exterior. Pense-se nas dezenas de famílias que apresentaram queixas durante o curto regresso à escola, indicando estabelecimentos de ensino onde se «aboliu o recreio ou as aulas de educação física por questões de segurança».

Vale a pena ler as lúcidas palavras deste especialista, na entrevista que dá ao Público em dezembro de 2020, aquando do lançamento da terceira edição do seu livro, pela Contraponto, livro interessante para pais e educadores.

Os jovens e as crianças precisam dos seus pares, dos seus professores, do sol e das festas que, certamente, serão possíveis para todos, com as devidas condições, nos meses de Verão. O convívio e o retorno às actividades que nos preenchem com a companhia do outro são essenciais, o confinamento não pode manter-se e a solução futura passa pela criação, a curto e longo prazo, das condições para usufruir da vida fora das nossas quatro paredes.

Sobre a escola que queremos depois deste confinamento há longa reflexão a fazer. A escola onde as crianças e os jovens continuarão confinados a pequenas salas, sem acesso ao exercício físico, sem acesso ao convívio salutar entre os pares, não é a escola que pode interessar à saúde e ao combate dos riscos que este confinamento representou.

É por isso que as famílias e os professores não podem voltar à escola sem a consciência de que será necessário lutar para que a escola se mantenha aberta, e se mantenha aberta com as condições adequadas para que não feche, nem feche os jovens e as crianças sobre as suas angústias.

«as filas à porta das escolas que por estes dias se observam a olho nu […] são a  pobreza escancarada das famílias que não puderam alimentar os seus filhos em casa, tendo de recorrer às magras refeições das cantinas escolares, expondo as crianças e a sua situação económica. Elas são a fome das crianças portuguesas, bem valiosíssimo deste país envelhecido, e que assim é tratado»

A proibição da realização de provas de Aferição e Exames no Ensino Básico foi um grande passo no sentido da diminuição da ansiedade de pais, alunos e professores, mas o caminho a fazer ainda é comprido, e continuamos a ter os anacrónicos ( muito mais neste ano! ) exames no final do ensino secundário, que condicionam o acesso ao Ensino Superior. Há também passos que precisamos de dar em particular nas angústias levantadas na área da saúde e da proteção dos jovens contra o vírus.

Para um retorno com tranquilidade, será necessário um grande avanço na vacinação da população em geral, e isso dificilmente se fará sem o recurso a todas as vacinas existentes no mercado. Não basta exigir a vacinação de grupos prioritários, ou propagar as denúncias de esquemas de corrupção na distribuição de vacinas. São os negócios à volta da saúde e dos monopólios farmacêuticos os únicos interessados na divisão artificial da população em trabalhadores essenciais ou acessórios. Os professores não ganharão nada em afirmar que são prioritários em relação aos milhares de trabalhadores da grande distribuição ou aos operários da indústria alimentar, por exemplo, por razões óbvias ficarão isolados.

É necessária sim, a consciência de que a população, qualquer que seja a sua condição, terá de ter acesso à vacina rapidamente. O objetivo é sairmos de casa, não apenas para trabalharmos e sermos úteis, mas para vivermos o que é essencial à nossa vida e para vivermos o que nos preenche enquanto humanos. Os trabalhadores das diferentes áreas são essenciais e têm de estar protegidos. Todos. A solidariedade sempre foi e será da maior importância.

«a testagem em massa da comunidade escolar e a garantia dos  espaços e das condições adequadas é essencial. Para a Fenprof, a maior organização de professores portugueses,  é fundamental que as escolas não voltem a encerrar e que o ensino presencial não seja, mais uma vez, substituído por soluções de emergência que prejudicam aprendizagens, cavam desigualdades e arrastam consigo problemas acrescidos»

É necessário, neste momento, exigir que o Governo procure uma alternativa para o fornecimento de vacinas, tendo em conta os atrasos no processo de entrega do material comprado por intermédio da negociação feita pela União Europeia. Não podemos permitir que o Governo português fique parado e não tome qualquer iniciativa. Portugal deve iniciar, desde já, um processo de estudo e concretização, de forma soberana, da aquisição de vacinas noutros países, além do quadro da UE, garantindo condições para uma mais rápida concretização do acesso universal dos portugueses à vacinação. Este processo deve prever, igualmente, a criação de condições para que, num futuro próximo, se garanta produção nacional neste domínio.

Para além da vacinação, a testagem em massa da comunidade escolar e a garantia dos espaços e das condições adequadas é essencial.

Para a Fenprof, a maior organização de professores portugueses, é fundamental que as escolas não voltem a encerrar e que o ensino presencial não seja, mais uma vez, substituído por soluções de emergência que prejudicam aprendizagens, cavam desigualdades e arrastam consigo problemas acrescidos. Para isso, é necessário reforçar medidas que no primeiro período foram insuficientes para evitar que a Covid-19 tivesse entrado em 2832 estabelecimentos públicos de Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário.

É necessário contratar os professores, os psicólogos e, sobretudo, os funcionários que garantam o apoio necessário à recuperação e integração de todas as crianças e jovens, que garantam a segurança dos espaços escolares, e que comuniquem com as famílias adequadamente numa fase difícil para todos. É necessário frisar que, fruto da total inação do Governo, centenas de crianças com necessidades educativas especiais nunca voltaram à escola ou aos espaços onde podem conviver com os seus colegas, num gravíssimo desrespeito pelo seu acesso à educação. É necessário garantir todos os meios materiais e todo o apoio às crianças e famílias para que nada disto volte a acontecer.

Estas reivindicações deveriam ser , mais do que nunca, preocupações de todas as famílias, crianças e jovens, É necessário assegurar as condições para que a comunidade escolar não volte para casa pois, pais, professores, alunos e funcionários não podem estar sujeitos a tal risco após meses tão difíceis de que todos temos de recuperar, para crescer e viver melhor.


A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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