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Cascais: quando o aproveitamento político sai demasiado caro à população

A Câmara Municipal de Cascais corre o risco de pagar milhões de euros em indemnizações. Em causa estão decisões precipitadas para se afirmar politicamente face à AML, nos contratos de transporte rodoviário.

Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais, eleito pelo PSD, anuncia o novo sistema de transporte rodoviário de passageiros do concelho, numa sessão pública realizada no dia 25 de Maio de 2021. As várias irregularidades no processo de seleção da empresa poderão levar ao pagamento de indemnizações de muitos milhões de euros por parte do munícipio. 
Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais, eleito pelo PSD, anuncia o novo sistema de transporte rodoviário de passageiros do concelho, numa sessão pública realizada no dia 25 de Maio de 2021. As várias irregularidades no processo de seleção da empresa poderão levar ao pagamento de indemnizações de muitos milhões de euros por parte do munícipio. Créditos / Câmara Municipal de Cascais

Foi uma decisão inédita na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Enquanto os municípios se uniam para lançar uma verdadeira revolução na mobilidade da região de Lisboa, a Câmara Municipal de Cascais (CMC), liderada por um executivo PSD, escolheu lançar um concurso próprio para o serviço de transporte rodoviário no concelho.

Tratou-se da única autarquia da AML a escolher enveredar por este caminho. A ambição de um eventual ganho político para os elementos que compõe o executivo PSD da CMC parece ter sido determinante. É o caso de Miguel Pinto Luz, já anteriormente candidato à presidência desse partido, ou de Carlos Carreiras, entretanto eleito para o último dos seus mandatos à frente de Cascais.

O objectivo era ter um sistema de transportes rodoviários próprio, a funcionar um ano antes das restantes autarquias, recolhendo, posteriormente, o capital político de o ter conseguido fazer sozinho e, acima de tudo, mais rápido do que a AML.

Naturalmente, Cascais não saiu da AML. No próximo dia 1 de Julho, iniciar-se-ão os novos serviços de âmbito intermunicipal da Carris Metropolitana que servirão o concelho de Cascais.

Esta opção já tinha sido identificada pela oposição política em Cascais. Em Março de 2021, a estrutura concelhia do PCP denunciava, em comunicado, a gestão autárquica de Carlos Carreiras, «que decidiu lançar a concurso um serviço de transporte rodoviário para operar apenas no seu território, isolando Cascais na planificação da mobilidade» na AML.

Pois, poderá sair-lhes o tiro pela culatra. Acoçados por uma desmesurada ambição política, alheia aos interesses das populações, o executivo da CMC acabou por precipitar decisões que os tribunais vieram agora anular, revertendo o resultado desse concurso.

Um sistema de transporte rodoviário pelo preço de dois

Faz hoje, dia 25 de Maio, um ano desde que a Martín, empresa espanhola do Grupo Ruiz, começou a operar no concelho de Cascais, naquele que se previa um contrato de nove anos: um período mínimo de sete anos e uma possível extensão por mais dois anos, para que a câmara a pudesse integrar, no fim desse período, nos contratos da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), empresa da AML, responsável pelos novos serviços que operarão sob a marca Carris Metropolitana.

A escolha da empresa espanhola parece, à primeira vista, evidente: apresenta o valor mais em conta (um contrato de 120 milhões, em troca de dezenas de novos autocarros, mais carreiras e mais frequência).

O problema é que a Scotturb, o operador classificado em segundo lugar, mas que cumpria todos os requisitos do concurso, interpôs imediatamente uma impugnação do resultado do concurso.

Em causa está um dos dois critérios de avaliação determinados por Cascais. Enquanto o critério do melhor preço é objectivo, a variável de uma frota com melhor desempenho ambiental não o é. Muito embora os autocarros da Martín tivessem emissões mais reduzidas, em alguns aspectos ultrapassavam os limites estipulados no concurso.

«Os erros e a irresponsabilidade da gestão do executivo PSD vão ser pagos pelos munícipes de Cascais»

Este erro deu lugar à contestação da Scotturb, que tinha ficado em segundo lugar no concurso e que, antes de 2021, já era responsável por este serviço. De acordo com a empresa, a Câmara de Cascais não podia ter celebrado o contrato com a Martín, dado que esta não cumpria um dos elementos estipulados no concurso pela própria autarquia.

Desde então, tanto a CMC, como a empresa espanhola, que continua em exercício de funções, têm sofrido sucessivas derrotas judiciais. No início do mês de Maio de 2022, o Tribunal Central Administrativo do Sul voltou a dar provimento à impugnação, tendo, nos termos do acórdão, sido anulado o contrato com a Martín, e reafirmado o direito da empresa Scotturb de celebrar o contrato de operação de transportes rodoviários municipais em Cascais.

O executivo autárquico de Cascais ainda pode tentar recorrer da sentença mas é pouco provável que um terceiro recurso consiga, por fim, travar a impugnação movida pela Scotturb. O mais provável é que, numa questão de meses, a Martín seja substituída pelos autocarros da Scotturb.

As consequências recaem sobre quem celebra o contrato, neste caso, a Câmara Municipal de Cascais e os seus munícipes, que dificilmente escaparão, se os operadores o exigirem, ao pagamento de uma indemnização de muitos milhões -  quer à Martín, pelo investimento que efectuou no pressuposto de um mínimo de sete anos de exploração, quer à Scotturb, a justa vencedora do concurso, segundos os tribunais e que perdeu um ano de trabalho, suportando os devidos custos.

Trabalhadores ficaram esquecidos em todo este processo

Outra das denúncias, avançadas pelo PCP, sobre este contrato, recai sobre o abandono a que foram votados os trabalhadores que durante anos asseguraram esse serviço: a câmara «não se preocupou em salvaguardar os direitos e postos de trabalho dos motoristas e restantes trabalhadores» da Scotturb, ao contrário das condições impostas no concurso promovido pela AML para a Carris Metropolitana.

«Uma situação que se tornou ainda mais grave quando o executivo camarário resolveu usar recursos públicos para ajudar na contratação de motoristas para a empresa privada Martín, numa clara postura de oposição à transmissão dos trabalhadores da Scotturb para a nova operadora de transportes».

Ao AbrilAbril, Luís Venâncio, dirigente sindical da Federação de Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans/CGTP-IN) e trabalhador da Scotturb, relatou os problemas de falta de pessoal que afectam a sua empresa e «a Martín, que poucos trabalhadores absorveu».

«Os trabalhadores estão a ir-se embora [da Martín], há funcionários a trabalhar 15h ou 16h todos os dias, não há folgas, não há nada. A própria câmara viu-se obrigada a reforçar os quadros da MobiCascais para assegurar parte do serviço» que cabe à empresa espanhola. «Há várias carreiras e horários que não estão a ser cumpridos por falta de pessoal», aponta o sindicalista.

Apesar das promessas assumidas por Carlos Carreiras, quando foi anunciado o concurso, «vários trabalhadores [da Scotturb] foram para o olho da rua». «Muitos não viram os seus contratos renovados, outros acabaram deslocados para fora do concelho, onde tinham organizadas, há muitos anos, as suas vidas».

Para os funcionários destas empresas, seja a Martín, seja a Scotturb, o que importa mesmo é que sejam dadas «melhores condições aos trabalhadores», actualmente nos quadros das empresas. E também a todos os outros que terão de ser recrutados para cumprir o mínimo daquilo com que a CMC se comprometeu.

Enquanto a batalha é travada nos tribunais, os sindicatos têm feito os possíveis para salvaguardar a situação dos trabalhadores: «ainda conseguimos readmitir dois trabalhadores, há outro que será reintegrado quando acabar a baixa médica». A verdade é que, no último ano, enquanto decorria o processo, muitos não tiveram outra hipótese que não aceitar a indemnização e encontrar alternativas.

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