Venezuela e EUA: aproximação e negociação sem golpistas pelo meio

O secretário executivo da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, Sacha Llorenti, notou que, se alguma dúvida havia, ficou agora claro que «a agressão dos Estados Unidos contra a Venezuela foi por causa do petróleo».

Na sua conta de Twitter, o dirigente do bloco regional destacou ainda, esta quarta-feira, a «vitória da Revolução bolivariana, liderada pelo presidente Nicolás Maduro», como um triunfo da «democracia autêntica» e da «soberania nacional».

As afirmações de Llorenti ocorrem depois de, esta segunda-feira, se ter ficado a saber que, no sábado, uma delegação da administração de Biden se deslocou a Caracas, onde manteve um encontro com o chefe de Estado venezuelano.

Sobre o encontro, Nicolás Maduro disse que decorreu em ambiente «cordial» e «respeitoso», e que as partes decidiram trabalhar numa «agenda para a frente», virada para o futuro.

Ociel Alí López, num artigo ontem publicado no portal do Resumen Latinoamericano, destacou que, entre outras coisas, a «visita evidencia que o governo paralelo de Juan Guaidó é coisa do passado, não já pela sua força real, que sempre foi escassa, mas por ter saído do único lugar onde era forte: o repertório discursivo de Washington».

Ainda a bicar o golpismo e Guaidó, que em Janeiro de 2019 se autoproclamou presidente interino da Venezuela, a mando de Washington e com o apoio dos aliados, o escritor argentino Atilio Borón diz que os seus restos políticos «são velados em Madrid, depois de uma oração fúnebre de Leopoldo López, Corina Machado, Julio Borges, Mariano Rajoy e Mario Vargas Llosa».

Contentamento e cautela em Caracas, sem grandes revelações

Em Caracas, as autoridades mostram certa cautela, enquanto valorizam o diálogo e manifestam vontade de avançar nas negociações com Washington, no sentido de pôr fim ao cerco que asfixia o país. Um sinal disso foi a libertação de dois cidadãos norte-americanos presos no país sul-americano, ex-dirigentes da Citgo (filial da Petróleos de Venezuela), acusados de corrupção.

Uma das razões para a cautela venezuelana, como sublinham analistas, reside na continuidade das chantagens e das pressões.

Poucos dias antes da viagem da delegação norte-americana a Caracas, Biden renovou o decreto que qualifica a Venezuela – que tem sido apoiada pela Rússia e a China – como «ameaça invulgar e extraordinária à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos».

O decreto, originalmente firmado por Barack Obama em 9 de Março de 2015, foi sendo repetidamente prorrogado, instaurando um férreo bloqueio comercial e financeiro, bem como o congelamento de activos venezuelanos em território norte-americano.

Consolidar o cerco a Moscovo e… a Pequim?

Num texto publicado esta quarta-feira no portal almayadeen.net, o jornalista Omar Rafael García Lazo destaca que «o conflito militar induzido russo-ucraniano e a guerra económica lançada pelos Estados Unidos e seus aliados contra a Rússia, em conjunto com as consequências económicas geradas pela pandemia de Covid-19, provocou uma crise global com resultados imprevisíveis».

Em seu entender, «Washington empenhou-se em evitar por todos os meios a criação de um bloco económico euro-asiático que significasse a "desconexão" entre a Europa e os Estados Unidos, a obsolescência da NATO e o fim da hegemonia norte-americana».

Para García Lazo, «depois de conseguir o objectivo de que as armas entrassem em cena, Washington procura não perder tempo na consolidação do cerco económico a Moscovo» e, nesse sentido, começou a mover-se na América Latina, região onde a sua influência decresce e a presença da China e da Rússia são cada mais sensíveis.

Por isso, entende que a visita de uma delegação de alto nível a Caracas visa avaliar até que ponto os interesses norte-americanos e da Venezuela se cruzam no actual contexto – descartando Guaidó e reconhecendo a legitimidade do governo legítimo.

Eleições e pressões internas nos EUA

Tanto o artigo de García Lazo como algumas notícias da imprensa referem o «prosaísmo» das movimentações de Washington. A produção petrolífera nos Estados Unidos não chega para a procura interna e a proibição da importação de petróleo da Rússia, associada à vaga de sanções, tem impacto nos preços da gasolina e de outros bens.

Ainda antes de o preço da gasolina atingir os 4,17 dólares por galão (3,7 litros), a administração de Biden não hesitou em abordar outros quadrantes, inclusive inimigos multi-sancionados como a Venezuela e o Irão, para assegurar a «segurança energética».

Para Novembro, estão previstas eleições legislativas e, de acordo com a imprensa norte-americana, os republicanos, que fizeram pressão no sentido de vetar a compra de petróleo à Rússia, culpam agora Biden pela subida dos preços, procurando tirar dividendos eleitorais.

O presidente norte-americano tenta passar as culpas do aumento dos preços para Putin, procurando obviar as responsabilidades fundamentais do seu país e da NATO no actual cenário mundial – não apenas na Europa de Leste.

A Rússia e a «ameaça russa» vão sendo as «culpadas» da inflação, do que se passa nos bolsos do povo norte-americano, para tentar evitar um descalabro nas eleições.

Prosaicamente, negoceia-se com Nicolás Maduro a segurança energética e põe-se de lado o golpismo anunciado aos microfones.

Maduro sabe que muito se joga no actual contexto mundial, e tem alertado para os riscos da guerra e da instabilidade crescente, que «asfixia países e regiões». Além disso, por experiência bem vincada, o povo venezuelano sabe que no imperialismo não se confia nada.

Ainda assim, e sem que se vislumbre qualquer ruptura com os seus aliados, a Venezuela já se dispôs a vender petróleo aos EUA – algo de que o país sul-americano muito necessita – e tem tudo a ganhar nas negociações futuras, para recuperar dos danos da estratégia golpista concebida por Washington e melhorar a qualidade de vida do seu povo.