O decadente imperialismo a que a comunicação social gosta de chamar «o Ocidente», ou «o Mundo Livre», trava uma feroz guerra pela sobrevivência do seu sistema de dominação mundial. Uma das muitas batalhas que está a decorrer é a batalha pelo controlo das redes sociais. É uma batalha com três objectivos.
O primeiro é meramente económico: se as «redes sociais» usadas em todo o mundo forem norte-americanas, isto garante uma renda anual de milhares de milhões de euros de exportação de serviços à economia norte-americana. É preciso ter em conta que já hoje o volume de vendas das principais multinacionais do sector nos EUA ultrapassa o PIB1 de muitos países (Meta, a dona do Facebook, com 135 mil milhões de receita, a Alphabet, dona da Google, com 307 mil milhões de receita, a Microsoft com 227 mil milhões de receita).
O segundo objectivo é ideológico e prende-se com o controlo daquilo que é lido e visto pelas massas subjugadas. É para esse controlo que a União Europeia está a realizar legislação que permite censurar as redes sociais, impor a proibição de determinadas notícias circularem, afastar determinado tipo de produtores de conteúdos. A coisa começa sempre de forma quase inócua, é o combate ao racismo, é o combate às fake news, é a limitação à propaganda russa, mas assim que o mecanismo censório está instituído, as classes dominantes usam-no a seu bel-prazer: reportar a verdade sobre Gaza é racismo; reportar a verdade sobre o Donbass é propaganda russa; defender o comunismo é defender o totalitarismo; etc.
O terceiro, e provavelmente o mais importante e mais ignorado objectivo, é o controlo do acesso aos dados gerados pelo uso dessas plataformas. Muitos de nós não nos apercebemos do valor do tipo de dados gerado pelo uso das plataformas. Eles permitem fazer o perfil milimétrico de centenas de milhões de seres humanos: o que gostam, o que pensam, consciência política, consciência de classe. Eles permitem fazer o mesmo perfil das grandes massas por país, região, classe, etc.
«O que estão realmente a fazer é a abrir o caminho para, contra as suas próprias leis e princípios económicos neoliberais, proibirem estas plataformas caso a sua propriedade não seja transferida para empresas de países da NATO (como já foi expressamente exigido ao Tik Tok, nos EUA).»
Mesmo sem contar com o aspecto meramente económico, o valor destes dados é imenso, quer para a acção sobre o indivíduo (permitindo seleccionar de forma mais eficaz, permitindo controlar melhor alvos concretos) quer para a acção sobre as massas (permitindo modelar campanhas de propaganda, medir a sua eficácia, etc).
É à luz destas três preocupações que é possível entender o que se está a passar com o Tik Tok e o Telegram. Por um lado, a Comissão Europeia (CE) e o Governo norte-americano querem controlar os conteúdos que circulam nestas redes – no caso da CE, usando a nova Lei dos Serviços Digitais, recentemente aprovada. Mas, por outro, o que estão realmente a fazer é a abrir o caminho para, contra as suas próprias leis e princípios económicos neoliberais, proibirem estas plataformas caso a sua propriedade não seja transferida para empresas de países da NATO (como já foi expressamente exigido ao Tik Tok, nos EUA).
O que é mais significativo é que os EUA não escondem muito que usam as redes sociais para recolher dados à escala global, e para usar esses dados ao serviço dos seus interesses e das suas campanhas. E é por isso que a China e a Rússia proibiram o Facebook. Mas não há qualquer prova que o mesmo aconteça quer com o Telegram, quer com o TikTok (e os seus proprietários já se ofereceram para dar todas as garantias possíveis e imaginárias). Mas não só é natural que a NATO suspeite que «os outros» façam o mesmo que eles fazem, como principalmente, sejam quais forem as garantias, o facto principal permanece: A União Europeia (UE) e os EUA não têm acesso aos dados gerados pelo uso dessas redes e querem ter, nem podem censurar essas redes e querem censurar. Sem esquecer a visão neocolonial: a UE e os EUA acham normal que todo o mundo lhes pague o dízimo pelo uso dos seus superiores serviços digitais, mas é-lhes completamente inimaginável um cenário onde os serviços digitais superiores estejam localizados noutro ponto do planeta.
É neste quadro que é cada vez mais importante lutar pela liberdade e contra a censura no mundo digital. Lutar por exigir redes (e motores de busca, e sistemas de mensagem, e browsers, ...) transparentes, de acesso livre, e a proibição total da recolha, armazenamento e tratamento de dados pessoais.
- 1. O PIB português em 2022 foi de 239 mil milhões de euros.
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