A França «não vai tolerar qualquer ataque contra os seus interesses», garantiu Emmanuel Macron, presidente francês, poucos dias depois de um grupo de militares, a 26 de Julho de 2023, levar a cabo um golpe de estado que depôs o presidente do Níger Mohamed Bazoum, eleito em 2021. França planeava, com instituições públicas e privadas europeias e americanas, investir mais de 31 mil milhões de dólares no Níger até 2026.
Um continente sob cobiça, entre miséria e progresso. Sociedades em mudança, direitos que se afirmam e outros que ainda não. António Abreu perspectiva ‒ região a região ‒ para onde vai a África. As movimentações militares da França em África, nestes últimos anos, com intervenções directas e dirigindo as forças do G5 do Sahel, reforçadas nas últimas semanas a pretexto do combate aos terroristas do Boko Haram, da Al-Qaeda e do ISIS, têm causas mais profundas. A França, que nos últimos 50 anos completou mais de 50 operações militares oficiais (e muitas mais secretas) no continente, está a intensificar as operações na África Ocidental, Central e Oriental, onde mantém cerca de 7000 soldados e várias bases militares, especialmente no Mali, Senegal, Gabão e Costa do Marfim. Já a Itália tem presença militar na Líbia, Mali, Somália e Djibouti. O primeiro-ministro italiano, Gentiloni, pediu a intervenção da NATO em África, afirmando que, se não o fizer, a maior aliança militar da história não estará à altura dos desafios contemporâneos. Isto é, a NATO deve dar continuidade à destruição do Estado líbio em 2011, agora progredindo para sul. À medida que perdem terreno economicamente, os Estados Unidos e as maiores potências europeias lançam a espada no prato da balança. A Africom, dirigida pelos Estados Unidos, com a motivação oficial de lutar contra o terrorismo, está a expandir-se e a aumentar a sua rede militar no continente com operações de forças especiais, o uso de drones armados, o treino e armamento de forças especiais africanas. A riqueza mineral de África é sobejamente reconhecida, particularmente em ouro, diamantes, urânio, coltan (mistura dos minerais colombite e tantalite, donde se extraem o nióbio e o tântalo, fundamentais para o fabrico de componentes electrónicos), cobalto (utilizado nas pilhas recarregáveis de lítio), cobre, petróleo, gás natural, manganésio, fosfatos. Nem é de agora a riqueza vegetal, com destaque para madeiras preciosas, cacau, café, algodão e muito mais. Esses recursos preciosos, explorados pelo antigo colonialismo europeu, então com o recurso ao trabalho escravo, são hoje explorados pelo neocolonialismo europeu, com uma mão-de-obra local de baixo custo e um controle dos mercados interno e internacional. A dependência das decisões económicas de grupos de poder e de governantes africanos arrasta a corrupção em favores prestados: na concessão e condições de exploração das riquezas; de exportação de bens; ou de contratação de consultorias internacionais; e gera volumes descomunais de luvas para quem detém o poder ou para quem apoia o exercício desse poder. No conjunto, e mesmo no caso de vários países individualmente, a África é uma grande exportadora de recursos naturais, com valores do PIB significativos, mas as populações não beneficiam disso e correm o risco de ver esses recursos esgotarem-se na voracidade dessa actividade. Os ex-países colonizadores continuam a explorá-los, procurando que se mantenham condições de segurança para as suas empresas operarem, justificando também por isso uma presença «musculada» em vários países. Vários ex-colonizadores, como a França, Inglaterra e Itália, mantêm fortes investimentos dirigidos para a exploração dos recursos de África, mas em 2016 a China passou a ser o principal investidor no continente, com 12 biliões de dólares, seguido pelos Emiratos Árabes Unidos e só depois a Itália. 12 000 milhões USD Valor do investimento chinês em África, em 2016 Os EUA ‒ mas também a União Europeia ‒ têm a noção clara de que estão a perder a sua influência dominante nas economias africanas a favor da China, cujas empresas oferecem aos seus anfitriões condições muito mais vantajosas, além de construírem as infra-estruturas de que estes países precisam. Até agora, cerca de 2300 quilómetros de caminho-de-ferro e 3300 quilómetros de estradas. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos e a União Europeia argumentam que os seus interesses estão ameaçados por movimentos armados ‒ como os Avengers, do Delta do Níger, atacando a Shell e outras companhias de petróleo, incluindo a ENI, responsável pelo desastre ambiental no Delta do Níger ‒ e procuram garantir uma crescente presença militar. Acresce que o governo de Pequim está pronto, por exemplo, a lançar contratos de futuros de petróleo em yuans, moeda chinesa, com a sua possível conversão em ouro. Vários especialistas acreditam que essa medida pode mudar radicalmente as regras do jogo no mercado do petróleo, já que permitirá aos exportadores de matérias-primas evitar o uso do dólar norte-americano. Tomando em conta que a China é o maior importador de petróleo do Mundo, os contratos de futuros em yuans têm todas as hipóteses de se tornarem o novo padrão no mercado (nota: um «contrato de futuros» é um acordo que obriga as partes a comprar ou vender um activo por um preço fixo e a ser entregue num prazo fixado antecipadamente). Esta atitude diferente da República Popular da China não a torna menos predadora das riquezas naturais do continente africano do que o são as outras grandes potências, as quais contribuem, em conjunto, para a delapidação de riquezas naturais de que as populações dos países de África se estão a ver privadas de usufruir, nomeadamente para desenvolver em benefício próprio uma base industrial nacional com condições de concorrência internacional, incluindo no mercado das dívidas que sobre eles pesa. No que respeita à União Africana, o seu Conselho da Paz e Segurança (CPS) alertou para a urgência de medidas que promovam a liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e serviços com vista à integração regional e continental dos países. Aprovada em 2016 a introdução de um passaporte africano, países como o Benim, Gana, Mauritânia, Ruanda e Seychelles, começaram já a conceder vistos de entrada à chegada de cidadãos africanos. Em 2016 viviam em África cerca de 1200 milhões de pessoas em 54 países, 35 dos quais classificados como «países menos desenvolvidos» do mundo. No início de 2016, um quarto da população continuava a sofrer de fome e desnutrição, mas 81% da população usava telemóveis ‒ com recurso à internet em apenas 15% dos casos. Em 15 anos houve redução da pobreza extrema mas o crescimento económico médio de 5% não teve correspondência com a redução do desemprego, disfarçado pela economia informal. O ensino dos primeiros anos de escolaridade foi atingido em quase todos os países, a mortalidade infantil reduziu-se nuns casos e piorou noutros, com um saldo global positivo. Mas os direitos das mulheres ficaram muito aquém das necessidades, incluindo no acesso à saúde reprodutiva. E o acesso a água potável e saneamento só progrediu no Norte de África e na sua parte mais meridional. O que iremos referir são apenas situações pontuais de alguns países e situações a que ‒ subjectivamente, talvez ‒ atribuímos maior significado. Não é fácil fazer o agrupamento destes países em conjuntos que apresentem consistentes homogeneidades, particularmente porque o desenho deles resultou de uma herança dos ex-colonizadores, nos finais do século XIX, baseada em interesses conjunturais próprios destes. Seguindo uma nomenclatura aceite pela ONU o continente pode ser dividido em cinco regiões principais: o Norte de África, a África Ocidental, a África Centro-ocidental, a África Oriental e Centro-oriental e a África Meridional. Mas um país pode ser referido num agrupamento que não é o seu devido a identidades próximas. Procuramos reportar-nos a 2017. A maior região do continente, em extensão territorial, é o Norte de África, que os geógrafos também chamam de África Setentrional e de África do Norte. Comporta três subdivisões: os países do Maghreb, os países do Saara e o Vale do Nilo. A palavra Maghreb, árabe, significa «pôr-do-Sol», ou seja, o ocidente. Os cinco países que compõem o Maghreb são Marrocos, a República Árabe Saaráui Democrática (Sara Ocidental), a Argélia, a Tunísia, a Mauritânia e a Líbia. Na paisagem, os acidentes geográficos que mais destacam o Maghreb são a cadeia do Atlas, junto ao mar Mediterrâneo, e o gigantesco deserto do Saara. Este assume formas distintas: nuns casos predominam as superfícies pedregosas, são as chamadas hamadas; noutros são os mares de areia chamados ergs. A distribuição da população é desigual: a densidade demográfica é grande em áreas de maior humidade. Nas áreas de deserto, a maioria da escassa população é formada por árabes e berberes. São adeptos do islamismo. Devido às condições naturais que não favorecem as lavouras, a agropecuária desenvolveu-se muito pouco, apesar de empregar muitos trabalhadores. Na agricultura mediterrânea, são cultivados vinhas, oliveiras, cítricos e tâmaras. É praticada a pecuária extensiva nas áreas de clima semi-árido. Esta desloca-se no deserto, sem destino próprio. A abundância de minérios destinados à exportação levou à implantação de uma diversidade de centros industriais destacados nos países do Maghreb, como Argel, Túnis, Oran, Casablanca, Rabat, Fez e Marraquexe. São algumas das cidades africanas de maior população e beleza. A República Árabe Saaráui Democrática (RASD) prossegue a luta pelo reconhecimento da independência do seu território do Sara Ocidental, que considera ilegalmente ocupado por Marrocos desde 1976. Marrocos abandonou a Organização de Unidade Africana (OUA), que antecedeu a criação da União Africana (UA), por ter aceite que a RASD a integrasse. A actual UA continuou a integrar a RASD e Marrocos regressou à organização no ano passado. Os principais produtos económicos da Argélia são o petróleo e o gás natural, sendo que o país também faz parte da OPEP como membro desta organização internacional. Marrocos e a Tunísia exportam muitos fosfatos, que servem como matéria-prima para a indústria que fabrica fertilizantes. A vastidão do deserto do Saara é a característica natural da qual fazem parte, na mesma sub-região, a Mauritânia, o Mali, o Níger, o Chade e a Líbia. O solo árido e o predominante clima desértico não são favoráveis às atividades económicas. A possibilidade de agricultura só existe junto dos oásis e em trechos de pequena extensão no litoral. Mas as riquezas minerais do subsolo são significativas em reservas de petróleo, gás natural, ferro e urânio. Com 70% da sua matriz energética dependente do urânio, todo ele importado, a economia da França é muito dependente da região que um dia esteve sob seu domínio. Do Sahel, a faixa mais perturbada do norte da África (Níger, Nigéria, Mali, Sudão e Chade), vem a maior parte do urânio que abastece as centrais nucleares do país. A Itália, por intermédio da ENI, estende a exploração de petróleo e gás natural pela Argélia, Líbia, Tunísia, Egipto, Quénia, Libéria, Costa do Marfim, Nigéria, Gana, República do Congo, Angola, Moçambique e África do Sul. A Turquia de Erdogan estabeleceu, recentemente, acordos de cooperação com o Sudão e o Chade, mas também com a Tunísia no Maghreb, na ordem das dezenas de milhares de milhões de dólares. Mesmo no encontro do Egipto com o Sudão, no deserto do Saara, o rio Nilo pode ser agregador de uma outra sub-região. Os rios Nilo Branco e Nilo Azul percorrem a totalidade do território destes países. O solo apresentado pelo vale do Nilo é de extrema fertilidade, permitindo a prática intensiva da agricultura. Por isso, a população do Egipto e do Sudão é muito maior do que no deserto do Saara. O Cairo é a maior cidade da África em população e uma das mais populosas do mundo, com mais de 11 milhões de habitantes. A indústria egípcia, ao invés da sua congénere sudanesa, tem maior desenvolvimento e diversidade, destacando-se as indústrias siderúrgica, eléctrica e têxtil, assim como as de produtos químicos e alimentares. No subsolo do Egipto e do Sudão encontram-se, também, reservas de petróleo e gás natural, além de ferro, fosfato e potássio. O Sudão foi o país mais martirizado nas últimas décadas. Primeiro foi a guerra do Darfour. No seu lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a China foi o principal aliado diplomático do Sudão. A China investe fortemente no petróleo sudanês. O país é o maior fornecedor de petróleo da China. As forças armadas do Sudão são equipadas com helicópteros, tanques, aviões de combate, bombardeiros, rockets e metralhadoras feitas na China. Durante décadas, a Rússia e a China mantiveram uma forte parceria económica e estratégica com o país. Ambos se opuseram ao envio de tropas da ONU para o Sudão. A Rússia apoia firmemente a integridade territorial do Sudão e opôs-se à criação de um Darfour independente. Além disso, a Rússia é parceiro de investimento e o aliado político mais forte do Sudão na Europa. A Rússia considera o Sudão como um aliado global importante no continente africano. Depois foi a secessão do Sul. Até 2011, quando o Sudão do Sul dele se separou através de referendo, o Sudão era o maior país da África e do mundo árabe. Foi um caso exemplar, com Israel e os EUA a dividirem o país para afastar a China, seu grande rival comercial, do sul do Sudão, mais rico em recursos. Apesar disso, o Sudão é, ainda hoje, o terceiro maior país da África (após a Argélia e a República Democrática do Congo) e o terceiro maior país do mundo árabe (depois da Argélia e Arábia Saudita). A República do Sudão do Sul provou ser um estado não viável, criado por iniciativa de Washington após uma prolongada guerra civil de duas décadas, com um processo de transição entre 2003 a 2011, quando Juba foi reconhecido como país independente pela ONU e pela UA. Mas depois disso, o país mais novo do mundo começou a ser destruído no conflito entre o presidente Salva Kiir e o ex-vice-presidente Reik Machar. A situação no Sudão do Sul tornou-se um grande desastre humanitário, além de ser uma ameaça à segurança regional em toda a África Central e Oriental. Numerosas tentativas de organizações regionais para obter um cessar-fogo entre as duas facções em guerra do Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM) e o SPLM na Oposição (SPLM-IO) foram difíceis. No que respeita à Líbia, depois da criminosa intervenção da NATO, em 2011 o país passou de uma sociedade em prosperidade crescente e florescente, com um modelo de sociedade de que as potências ocidentais desconfiavam, para um país pobre, entregue a bandos criminosos rivais. Nos últimos anos, a Líbia tem estado cada vez mais dividida e ingovernável. Alastrou a guerra entre facções rivais pelo controlo do petróleo, ao mesmo tempo que aumentou a ingerência estrangeira. Aviões norte-americanos chegaram a bombardear Sirte e a Itália enviou militares para o terreno. Tropas do general Khalifa Haftar, ligado às autoridades de Tobruk, no Leste, conquistaram quatro terminais do «crescente petrolífero» líbio, uma zona estratégica para a economia do país, até agora controlada pelo Governo de Unidade Nacional (GUN), com base em Trípoli e apoiado pelos EUA e aliados. No sentido de se caminhar para a recriação do estado líbio, a Rússia tem estado a fazer contactos com os dirigentes dos dois grupos que partilham entre si a administração do país para conversações entre ambas as partes com esse objectivo. A UA e a União Europeia (UE) decidiram, na cimeira do mês passado em Abidjan, retirar com urgência os migrantes subsaarianos bloqueados na Líbia e à mercê das máfias. O presidente da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, revelou que, com o apoio aéreo de Marrocos, França e Alemanha começam por ser abrangidas 3800 pessoas, a maioria originária da África Ocidental, actualmente num campo perto de Trípoli. Muitos são jovens atraídos por uma vida melhor na Europa que, quando chegam à Líbia, sofrem prisões arbitrárias, roubos, exploração e até escravidão neste país sem Estado desde a intervenção da NATO em 2011. Mas neste caso, como noutros de migrantes económicos ou que fogem à guerra, UA, UE e a ONU têm de promover planos de investimento que criem empregos a estes jovens nos países de origem. Mas os acontecimentos mais recentes e mais significativos registam-se nos últimos dias na Tunísia onde uma revolta popular, com presença significativa de movimentos de esquerda e sindicatos, exige alterações das políticas económicas e sociais. A primeira das mudanças políticas ocorridas em vários países da região, designadas por «primaveras árabes», impulsionadas pelo imperialismo, pode vir a ter importantes desenvolvimentos nas próximas semanas num sentido democrático. A África Ocidental está localizada entre o deserto do Saara e o golfo da Guiné e nela são abrangidos o Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. No Níger está instalada uma base militar francesa no aeroporto da capital, Niamey. Com 500 militares, caças Mirage 2000, aviões de transporte e drones. Macron, na sua visita recente à região, não pôde deixar de se referir a uma futura eleição «transparente e honesta», depois do actual presidente Mahmadou Issoufou ter sido eleito duas vezes consecutivas em eleições contestadas. Contestação que se prolongou também nos últimos três meses em manifestações contra a política do governo, que reduz o poder de compra, e contra a corrupção de que são acusados o presidente e a sua entourage. No Sahel constituiu-se um G5, composto pelo Mali, Níger, Burkina Faso, Chade e Mauritânia (não inclui a Nigéria), que criaram uma força militar conjunta para combater uma crescente ameaça jihadista nesta região da África Ocidental. Esta força, composta por 5 mil militares, é dirigida pelos EUA (aspirante a força ocupante prolongada) e pela França (potência ex- e neocolonial). Em meados de Maio deste ano, o Senegal, fiel aliado do Ocidente, enviou uma força militar de intervenção rápida para a região central maliana. O novo chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, em visita ao Mali, justificou a medida com «a situação de insegurança» que se mantinha. Esta presença militar provocou fortes reacções populares no Mali. Quanto ao papel dos EUA no Sahel, mais do que preocupações de segurança (o seu território fica longe…) o que existem são preocupações com a penetração da China nas economias africanas. Um forte movimento democrático na antiga colónia alemã e francesa tem vindo a ser motivo de notícias desde 2016. O presidente Faure Gnassingbe tem estado no cargo há mais de uma dúzia de anos e a família Gnassingbe governou este estado, predominantemente agrícola, ao longo de mais de meio século. Durante meses, uma aliança de 14 diferentes partidos políticos e coligações organizou manifestações de massas e greves gerais. O governo respondeu usando tácticas repressivas de controle de multidões pelas forças de segurança, além de prender os líderes da oposição. Duas formações têm sido proeminentes na resistência recente: a Aliança Nacional para a Mudança (ANC), liderada por Jean-Pierre Fabre; e o Partido Nacional Pan-Africano (PNP) liderado por Tikpi Atchadam. Ao todo, houve 16 mortes de manifestantes. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), presidida por Lomé, não tem querido desempenhar o papel de mediador, embora tenha feito declarações a exigir a reconciliação nacional, a que o regime não respondeu, tal como não respondeu à necessidade de reformas fundamentais. Já o Gana tem desempenhando esse papel, uma vez que tem um interesse directo na prevenção de uma crise mais profunda que poderia levar ainda mais pessoas a atravessar a fronteira para a antiga colónia britânica. Nos Camarões, país francófono entre outros de língua inglesa, houve no ano que passou uma série de greves gerais em grande parte resultantes das divisões herdadas de um estado que sofreu o colonialismo alemão, francês e britânico nos séculos XIX e XX. As pessoas nas regiões noroeste e sudoeste do país, onde o inglês é a língua predominante, protestaram contra invocadas práticas discriminatórias nos sistemas educativo e jurídico. A incapacidade da burocracia estatal pagar aos professores os seus salários levou a manifestações e greves nas regiões francófonas dos Camarões. Há professores que nunca receberam salários no ensino público, apesar de a produção e exportação do petróleo representarem cerca de 40% do PIB. Ineficiências, corrupção e roubo no aparelho do Estado, com a conivência da camada dirigente, estão na origem destas situações. Togo e Camarões são exemplares enquanto crises de governação que emergiram após a derrota do colonialismo na África Ocidental. São situações que só poderão mudar com a ascensão, a partir de uma base popular, de partidos e dirigentes que coloquem a melhoria das condições de vida dos seus povos acima dos estreitos interesses de classe dos instalados nos aparelhos de estado e governos, bem como de outros grupos de interesses. Com um estado vizinho, a Nigéria, há o problema de Boko Haram, que espalhou os seus tentáculos para os Camarões. O governo está envolvido numa aliança militar regional para combater o grupo terrorista que organizou os seus ataques mais mortais no nordeste, a partir de 2009. continua Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Opinião|
Para onde vai a África? (1)
A espada na balança
Um continente sob cobiça
A dança dos investidores
Uma sociedade em mudança, entre progresso e miséria
Direitos, um breve balanço
Esse crescimento assentou na exploração dos recursos naturais por terceiros, que permitiu maior proliferação da corrupção ao nível dos decisores políticos. Já referimos que ela se tornou numa chaga, alimentada pelas potências exploradoras que nela têm um «seguro de vida» para a sua actividade predadora. Depois do período pós-independências torna-se evidente que cada povo tem de resolver este problema de forma eficaz, para garantir o desenvolvimento, um significativo atenuar das grandes assimetrias e um exercício mais democrático do poder.África, região a região
Regiões de África
Norte de África
O Maghreb
Os países do Saara
Matérias-primas e energia: dos ex-colonizadores aos novos parceiros
O Vale do Nilo
A destruição dos estados: o Sudão e a Líbia
Tunísia ou a esperança que renasce
A África Ocidental
Devido ao facto de se localizar entre o deserto e o golfo, o clima da região é do tipo equatorial. A vegetação é formada por savanas na parte setentrional e florestas na parte meridional, onde chove bastante. A densidade demográfica da África Ocidental é menor nas regiões sob influência do Saara e maior no sul. A Nigéria alberga cerca de 60% da população desta região. A principal actividade económica é a agricultura, alternada entre a agricultura de subsistência e a plantação de produtos que se destinam à exportação, como o café, cacau, amendoim, banana e outros. O petróleo continua a ser procurado em vários países pelas multinacionais. No Gana está localizada a maior plataforma flutuante de produção e armazenamento da ENI para a exploração de depósitos offshore de mais de 40 mil milhões de metros cúbicos de gás e 500 milhões de barris de petróleo. Na Costa do Marfim, também a ENI comprou 30% de uma área offshore rica em hidrocarbonetos.Estado de guerra no Sahel
Togo, Camarões, Gana: motivos de esperança
Contribui para uma boa ideia
A suspensão da transmissão de canais noticiosos internacionais do Estado francês (a France24 e a Radio France Internationale - RFI) no Níger também suscitou fortes condenações do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês: um exemplo da «repressão autoritária». Esta prática apenas parece ser aplicável a outros estados, já que França continua a considerar legítima a suspensão de canais russos no seu território.
O Níger, país da África Ocidental que se libertou do jugo colonial francês em 1960, continuou a manter fortes relações comerciais com França, sendo actualmente um das três maiores exportadores de urânio (20% do total dos últimos 10 anos) a abastecer as centrais nucleares do país europeu. As principais minas (apenas uma delas ainda está no activo) são, e foram, exploradas pela multinacional Orano, 90% da qual é detida pelo Estado francês.
Embora o Níger apenas produza 20 mil barris de petróleo por dia, a Organização Africana dos Produtores de Petróleo (APPO) estima que o país tenha uma reserva de mais de mil milhões de barris de crude: uma reserva bastante significativa que faria do Níger um dos maiores produtores da região. A finalização da construção de um oleoduto que atravessa o vizinho Benim (praticamente concluído), a cargo da Corporação Nacional de Petróleo da China, vai permitir a multiplicação da produção para uns estimados 110 mil barris por dia.
Uma fonte de recursos essencial a disputar pela França, sucessivos governos têm investido no fortalecimento das forças armadas do Níger, estando, à altura do golpe, mais de 1500 soldados franceses estacionados no país africano. Também os Estados Unidos da América mantém uma base militar em território nigerino, investindo, desde 2012, mais de 500 milhões de dólares em apoio militar.
Burkina Fasso e Mali entendem qualquer intervenção militar estrangeira no Níger como uma declaração de guerra. Nigéria e Senegal, à frente da CEDEAO, ameaçam com a guerra
A presença das tropas francesas seria para alegadamente combater as forças jihadistas, mas o governo do Burquina Fasso considera que não estão a fazer o suficiente. Foi dado um prazo de 30 dias. O processo de cooperação militar entre Burquina Fasso e França remonta a 17 de Dezembro de 2018. Desde então, França tem estado a destacar militares para o país africano e actualmente tem cerca de 400 soldados em Kamboinssin, numa altura em que os ataques das forças jihadistas têm vindo a aumentar. Por essa mesma razão, o povo burkinabes saiu na passada semana à rua, sendo o terceiro protesto do mês, para exigir a retirada das tropas francesas, bem como do embaixador do mesmo país, havendo um clima de suspeição sobre o real combate que possa estar a ser realizado. O presidente do Quénia, na rede social Twitter, já veio a público expressar o seu apoio aos protestos e intenções populares dizendo mesmo que «África decidiu, França tem que sair de Africa». Apesar disso, especula-se que as intenções francesas não passem pela retirada, mas sim por colocar os 400 militares na República do Níger, onde têm já 2000 soldados. Recorde-se que o Burquina Fasso fora uma colónia francesas, assim como a República do Níger, e atingiu a independência a 5 de agosto de 1960, sendo que somente em 1984 é que adoptou o actual nome. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Burquina Fasso exige saída de tropas francesas do seu território
Contribui para uma boa ideia
Em resposta, o Burkina Fasso e o Mali, suspensos no CEDEAO, afirmaram publicamente que qualquer acção armada no território nigerino seria entendida como uma declaração de guerra contra os seus países.
A acção de países como a Nigéria e Senegal «traria consequências desastrosas» que «poderiam desestabilizar toda a região», alertaram os dois países, num comunicado conjunto em que reiteram a sua decisão de não aplicar «as sanções ilegais, ilegítimas e desumanas contra o povo e as autoridades do Níger» aplicadas pela CEDEAO.
Estrondosa maioria do senado nigeriano rejeita qualquer acção militar contra o país vizinho
Diversas organizações denunciam a campanha militar que se arrasta há sete anos como uma forma de França manter a hegemonia na região e proteger os seus interesses económicos nas antigas colónias. Organizações anti-imperialistas mobilizaram-se, na semana passada, em Lyon e noutras cidades francesas, em protesto contra a Operação Barkhane, uma campanha militar em curso, liderada por França, na região do Sahel, na África Ocidental. Em Lyon, grupos de estudantes e outros jovens mobilizaram-se por iniciativa dos Jovens Comunistas, tendo recolhido também assinaturas para uma petição exigindo o «fim da guerra imperialista francesa em África e o regresso dos soldados franceses», noticia o Peoples Dispatch, acrescentando que no Porto Velho de Marselha também se realizou uma concentração para reclamar o fim da «intervenção francesa em África». No âmbito da Operação Barkhane, lançada em Agosto de 2014, o governo francês mobilizou milhares de tropas – a que se juntaram efectivos de países aliados – para, alegadamente, proteger as populações do Sahel da acção de vários grupos terroristas islamitas. As tropas francesas foram destacadas para o Mali, Chade, Níger, Burkina Faso e Mauritânia. No entanto, os Jovens Comunistas (JC) fazem uma leitura diferente da presença militar francesa nestes países e acusam o governo de Paris de prolongar a operação para «salvaguardar os seus interesses imperialistas e económicos nas antigas colónias africanas». O que está em causa, para os JC, é a aposta na exploração de urânio no Níger, bem como a protecção de outros investimentos nos países africanos da acção dos grupos terroristas que proliferam na região, nota a fonte. A situação destes países é dramática mas alguns deles dispõem de importantes riquezas que atraem os EUA e a França. O ferro é explorado na Mauritânia, o ouro no Mali, no Burkina e na Mauritânia. No passado dia 4 de Novembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, convidou o Conselho de Segurança «a ser ambicioso na escolha que precisa fazer. Um forte apoio político ao Sahel G5 (Grupo dos cinco) e o apoio material e operacional compatível com os desafios que defrontam são fundamentais». E justificava: «A pobreza, o subdesenvolvimento e as mudanças climáticas têm contribuído para crises humanitárias e de segurança. Bem como instituições frágeis, a exclusão e a marginalização de alguns grupos que são explorados por extremistas e terroristas. As fronteiras porosas podem facilitar o tráfico de seres humanos, drogas e armas, e outras atividades criminosas.» O G5 é composto pelo Mali, Níger, Burkina Faso, Chade e Mauritânia (não inclui a Nigéria), que criaram uma força militar conjunta para combater uma crescente ameaça jihadista na região do Sahel, na África Ocidental. Esta força é dirigida pelos EUA (aspirante a força ocupante prolongada) e pela França (potência ex- e neocolonial) e composta por 5 mil militares. Em meados de Maio deste ano, foi tornado público que o Senegal, fiel aliado do Ocidente, iria enviar uma força militar de intervenção rápida para a região central maliana. O novo chefe das operações de manutenção da paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, em visita ao Mali, justificou a medida com «a situação de insegurança» que se mantinha. Apesar do «mandato robusto» da Minusma (da ONU) e dos seus esforços, segundo o alto responsável da ONU «falta-lhe capacidade» operacional Em Junho já operavam no Mali e nos países vizinhos uma força francesa de três mil soldados, desde Janeiro 2013, e a missão de paz das Nações Unidas, a Minusma, com 12 mil militares, desde Julho desse mesmo ano. O pretexto da intervenção foi travar a rebelião de grupos jihadistas da Al-Qaeda aliados ao movimento independentista tuaregue, no Norte maliano. Embora contidas num primeiro momento, as acções de guerra aumentaram a partir de 2015 e alastraram ao centro e ao Sul do Mali, apesar dos acordos de paz entretanto assinados. A missão de paz no Mali é considerada a mais perigosa das operações activas das Nações Unidas. E a mais mortífera desde a missão na Somália, tendo registado em 1993-95, mais de 70 capacetes azuis mortos. Ainda em Junho, a França já tinha apresentado um projecto de resolução ao Conselho de Segurança da ONU pedindo-lhe para financiar o Sahel G5 e para ser concedida à força um mandato de grande escala para «usar todos os meios necessários» com vista a realizar a sua missão de neutralização de «militantes islâmicos, narcotraficantes e traficantes de pessoas». O ministro maliano dos Negócios Estrangeiros, Abdoulaye Diop, disse agora que os líderes dos cinco países decidiram que a nova força terá 10 mil membros e que estará operacional no final de 2017. Explicou que os chefes de Estado do G5 do Sahel, reunidos em Riad durante a recente visita do presidente Donald Trump à capital da Arábia Saudita, decidiram duplicar os efectivos da força militar «para demonstrar o seu compromisso» na segurança da vasta área a Sul do Sahara. E, no passado dia 30 de Novembro, a embaixadora norte-americana na ONU, prometeu 50 milhões de dólares para financiar as operações militares do Sahel G5. Uma vez mais, muito dinheiro para armas. Mas pouca disponibilidade para investir no crescimento das economias, que crie empregos e promova o desenvolvimento e o combate à fome e às desigualdades, única forma segura de combater o terrorismo e os conflitos militares. A população das ilhas do Lago Chade foi tomada pelo Boko Haram, inicialmente ramo africano da Al-Qaeda, que a pilhou e recrutou, sem piedade, para o grupo terrorista. As autoridades do Chade, por exemplo, proibiram o uso de barcos de pesca no Lago Chade por poderem transportar terroristas, agravando as situações de fome existentes. Não há coordenação dos quatro países que acedem ao lago na luta antiterrorista e nestes países já há casos de pastores e criadores de gado que se matam uns aos outros para disputarem pastagens. Algumas potências ocidentais apoiam com armas a luta antiterrorista quando o que estão é a facilitar a base do seu recrutamento, por não privilegiarem o combate à fome. O recrutamento de crianças pelos terroristas espalhou-se também à Nigéria com promessas aliciantes que não seriam cumpridas. A situação destes países é dramática mas alguns deles dispõem de importantes riquezas que atraem os EUA e a França. O ferro é explorado na Mauritânia, o ouro no Mali, no Burkina e na Mauritânia. Todos estes países têm em graus diversos, agricultura de subsistência que num caso ainda permite alguma exportação, pecuária e pesca. A seca e a perda de água do Lago Chade condicionam estas actividades. O Chade e o Burkina Faso são aqueles onde a tragédia humanitária vai mais longe. Macron há dias em Ouagadougou, capital do Burkina Faso, referiu que «hoje em dia, na África, há africanos que fazem outros escravos africanos. Essa é uma realidade. E há europeus que beneficiam dessa miséria na Europa, o que é inaceitável. Em ambos os casos, são crimes. Estamos lutando contra ambos os casos». No entanto, o que Macron não mencionou é que o poder «suave» da UE tem servido como um factor de «atracção» irresistível para muitos desses migrantes, que no pior dos casos, acabam por ser escravizados. Os africanos saem da África porque muitos deles realmente acreditam que a UE é um paraíso terrestre, não apenas em comparação com seus próprios países, mas em geral, e que todos os seus problemas serão resolvidos no momento em que deixarem o «continente negro» e puserem o pé no continente europeu. Paris devia assumir a maior parte da culpa das condições domésticas atrozes da África francófona. A política neo-imperial criou elites nacionais fiéis aos interesses franceses e quando elas não fizeram o que a França esperava delas para garantir o acesso das suas grandes empresas aos mercados, aos recursos e ao trabalho, então rapidamente as fizeram cair e substituíram-nas por elites rivais com golpes apoiados pela França ou pela intervenção militar francesa directa. Pode ser surpreendente para algumas pessoas descobrirem que a França ainda controla de facto as políticas monetárias e, portanto, económicas, de 14 países «anteriormente» colonizados por si em África através dos francos da África Ocidental e da África Central, que proporcionam a obtenção de riquezas e a enorme influência de Paris sobre importante parte de África e, portanto, tornando-a, de facto, num poder africano. Além disso, a França sempre manteve uma rede de bases dispersas nas suas anteriores colónias, com uma «pegada militar» que tem aumentado ao longo dos últimos anos. A Operação Serval do Mali transformou-se numa missão – a Operação Barkhane – para todos os G5 da região do Sahel. Voltando à questão da origem da crise de emigração nos «G5» e de outros países da África Ocidental e Central, importa não esquecer que provavelmente nunca teria havido um surto terrorista no Nordeste do Mali pelo Ansar Dine ou no nordeste da Nigéria pelo Boko Haram se a guerra da NATO contra a Líbia de 2011 não tivesse existido. Foi este facto, mais do que qualquer outro, que contribuiu para o colapso da "antiga" ordem geopolítica do pós-Guerra Fria em África e o surgimento de uma situação caótica em que as crises regionais conduzidas por actores não estatais são a norma em alguns destes estados de grande crescimento populacional (Níger) ou já sobrepovoados (Nigéria). Mas isto não valida intervenções estrangeiras, como as que os EUA e a França estão a preparar, devendo caber aos países africanos o confrontar os traficantes de seres humanos e outros criminosos que operam nas suas comunidades. E os europeus devem fazer o mesmo em solo francês com as pessoas que aí beneficiam desta miséria, assim como os americanos deveriam ser mais proactivos no combate ao tráfico de drogas e de pessoas nos seus próprios bairros. Os soldados americanos deslocados para a África Ocidental vêm principalmente de unidades militares de elite, como os navy seals e os boinas verdes, que realizam as operações mais secretas e ilegais de Washington em todo o mundo: assassinatos, ataques antiterroristas, reconhecimento especial, guerra não convencional, operações psicológicas e treino de tropas estrangeiras. Em 2008, o Congresso dos EUA aprovou uma lei que proibiu o apoio militar americano aos governos que usassem crianças como soldados. Mas o presidente Barack Obama obteve uma excepção para o Chade, argumentando que era «no interesse nacional» dos Estados Unidos treinar e equipar os militares do Chade. Isto depois de se ter generalizado o recrutamento de crianças pelos terroristas, que se espalhou também à Nigéria com promessas aliciantes que não foram cumprido. O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou há dois anos que os EUA pretendiam enviar cerca de 300 militares americanos para os Camarões para lidar com ameaças extremistas do «Boko Haram». Estes militares iriam, e foram, realizar tarefas como a recolha de informações… O papel destas forças em toda a região foi destacada por relatórios recentes sobre o assassinato em Junho de um sargento dos Boinas Verdes, num complexo habitacional da embaixada dos EUA no vizinho Mali, suspeito de ter sido ser executado por dois navy seals (comandos norte-americanos para operações muito especiais) não identificados. As tropas de elite fazem parte das operações antiterroristas dos EUA no Mali, levando a cabo uma missão semelhante à realizada pelos soldados de elite no Níger. Mas no dia 6 de Novembro, dois dias depois do apelo do secretário-geral da ONU, foram mortos no Niger quatro «boinas verdes» e quatro soldados nigerianos, de uma unidade comum, numa emboscada do Boko Haram. Todo este cenário poderia suscitar uma intervenção forte dos 800 homens das unidades de elite que lá estão estacionados. A administração norte-americana disse que estavam no Níger só para treinar e apoiar a vigilância. Mas, numa declaração aparentemente desassombrada no passado dia 31 de Outubro à Reuters, o Ministro da Defesa do Níger, Kalla Mountari, já tinha revelado que 12 comandos e 30 soldados nigerianos «chegaram à fronteira do Mali e neutralizaram alguns bandidos», alguns momentos antes da emboscada. Descrevendo a versão americana de não intervenção em combate como fraudulenta. «Eles [o contingente dos EUA-Nigéria] contactaram a população, obtiveram informações e foi dentro do país, como se não esperassem, que o ataque ocorreu». Em Washington, o secretário da defesa, James Mattis, reuniu-se à porta fechada com o senador John McCain, que dirige a Comissão das Forças Armadas no Senado e pediu explicações ao Pentágono sobre o caso. Ficaram questões por esclarecer como, por exemplo, as razões de o corpo de um dos militares abatidos não ter sido imediatamente recolhido. Este episódio ilustra claramente que os Estados Unidos estão a liderar o percurso para uma ofensiva militar na região. Parece provável que, mesmo que o Boko Haram seja derrotado, as razões para a violência insurrecional se vão manter devido à fome e às carências de todo o tipo da grande maioria da população de países como o Chade. De acordo com as Nações Unidas, este país tem sido afectado por uma crise humanitária, desde pelo menos 2001. A partir de 2008, o Chade recebeu mais de 280 mil refugiados da região de Darfur, no Sudão, além de mais de 55 mil da República Centro-Africana, enquanto mais de 170 mil pessoas se deslocaram internamente. A escalada militar americana no Sahel assenta na concepção imperialista de Washington de garantir os grandes recursos económicos de África para a elite capitalista americana, em competição directa com seus rivais europeus que mantêm importantes interesses económicos nas suas antigas colónias no continente. Nas resoluções sobre estas matérias no conselho de segurança da ONU, os EUA actuam de maneira a impedir a liderança deste processo, por exemplo, por parte da França. Mas mais importante ainda, o empenho de Washington para o domínio geoestratégico na África Ocidental é motivado por preocupações sobre a crescente influência económica da China na região, que intervém na perspectiva de garantir o retorno dos seus investimentos mas também condições para o desenvolvimento local. Pequim garantiu, por exemplo, acordos com o governo nigeriano em 2008 para explorar depósitos de petróleo do país, adquirindo o bloco Agadem perto da fronteira com o Chade. Nos termos desse acordo, a China National Petroleum Company (CNPC) estatal chinesa planeou a construção de uma refinaria de 3200 quilómetros e um gasoduto que produziria 20 mil barris por dia. Mas acordos semelhantes têm vindo a ser firmados com outros países. No âmbito de diferentes tipos de reuniões do Fórum sobre Cooperação China-África, a China tem sublinhado que pretende trabalhar com os países africanos para o desenvolvimento de um novo tipo de parceria estratégica marcada pela igualdade e confiança mútua na política, na cooperação e relações económicas e intercâmbios e no enriquecimento cultural mutuamente vantajosos. A China é o maior parceiro comercial de África desde 2009. Os investimentos da China superaram os 100 biliões de dólares em 2016. Em 2017, o comércio entre as duas partes pode atingir os 180 biliões de dólares. Os investimentos chineses no continente africano diversificaram-se nas áreas de negócios, desde a construção, mineração até as indústrias emergentes como manufacturas, finanças, tecnologia de informação e internet Estando já debilitada na África Oriental, a administração norte-americana encara como intolerável este tipo de intervenção da China, o que só conseguiria através do poder militar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. O custo financeiro da Operação Barkhane – estimado em mais de mil milhões de euros anuais – levanta questões que se agudizam ainda mais num tempo de crise sanitária, afirmam os JC, que não esquecem também o elevado custo humano: «perto de 45 soldados franceses mortos desde o início da operação e milhares de civis assassinados.» «Os povos de França e dos países de África estão assim a pagar o preço terrível da política imperialista implementada pelo Estado francês», afirmam, citados pelo Peoples Dispatch. «Considerando que esta política assassina responde apenas aos interesses de uma minoria, em detrimento das necessidades das populações e dos trabalhadores, nós opomo-nos com os valores da amizade entre os povos e da solidariedade internacional capaz de garantir o progresso social», acrescentaram. O Partido Comunista Revolucionário de França (PCRF) também condenou as intervenções do país na região. Antes, o Partido Comunista Francês (PCF) já tinha sublinhado, na Comissão dos Assuntos Externos, a necessidade de estabelecer uma agenda com vista à retirada das tropas francesas do Mali. Em Julho do ano passado, teve lugar em Clermont-Ferrand (no Centro do país) uma grande mobilização anti-imperialista pelo fim das guerras francesas em África, a retirada das suas tropas do continente, o encerramento das suas bases militares e o retorno da riqueza de África aos trabalhadores africanos. Na manifestação participaram, entre outras organizações, os Jovens Comunistas, os Jovens Comunistas da Bélgica, a Organização Democrática da Juventude do Burkina Faso, a FRAPP – France Dégage, o Partido Comunista Sudanês e a Associação dos Estudantes Burkinabè em França. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Mobilizações anti-imperialistas em França contra a Operação Barkhane no Sahel
Opinião
Depois da tragédia humanitária, o perigo de uma intervenção militar dos EUA no Sahel
A propósito da luta antiterrorista
O papel da França e da guerra de 2011 contra a Líbia
O papel dos EUA
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Num sério revés para as aspirações belicistas, o Senado da Nigéria, numa reunião à porta fechada realizada ontem (6 de Agosto de 2023), rejeitou liminarmente a hipótese de uma invasão militar do Níger desencadeada pelo seu país: embora condene o golpe, vários senadores vieram a público defender que a «ênfase deve ser colocada nos meios políticos e diplomáticos para restaurar o governo democrático na República do Níger».
De acordo com o jornal Premium Times, da Nigéria (cuja participação, ao lado de jornalistas de vários jornalistas internacionais, na investigação dos Panama Papers foi distinguida com o prémio Pulitzer), mais de 90% dos senadores afirmaram estar contra o uso da força: o «Governo Federal deveria concentrar-se em resolver as ameaças do Boko Haram, do banditismo e do ESN/IPOB que assolam o país, em vez de ponderar partir para a guerra num país estrangeiro».
Embora a decisão do Senado não seja vinculativa, a forte oposição que o Governo enfrenta neste orgão nacional deixa a liderança do presidente Bola Tinubu (responsável, actualmente, pela CEDEAO) extremamente isolada internamente.
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