|Miguel Viegas

Os paraísos fiscais, pilar fundamental da mundialização

Portugal deixa sair todos os anos milhares de milhões de euros para paraísos fiscais, privando assim o Estado de recursos fundamentais para financiar serviços públicos de qualidade ou infraestruturas fundamentais para assegurar o desenvolvimento equilibrado do país.

Créditos / Pixabay

Ano após ano, e apesar das sucessivas declarações e compromissos com o fim dos paraísos fiscais, os números continuam avassaladores. Portugal deixa sair todos os anos milhares de milhões de euros para paraísos fiscais, privando assim o Estado de recursos fundamentais para financiar serviços públicos de qualidade ou infraestruturas fundamentais para assegurar o desenvolvimento equilibrado do país. Noventa por cento das empresas do PSI 20 têm as suas sedes em paraísos fiscais. Segundo estimativas do economista Gabriel Zucman, as perdas globais de receitas fiscais decorrentes destes territórios, chamados também de offshores, ascendem a 350 mil milhões de euros anuais. Para Portugal, a fatura fiscal ascende a 503 milhões de euros anuais de acordo com o Observatório Fiscal da União Europeia.

Os paraísos fiscais não resultam de qualquer disfunção do sistema embora em não raros casos sejam apresentados como tal. Os paraísos fiscais são espaços jurídicos que foram construídos de forma meticulosa pelo sistema para olear o processo de mundialização da economia ao serviço das empresas multinacionais visando maximizar o seu lucro. Constituem hoje no seu conjunto um pilar fundamental da globalização capitalista. O seu papel consiste na possibilidade de separar o local físico onde acontece a atividade económica do local onde esta mesma ação é registada e onde passa a ser controlada e taxada. Estas práticas, para além de permitir às grandes empresas multinacionais mitigar a sua fatura fiscal, acentuam as desigualdades económicas e a polarização da riqueza e promovem a opacidade criando autênticos territórios sem lei onde se refugiam todo o tipo de atividades ilícitas. Como testemunha a generalidade dos escândalos financeiros, os paraísos fiscais, onde impera o secretismo e o anonimato, constituem uma ferramenta obrigatória usada para esconder dívidas, deslocalizar ativos e branquear capitais com origens criminosas. 

«Os paraísos fiscais são espaços jurídicos que foram construídos de forma meticulosa pelo sistema para olear o processo de mundialização da economia ao serviço das empresas multinacionais visando maximizar o seu lucro.»

Um paraíso fiscal consiste num território com um regime fiscal altamente favorável e que oferece ao mesmo tempo um alto grau de opacidade. Existem várias formas de categorizar um paraíso fiscal. Não sendo fácil esta tarefa, não é menos verdade que a ambiguidade, em muitos casos estimulada voluntariamente, tem sido a arma que muitos países usam para evitar a sua inclusão nas muitas listas propostas por organismos internacionais. Normalmente define-se um paraíso fiscal como um território que reuniu vários atributos. Em primeiro lugar, a atividade económica principal é destinada aos não residentes. Em segundo lugar, a regulamentação é altamente flexível e o nível de impostos é muito baixo ou nulo. Em terceiro lugar, o tamanho do setor financeiro é desproporcionado face às necessidades de economia real. Neste, as operações em divisas estrangeiras são dominantes e a atividade bancária é pouco ou não regulada. Finalmente, em quarto lugar surge a opacidade e o anonimato e a não adesão aos acordos internacionais sobre troca de informações.

Apesar do relativo consenso quanto à caracterização do conceito na sua generalidade, a verdade é que as muitas tentativas de, até hoje, serem criadas listas aceites internacionalmente de paraísos fiscais dizem muito sobre a real vontade política de acabar com este flagelo. Seja ao nível da OCDE ou da União Europeia, várias foram as propostas de listas que acabaram completamente esvaziadas de conteúdo em função de negociações diplomáticas de bastidores. Basta lembrar a primeira lista negra da OCDE de 2009, que viria a acabar com apenas quatro países: a Costa Rica, a Malásia, as Filipinas e o Uruguai. Alguém consegue imaginar uma lista negra com países como a Holanda, o Luxemburgo ou a Suíça? Acabar com os paraísos fiscais ou pelo menos mitigar os seus impactos é possível, mas implica o confronto com o sistema que poucos ousam enfrentar. Implica a elaboração de uma lista séria de paraísos fiscais e a aplicação de medidas sancionatórias sobre todos os agentes que recorram a estes territórios para fugir ao pagamento de impostos ou dissimular todo o tipo de fluxos financeiros, quase sempre de origem duvidosa. Implica, acima de tudo, vontade política que manifestamente escasseia entre as maiorias que continuam a governar o país.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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