Nos últimos dias tem-se falado da questão da suspensão do envio de encomendas postais para os EUA. Essa suspensão, por parte dos CTT e de mais 82 empresas nacionais de correios, vem na sequência da decisão dos EUA de acabarem, a partir de 29 de Agosto, com as isenções fiscais de minimis, ou seja, do envio por correio de mercadorias com um valor inferior a 800 dólares. Uma ordem executiva de Trump, que apanhou de surpresa as empresas da União Europeia e de quase todo o mundo, pois não só foi tomada sem qualquer aviso prévio ou fase de transição, como vem acompanhada de medidas que impõem novas obrigações às transportadoras e às empresas de correios, de fazerem a avaliação das mercadorias, o cálculo do imposto e a sua entrega aos EUA, e ainda ficam sujeitas a serem multadas se os EUA não estiverem de acordo com os valores cobrados. Um novo limite de 100 euros foi colocado, mas com condicionantes cuja discricionariedade tão pouco é muito clara.
As empresas não só não estavam preparadas para tal medida como temeram as consequências para as suas contas de não obedecer bem às novas ordens do império, e preferiram parar o envio de encomendas.
E não se pense que esta é uma medida contra a China. Seguramente muito pateta com o cérebro empanturrado de propaganda estaria disposto a sacrificar os 12 milhões de euros de exportações portuguesas que assim deixarão de ser realizadas para se poder conter o perigo amarelo. Acontece que esta medida já estava a ser aplicada contra a China desde o dia 2 de Maio, também na sequência de uma outra ordem executiva de Trump. O que significa duas coisas: que a surpresa das empresas europeias mostra o quanto estas ainda não perceberam o papel que lhes está verdadeiramente destinado na nova ordem imperial; que esta medida é dirigida contra os países da União Europeia e as suas empresas.
«As empresas não só não estavam preparadas para tal medida como temeram as consequências para as suas contas de não obedecer bem às novas ordens do império, e preferiram parar o envio de encomendas.»
E já agora, importa também lembrar que a União Europeia adoptou há uns três anos um conjunto de medidas para dificultar a importação postal de mercadorias de baixo valor (150 euros) e está a discutir o fim dessa mesma isenção de minimis para 2027, tudo em nome do perigo amarelo, mas na realidade para tentar proteger a economia europeia da chegada de produtos, também da China, mas igualmente dos EUA e do resto do mundo. A única diferença é que, em vez de bruscas imposições executivas imperiais, a União Europeia desenvolve lentos processos burocráticos onde as piores intenções são mascaradas com as questões da segurança dos consumidores, com as questões ambientais, com a defesa dos salários, etc.
Mas o que nenhum Estado da União Europeia fez, e muito menos a sua triste Comissão, foi protestar ou retaliar uma medida unilateral dos EUA que é tão claramente dirigida contra a sua economia. Atolada na lógica militarista, tendo rompido, por ordem dos EUA, com todo o mundo que não antagonizara já pelo seu neocolonialismo, está agora sem capacidade para resistir ao crescente tributo que o império lhe cobra.
Há ainda uma última reflexão que esta crise dos minimis nos deveria suscitar. Esta possibilidade de encomendar produtos de outros países, até por uma simples aplicação no telemóvel, e de os receber em dias na nossa própria casa, é um desenvolvimento das forças produtivas brutal. Traz desafios, como o fiscal e regulatório, acentua contradições, ao potenciar a concentração e alargar as cadeias logísticas, mas é um inegável desenvolvimento das forças produtivas. E para os alucinados do liberalismo, deveria ser o supra-sumo da concorrência. Deveria ser, para esses alucinados, o modelo a ser seguido. E, no entanto, são os mais liberais dos governos que adoptam medidas para eliminar os minimis.
«Esta possibilidade de encomendar produtos de outros países, até por uma simples aplicação no telemóvel, e de os receber em dias na nossa própria casa, é um desenvolvimento das forças produtivas brutal.»
Porque também «eles» sabem que a livre concorrência traz a concentração monopolista e a vitória do mais forte economicamente. É boa (na óptica d«eles») para impor às colónias e absorver as suas economias, para justificar ideologicamente a destruição de serviços públicos, para precarizar e sobre-explorar camadas de trabalhadores convencidos que são empresários e empreendedores. Mas não serve para as relações económicas internacionais de meados do século XXI. Porque só deve ser aplicada nas relações onde «eles» são os mais fortes. E «eles» já não são os mais fortes, e sabem-no. E por isso são tão perigosos.
E é por isso que esta estória dos minimis me faz lembrar o Mini-me, da série de filmes do Austin Powers. Visualizem-no, caneta na mão, de grosso feltro negro, loura cabeleira no lugar da imponente calva, a assinar ordens executivas na Casa Branca. É esse o gigante que há que enfrentar.
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