|Sérvia

NATO alega «imunidade» no caso da utilização de urânio empobrecido na Sérvia

A aliança respondeu oficialmente aos processos apresentados pelas vítimas sérvias no Tribunal Superior de Belgrado e alegou «imunidade jurídica», informou o advogado Srdjan Aleksic.

Bombardeamento sobre Belgrado 
Créditos / Brasil 247

Em Março de 1999, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) iniciou uma campanha de bombardeamentos contra a Jugoslávia, sem o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, contaminado o país balcânico com pelo menos 15 toneladas de munições de urânio empobrecido, altamente tóxico.

Srdjan Aleksic lidera a equipa jurídica que representa as vítimas sérvias dos bombardeamentos e há vários anos que anda a juntar casos com provas materiais.

Há alguns dias, a NATO respondeu oficialmente aos processos instaurados contra a aliança no Tribunal Superior de Belgrado, mas alegou «imunidade jurídica» perante a acusação, disse o advogado sérvio a uma agência russa citada pelo portal dailytelegraph.co.nz.

«Na sua declaração ao tribunal, o gabinete de ligação da NATO na Sérvia disse que a aliança tem completa imunidade ao abrigo da jurisdição sérvia, com base no acordo de 2005 celebrado entre a aliança e a União Estatal da Sérvia e Montenegro "On the transit participation and support of peacekeeping operations" e no acordo de 2006, ao abrigo do qual foi criado o gabinete de ligação em Belgrado», declarou Aleksic.

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Sérvia apresenta processos contra a NATO pelos bombardeamentos de 1999

As vítimas sérvias dos bombardeamentos de 1999 estão a apresentar processos judiciais contra a NATO pela utilização de urânio empobrecido durante os ataques aéreos.

A agressão da NATO à Jugoslávia começou a 24 de Março de 1999
A agressão da NATO à Jugoslávia começou a 24 de Março de 1999 Créditos / serbianmonitor.com

Srdjan Aleksic, o advogado que lidera a equipa jurídica, disse à Sputnik que têm estado a juntar casos com provas materiais, há vários anos.

«Estamos a entrar com acções na quarta-feira nos tribunais das cidades de Belgrado, Novi Sad, Kragujevac, Nis e Vranje. Estamos a falar dos tribunais superiores, nos quais vamos abrir cinco processos. As vítimas são pessoas físicas – soldados falecidos e doentes e polícias da República Federal da Jugoslávia, que estiveram no Kosovo em 1999. Na primeira fase, queremos que sejam casos idênticos, como no caso dos militares italianos», disse Aleksic.

Os processos contra a NATO são apresentados com o apoio e a colaboração do advogado italiano Angelo Fiore Tartaglia, que representou com êxito um grupo de militares italianos que estiveram expostos a altas doses de radiação enquanto desempenhavam funções, ao serviço da NATO, no Kosovo e Metohija.

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Jugoslávia: o dia em que uma televisão se tornou um alvo militar

Dentro de algumas horas, a Rádio Televisão da Sérvia será bombardeada para calar a agressão da NATO à Jugoslávia. Estamos em 1999 e este é um dos muitos ataques contra alvos civis, ao longo de 78 dias.

O edifício do Quartel-General do Exército da Jugoslávia não foi reconstruído depois de ser danificado por mísseis de cruzeiro em Abril de 1999, durante o bombardeio da NATO
Créditos / 1389blog.com

A agressão imperialista à República da Jugoslávia tinha começado um mês antes, a 24 de Março de 1999, e desenrolou-se até 10 de Junho desse ano, depois de fracassadas as negociações em Rambouillet e Paris, entre 6 e 23 de Fevereiro de 1999, com o pretenso objectivo de pôr fim ao conflito entre o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças de Belgrado, acusadas de promoverem uma limpeza étnica.

Durante 78 dias, aviões e navios de guerra da NATO realizaram 3800 «operações de combate», lançando 22 milhões de quilos de bombas, cerca de 2300 mísseis e 14 mil bombas sobre um milhar de alvos, entre os quais a Rádio Televisão Sérvia, onde morreram 16 pessoas.

Para a NATO, a sede da TV Sérvia, em Belgrado, era um alvo militar a abater pelo facto de ser «porta-voz da propaganda» de Milosevic. Por outras palavras, pelo facto de revelar uma realidade não conforme com a que foi fabricada pelo Ocidente, evidenciando as consequências dos ataques da Aliança Atlântica, liderada pelos EUA.

Os ataques a pontes, comboios, colunas de refugiados, mercados e fábricas foram alguns dos crimes cometidos pela NATO, e que a televisão estatal cobriu. 

Em 2002, Milanovic, ex-director da televisão estatal, foi condenado por um tribunal sérvio a dez anos de prisão por não ter procedido à evacuação dos trabalhadores, apesar de «saber que o edifício podia vir a ser alvejado e que um ataque provocaria necessariamente a perda de vidas humanas». Milanovic acabaria por ser o único condenado pelo bombardeamento ocorrido na madrugada do dia 23 de Abril. 

O advogado de Milanovic classificou a sentença como «o mais vergonhoso veredicto na história da justiça de Belgrado». Mais curioso ainda, o facto de Carla del Ponte, procuradora do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), ter admitido que, após analisar a possibilidade de indiciar os dirigentes dos países da NATO, estes não eram responsáveis pelos crimes. 

Criado em 1993 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o TPIJ foi, segundo Diana Johnstone, na sua obra Cruzada de Cegos, «uma instituição estabelecida de cima para julgar os de baixo. […] Desde o princípio, o objectivo proclamado pelos seus promotores principais não foi forjar um instrumento de Justiça neutra e universal mas punir um grupo nacional: os sérvios». 

«Take it ou leave it»

As supostas negociações ocorridas em França e mediadas pela NATO não foram mais do que uma encenação. Numa entrevista concedida ao Belgrado Politika, em 2013, Zivadin Jovanovic, então ministro jugoslavo dos Negócios Estrangeiros, afirmou que «em Rambouillet, não houve nem tentativa de alcançar um acordo, nem de negociação».

Zivadin Jovanovic explicou que o enviado norte-americano exigiu à delegação jugoslava que se limitasse a assinar o texto que ele mesmo tinha elaborado e colocado em cima da mesa, «segundo o princípio take it or leave it [peguem ou larguem]».

Entre os pressupostos do referido texto, assinalava-se a passagem livre e sem restrições, bem como o acesso total em todo o território da República Federal da Jugoslávia por parte do pessoal da NATO, incluindo os seus veículos, navios, aviões e equipamento. 

«Uma provocação»

Numa entrevista ao Daily Telegraph de Londres, a 27 de Junho de 1999, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger denunciou: «O texto do projecto de acordo de Rambouillet, que exigia o estacionamento de tropas da NATO em toda a Jugoslávia, era uma provocação. Serviu de pretexto para começar os bombardeamentos. O documento de Rambouillet estava formulado de tal maneira que nenhum sérvio podia aceitá-lo.»

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No caso desses militares, a Justiça italiana deu como provada a existência de metais pesados no sangue e decretou que fossem indemnizados, no valor de 300 mil euros, por terem desenvolvido doenças mortais devido às bombas de urânio. Aleksic pretende que o valor da compensação para as vítimas sérvias seja, no mínimo, idêntico.

Sobre o processo e a colaboração de Tartaglia, o advogado sérvio disse: «Ele tem 181 decisões judiciais, que já entraram em vigor na Europa. Será um membro da minha equipa de especialistas jurídicos. Temos mais de 3000 páginas de materiais, incluindo veredictos, pareceres de especialistas, materiais de uma comissão especial do governo italiano. Reunimos provas suficientes.»

«Crime de guerra»

Em declarações anteriores à mesma agência, Aleksic frisou que a NATO podia ter utilizado armas convencionais e, no entanto, optou por utilizar urânio no território da Sérvia, com consequências nefastas para a população durante muitos anos.

«Trata-se de um crime de guerra e a Organização do Tratado do Atlântico Norte deve reparar o dano causado aos cidadãos sérvios», sublinhou.

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No Kosovo, só se enganou «quem quis ser enganado»

Vinte anos volvidos sobre os bombardeamentos da NATO na Jugoslávia, o AbrilAbril colocou algumas questões ao major-general Raul Cunha, que recentemente publicou o livro Kosovo, a Incoerência de Uma Independência Inédita, sem passar ao lado de «alegações fabricadas» e «pretextos humanitários», manipulação mediática, «demonização dos sérvios» ou o papel do TPIJ.

Bombardeamento em Belgrado levado a cabo pela NATO
Créditos / TASS

Em Kosovo, a Incoerência de Uma Independência Inédita, o autor discorre sobre temas de que possui um «conhecimento seguro» e sobre os quais manifesta «fundadas opiniões», ou não se tratasse de um trabalho realizado com base em factos resultantes da vivência e do contacto directo do autor com protagonistas do conflito e da intervenção militar externa na Jugoslávia.

Esta foi uma das motivações para o AbrilAbril ouvir o major-general Raul Cunha, que adquiriu um profundo conhecimento da região dos Balcãs, também por ter integrado a KFOR (Kosovo Force, ao serviço NATO) e ter sido chefe da componente militar da UNMIK (Missão das Nações Unidas no Kosovo).

A perspectiva dominante sobre os acontecimentos é crítica. «Por isso» – afirma-se num dos prefácios da obra – «as conclusões a que [o autor] chegou são significativamente diferentes daquelas que prevaleceram no mainstream». Ao AbrilAbril, Raul Cunha disse sentir-se «imune a quaisquer pressões ou sugestões para escamotear aquilo que consider[a] corresponder à realidade».

Refere-se ao alegado massacre de Račak, em Janeiro de 1999, como um elemento determinante para a intervenção da NATO na ex-Jugoslávia, na Primavera desse ano. Em seu entender, a acção militar teve por base «alegações fabricadas, imprecisas e por parte interessada». Pode desenvolver?

Quando recebeu a notícia do ocorrido em Račak, a secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, comentou: «A Primavera chegou cedo ao Kosovo»; ou seja, já havia o ansiado argumento que faltava para poder ter lugar a intervenção da OTAN. De facto, foi assim possível pressionar a Sérvia para aceitar as negociações em Rambouillet e depois foi só introduzir no acordo uma cláusula (inaceitável para qualquer Estado soberano) que impedisse a Sérvia de assinar e abrir desse modo o caminho para os bombardeamentos pela Força Aérea da OTAN. Mesmo hoje, no Kosovo, no local onde estão as campas dos mortos em Račak, pode ser constatada a filiação da sua maioria na guerrilha do UÇK [Exército de Libertação do Kosovo], desmontando assim a alegação de terem sido abatidos civis inocentes pelas forças sérvias. E, se olharmos para a história das intervenções dos EUA nos vários conflitos em que decidem participar, esta fórmula de justificação tem sido consistentemente utilizada.

Outro ponto que a sua obra destaca é o do pretexto «humanitário» que serve de partida para a ingerência nos assuntos internos dos países, por questões de diversa índole... Depois do que se passou na Líbia e com o que ocorre actualmente na Síria ou no Afeganistão, digamos que há muito por onde pegar...

Tal como refiro na minha obra, na actualidade a soberania dos Estados está mais limitada, sobretudo devido ao possível escrutínio sobre as acções dos diferentes governos com ênfase na violação dos direitos humanos dos cidadãos; mas a realidade é também que, na quase totalidade das intervenções realizadas, a verdadeira motivação dos participantes tem sido os seus interesses geoestratégicos, daí que, na falta de um respaldo numa resolução do Conselho de Segurança da ONU, têm tido lugar operações conduzidas pelas ditas «coligações».

No concreto, torna-se muito difícil discernir a verdade entre a «necessidade de acorrer a uma crise humanitária» e os «interesses das nações que desejam intervir», e as operações que têm acabado por ocorrer levam-nos a crer que o pretexto «humanitário» é só isso mesmo – um pretexto para poder concretizar os interesses dos intervenientes.

No que respeita à promoção de agendas próprias – geoestratégicas e económicas –, o seu livro dá amplo destaque ao papel das potências ocidentais no desmembramento da Jugoslávia, na campanha de demonização dos sérvios e na afirmação do Kosovo como Estado independente: com os Estados Unidos da América e a Alemanha «muito à frente».

Quando fala dos objectivos estratégicos dos EUA na intervenção militar na Sérvia ou do papel que a Alemanha teve na apropriação de recursos naturais e na privatização das empresas no Kosovo, o seu livro deixa bem claro como uma pretensa imparcialidade na acção ou um pretenso humanitarismo nos propósitos eram para enganar os incautos. E parecem ter enganado, não é?

Penso que só enganou quem quis ser enganado, ou a quem esse facto não causou perturbação, ou faltou coragem (ou força) para discordar. Para a esmagadora maioria dos Militares que estiveram no terreno, a realidade dos factos foi bem evidente e foram muitos os que informaram os seus governos daquilo que constatavam. Mas as Alianças obrigam a que, por vezes, se tenha de fechar os olhos e consentir na vontade dos mais poderosos. Quando verificamos quais os países que se apressaram a reconhecer a independência do Kosovo e a pressionar os seus pares para o fazerem, facilmente concluímos quem tinha a lucrar com esse facto.

Outro elemento em destaque na sua obra é o papel desempenhado pelos órgãos de comunicação social (OCS) – a que se refere de modo muito crítico, nomeadamente pela importância que tiveram «na preparação da opinião pública para aceitar e aplaudir a guerra», para legitimar a guerra da NATO contra a Jugoslávia, «demonizar» os sérvios e Milošević. Como exemplo, fala da CNN como «braço de informações da NATO» ou da BBC a relatar os bombardeamentos como «o som de anjos»...

Quando é analisado tudo o que se propalou nos OCS do Ocidente (houve raras, mas honrosas, excepções em Portugal), facilmente se chega à conclusão de que se tratou de uma campanha perfeitamente orquestrada para a manipulação da opinião pública. Mais ainda, no caso do Kosovo, os OCS não só acompanharam com especial parcialidade o que ia ocorrendo, como foram mesmo um dos catalisadores do conflito, pressionando os seus governos para a intervenção, facto que alguns jornalistas acabaram mesmo por reconhecer.

Também assume particular relevo na obra a caracterização que faz do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), do qual diz que a «justiça ideal – imparcial, séria, legítima – andou [dali] bastante arredada» e que acusa de ser um «colaborador judicial das relações públicas NATO». Quer dar-nos alguns exemplos?

Sobre a colaboração do TPIJ com a OTAN o livro contém bastantes exemplos e sobretudo especifica como as acusações dos promotores do tribunal serviram os interesses políticos do momento. Em termos de justiça «imparcial», num conflito em que quem estava no terreno não conseguia identificar quaisquer diferenças nas formas de actuação das forças das etnias presentes, atente-se nos resultados dos diferentes julgamentos do TPIJ:

– Condenados (90): 63 sérvios (quatro por crimes na Krajina croata), 18 croatas bosníacos, cinco muçulmanos bosníacos (nenhum mujahedin), dois montenegrinos, um macedónio, um albanês (por crimes contra os sérvios do Kosovo), zero croatas da Croácia.

Absolvidos (18): seis sérvios, quatro croatas (um bosníaco), quatro muçulmanos bosníacos, quatro albaneses.

Como curiosidade, note-se que houve quatro sérvios da Croácia condenados por crimes de limpeza étnica de croatas na Krajina (da ordem dos milhares), enquanto os três oficiais croatas ligados à maior limpeza étnica ocorrida no conflito jugoslavo (250 mil sérvios da Krajina) foram absolvidos.

Num dos dois prefácios do seu livro (o outro é do embaixador Tânger Corrêa), o major-general Carlos Branco sublinha que «entre a liberdade de pensamento e a conveniência, o Major General Raul Cunha escolheu inequivocamente a liberdade. Por isso, as conclusões a que chegou são significativamente diferentes daquelas que prevaleceram no mainstream, como "verdades" únicas, indiscutíveis e não sujeitas a contraditório. Essas "verdades", repetidas à exaustão, reflectindo narrativas maniqueístas do mal contra o bem tornaram-se intimidatórias para quem as questionasse».

Foi essa a razão deste livro, dar a conhecer uma outra realidade até aqui esmagada por «essas verdades repetidas até à exaustão» e torná-lo numa referência incontornável para quem se interessa por esta realidade?

Este livro resultou da adaptação da minha tese de doutoramento sobre o mesmo tema e, quando por ele optei, foi porque entendi que poderia discorrer e discutir sobre algo de que possuía um conhecimento seguro e sobre o que tinha fundadas opiniões. A opção de publicar em livro resultou sobretudo por entender que aquele trabalho poderia contribuir para esclarecer o público em geral sobre esse conflito e as suas razões e contornos, através de factos que foram omitidos ou adulterados por muitos académicos e jornalistas, bem como alguns que eu próprio tive de reter por força das funções que então desempenhava. E também porque, dada a minha actual condição de «reformado», tenho o privilégio de estar totalmente imune a quaisquer pressões ou sugestões para escamotear aquilo que considero corresponder à realidade.

Conhecidas publicamente as suas opiniões sobre esta problemática, desde o tempo em que exerceu funções no Kosovo, e considerando que o questionamento de tais «verdades» se tornou intimidatório, essas posições influenciaram a sua carreira militar, nomeadamente penalizando-o na sua promoção a tenente-general?

Ao contrário do que possa parecer, penso que as minhas posições sobre esta problemática até me granjearam algum prestígio no seio da Instituição Militar, incluindo nos meus chefes e comandantes e, portanto, não prejudicaram a minha carreira. Na realidade, a minha não promoção a tenente-general deveu-se somente ao facto de, no último ano em que seria possível (2011), ter ocorrido a crise financeira do País e a tutela não ter permitido promoções durante um largo período, apesar de haver vagas para tal e, entretanto, eu ter atingido o limite de idade para o meu posto, tendo de passar obrigatoriamente à reserva.

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Depois de o Tribunal Superior de Belgrado admitir os processos, o passo seguinte será enviar uma notificação formal para a sede da NATO, no prazo de seis meses. A aliança – refere a Sputnik – tem de responder em 30 dias.

Em Março de 1999, a NATO iniciou uma campanha de bombardeamentos contra a Jugoslávia, sem o apoio do Conselho de Segurança das Nações Unidas, alegando que Belgrado recorrera ao «uso excessivo e desproporcionado da força» no conflito com a maioria albanesa na região do Kosovo – que declarou a sua independência, unilateralmente, em 2008.

Durante essa campanha militar, a NATO lançou «entre dez a 15 toneladas de urânio empobrecido, que provocaram um desastre ambiental» e fizeram aumentar cinco vezes os casos relacionados com doenças oncológicas.

O governo de Belgrado criou uma comissão especial destinada a investigar os danos humanos e ambientais causados pelos bombardeamentos de 1999.

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O advogado rejeitou as alegações de «imunidade», insistindo que «nenhum destes acordos confere imunidade à NATO como organização» e que «a imunidade não pode ser aplicada retroactivamente».

Neste sentido, disse, «não se pode conceder imunidade à NATO pelos crimes de guerra contra civis e pela sua agressão ilegal, ao abrigo do acordo de 2005».

«No nosso processo relativo aos bombardeamentos com urânio empobrecido, que causaram vítimas entre a população civil, soldados, polícias, a NATO é responsável pela violação do direito à vida e pelos danos causados», sublinhou Aleksic, que espera que o Tribunal Superior de Belgrado prossiga com as audiências em Outubro.

Elevada taxa de cancro, aumento de doenças psicológicas e desastre ambiental

Os processos contra a NATO têm sido apresentados com o apoio e a colaboração do advogado italiano Angelo Fiore Tartaglia, que representou com êxito um grupo de militares italianos que estiveram expostos a altas doses de radiação enquanto desempenhavam funções, ao serviço da NATO, no Kosovo e Metohija.

O primeiro caso foi apresentado em tribunal em Janeiro de 2021. No início deste ano, avançaram com outros dois.

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No Kosovo, só se enganou «quem quis ser enganado»

Vinte anos volvidos sobre os bombardeamentos da NATO na Jugoslávia, o AbrilAbril colocou algumas questões ao major-general Raul Cunha, que recentemente publicou o livro Kosovo, a Incoerência de Uma Independência Inédita, sem passar ao lado de «alegações fabricadas» e «pretextos humanitários», manipulação mediática, «demonização dos sérvios» ou o papel do TPIJ.

Bombardeamento em Belgrado levado a cabo pela NATO
Créditos / TASS

Em Kosovo, a Incoerência de Uma Independência Inédita, o autor discorre sobre temas de que possui um «conhecimento seguro» e sobre os quais manifesta «fundadas opiniões», ou não se tratasse de um trabalho realizado com base em factos resultantes da vivência e do contacto directo do autor com protagonistas do conflito e da intervenção militar externa na Jugoslávia.

Esta foi uma das motivações para o AbrilAbril ouvir o major-general Raul Cunha, que adquiriu um profundo conhecimento da região dos Balcãs, também por ter integrado a KFOR (Kosovo Force, ao serviço NATO) e ter sido chefe da componente militar da UNMIK (Missão das Nações Unidas no Kosovo).

A perspectiva dominante sobre os acontecimentos é crítica. «Por isso» – afirma-se num dos prefácios da obra – «as conclusões a que [o autor] chegou são significativamente diferentes daquelas que prevaleceram no mainstream». Ao AbrilAbril, Raul Cunha disse sentir-se «imune a quaisquer pressões ou sugestões para escamotear aquilo que consider[a] corresponder à realidade».

Refere-se ao alegado massacre de Račak, em Janeiro de 1999, como um elemento determinante para a intervenção da NATO na ex-Jugoslávia, na Primavera desse ano. Em seu entender, a acção militar teve por base «alegações fabricadas, imprecisas e por parte interessada». Pode desenvolver?

Quando recebeu a notícia do ocorrido em Račak, a secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, comentou: «A Primavera chegou cedo ao Kosovo»; ou seja, já havia o ansiado argumento que faltava para poder ter lugar a intervenção da OTAN. De facto, foi assim possível pressionar a Sérvia para aceitar as negociações em Rambouillet e depois foi só introduzir no acordo uma cláusula (inaceitável para qualquer Estado soberano) que impedisse a Sérvia de assinar e abrir desse modo o caminho para os bombardeamentos pela Força Aérea da OTAN. Mesmo hoje, no Kosovo, no local onde estão as campas dos mortos em Račak, pode ser constatada a filiação da sua maioria na guerrilha do UÇK [Exército de Libertação do Kosovo], desmontando assim a alegação de terem sido abatidos civis inocentes pelas forças sérvias. E, se olharmos para a história das intervenções dos EUA nos vários conflitos em que decidem participar, esta fórmula de justificação tem sido consistentemente utilizada.

Outro ponto que a sua obra destaca é o do pretexto «humanitário» que serve de partida para a ingerência nos assuntos internos dos países, por questões de diversa índole... Depois do que se passou na Líbia e com o que ocorre actualmente na Síria ou no Afeganistão, digamos que há muito por onde pegar...

Tal como refiro na minha obra, na actualidade a soberania dos Estados está mais limitada, sobretudo devido ao possível escrutínio sobre as acções dos diferentes governos com ênfase na violação dos direitos humanos dos cidadãos; mas a realidade é também que, na quase totalidade das intervenções realizadas, a verdadeira motivação dos participantes tem sido os seus interesses geoestratégicos, daí que, na falta de um respaldo numa resolução do Conselho de Segurança da ONU, têm tido lugar operações conduzidas pelas ditas «coligações».

No concreto, torna-se muito difícil discernir a verdade entre a «necessidade de acorrer a uma crise humanitária» e os «interesses das nações que desejam intervir», e as operações que têm acabado por ocorrer levam-nos a crer que o pretexto «humanitário» é só isso mesmo – um pretexto para poder concretizar os interesses dos intervenientes.

No que respeita à promoção de agendas próprias – geoestratégicas e económicas –, o seu livro dá amplo destaque ao papel das potências ocidentais no desmembramento da Jugoslávia, na campanha de demonização dos sérvios e na afirmação do Kosovo como Estado independente: com os Estados Unidos da América e a Alemanha «muito à frente».

Quando fala dos objectivos estratégicos dos EUA na intervenção militar na Sérvia ou do papel que a Alemanha teve na apropriação de recursos naturais e na privatização das empresas no Kosovo, o seu livro deixa bem claro como uma pretensa imparcialidade na acção ou um pretenso humanitarismo nos propósitos eram para enganar os incautos. E parecem ter enganado, não é?

Penso que só enganou quem quis ser enganado, ou a quem esse facto não causou perturbação, ou faltou coragem (ou força) para discordar. Para a esmagadora maioria dos Militares que estiveram no terreno, a realidade dos factos foi bem evidente e foram muitos os que informaram os seus governos daquilo que constatavam. Mas as Alianças obrigam a que, por vezes, se tenha de fechar os olhos e consentir na vontade dos mais poderosos. Quando verificamos quais os países que se apressaram a reconhecer a independência do Kosovo e a pressionar os seus pares para o fazerem, facilmente concluímos quem tinha a lucrar com esse facto.

Outro elemento em destaque na sua obra é o papel desempenhado pelos órgãos de comunicação social (OCS) – a que se refere de modo muito crítico, nomeadamente pela importância que tiveram «na preparação da opinião pública para aceitar e aplaudir a guerra», para legitimar a guerra da NATO contra a Jugoslávia, «demonizar» os sérvios e Milošević. Como exemplo, fala da CNN como «braço de informações da NATO» ou da BBC a relatar os bombardeamentos como «o som de anjos»...

Quando é analisado tudo o que se propalou nos OCS do Ocidente (houve raras, mas honrosas, excepções em Portugal), facilmente se chega à conclusão de que se tratou de uma campanha perfeitamente orquestrada para a manipulação da opinião pública. Mais ainda, no caso do Kosovo, os OCS não só acompanharam com especial parcialidade o que ia ocorrendo, como foram mesmo um dos catalisadores do conflito, pressionando os seus governos para a intervenção, facto que alguns jornalistas acabaram mesmo por reconhecer.

Também assume particular relevo na obra a caracterização que faz do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), do qual diz que a «justiça ideal – imparcial, séria, legítima – andou [dali] bastante arredada» e que acusa de ser um «colaborador judicial das relações públicas NATO». Quer dar-nos alguns exemplos?

Sobre a colaboração do TPIJ com a OTAN o livro contém bastantes exemplos e sobretudo especifica como as acusações dos promotores do tribunal serviram os interesses políticos do momento. Em termos de justiça «imparcial», num conflito em que quem estava no terreno não conseguia identificar quaisquer diferenças nas formas de actuação das forças das etnias presentes, atente-se nos resultados dos diferentes julgamentos do TPIJ:

– Condenados (90): 63 sérvios (quatro por crimes na Krajina croata), 18 croatas bosníacos, cinco muçulmanos bosníacos (nenhum mujahedin), dois montenegrinos, um macedónio, um albanês (por crimes contra os sérvios do Kosovo), zero croatas da Croácia.

Absolvidos (18): seis sérvios, quatro croatas (um bosníaco), quatro muçulmanos bosníacos, quatro albaneses.

Como curiosidade, note-se que houve quatro sérvios da Croácia condenados por crimes de limpeza étnica de croatas na Krajina (da ordem dos milhares), enquanto os três oficiais croatas ligados à maior limpeza étnica ocorrida no conflito jugoslavo (250 mil sérvios da Krajina) foram absolvidos.

Num dos dois prefácios do seu livro (o outro é do embaixador Tânger Corrêa), o major-general Carlos Branco sublinha que «entre a liberdade de pensamento e a conveniência, o Major General Raul Cunha escolheu inequivocamente a liberdade. Por isso, as conclusões a que chegou são significativamente diferentes daquelas que prevaleceram no mainstream, como "verdades" únicas, indiscutíveis e não sujeitas a contraditório. Essas "verdades", repetidas à exaustão, reflectindo narrativas maniqueístas do mal contra o bem tornaram-se intimidatórias para quem as questionasse».

Foi essa a razão deste livro, dar a conhecer uma outra realidade até aqui esmagada por «essas verdades repetidas até à exaustão» e torná-lo numa referência incontornável para quem se interessa por esta realidade?

Este livro resultou da adaptação da minha tese de doutoramento sobre o mesmo tema e, quando por ele optei, foi porque entendi que poderia discorrer e discutir sobre algo de que possuía um conhecimento seguro e sobre o que tinha fundadas opiniões. A opção de publicar em livro resultou sobretudo por entender que aquele trabalho poderia contribuir para esclarecer o público em geral sobre esse conflito e as suas razões e contornos, através de factos que foram omitidos ou adulterados por muitos académicos e jornalistas, bem como alguns que eu próprio tive de reter por força das funções que então desempenhava. E também porque, dada a minha actual condição de «reformado», tenho o privilégio de estar totalmente imune a quaisquer pressões ou sugestões para escamotear aquilo que considero corresponder à realidade.

Conhecidas publicamente as suas opiniões sobre esta problemática, desde o tempo em que exerceu funções no Kosovo, e considerando que o questionamento de tais «verdades» se tornou intimidatório, essas posições influenciaram a sua carreira militar, nomeadamente penalizando-o na sua promoção a tenente-general?

Ao contrário do que possa parecer, penso que as minhas posições sobre esta problemática até me granjearam algum prestígio no seio da Instituição Militar, incluindo nos meus chefes e comandantes e, portanto, não prejudicaram a minha carreira. Na realidade, a minha não promoção a tenente-general deveu-se somente ao facto de, no último ano em que seria possível (2011), ter ocorrido a crise financeira do País e a tutela não ter permitido promoções durante um largo período, apesar de haver vagas para tal e, entretanto, eu ter atingido o limite de idade para o meu posto, tendo de passar obrigatoriamente à reserva.

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A Sérvia tem umas taxas de cancro mais elevadas da Europa, com quase 60 mil pacientes diagnosticados por ano, e uma taxa de cancro infantil 2,5 vezes superior à média europeia, refere o portal neo-zelandês.

Os médicos do país balcânico relacionam directamente o facto com a ampla utilização de munições de urânio empobrecido durante os bombardeamentos da NATO.

Além da elevada incidência de cancro, os cientistas apontam ainda o aumento alarmante da infertilidade, das doenças auto-imunes e dos transtornos mentais nas duas últimas décadas, incluindo o stress pós-traumático e outros problemas psicológicos associados aos bombardeamentos.

No início deste ano, Danica Grujicic, directora do Instituto Sérvio de Radiologia e Oncologia, disse que os bombardeamentos de 1999 tiveram um impacto devastador na ecologia da região e que a utilização de urânio empobrecido, juntamente com os ataques deliberados a fábricas químicas e instalações industriais perigosas, criou um desastre ambiental que atinge países muito para lá das fronteiras da antiga Jugoslávia.

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