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Mais um passo para a mudança no Chile: Gabriel Boric é o novo presidente

Gabriel Boric é o presidente eleito mais jovem e mais votado na história do Chile. Os prognósticos apontavam para uma contenda renhida, mas o candidato da esquerda impôs-se claramente ao da extrema-direita.

Gabriel Boric, o novo presidente do Chile 
Créditos / Prensa Latina

O candidato da coligação de esquerda Apruebo Dignidad, Gabriel Boric, venceu de forma clara a segunda volta das eleições presidenciais no Chile, celebradas este domingo, tendo obtido mais de 4,6 milhões de votos (55,87%) e deixando a 11,74% de distância o seu rival de extrema-direita, José Antonio Kast, da Frente Social Cristiano (3,6 milhões de votos).

De acordo com o Serviço Eleitoral do Chile (Servel), mais de 8,3 milhões de chilenos participaram nesta segunda volta das presidenciais, representando 55% dos eleitores inscritos e um nível de participação bastante elevado para os padrões chilenos.

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Chile entre o futuro e o regresso ao passado

O Chile realiza as eleições presidenciais mais relevantes deste século, num contexto de crise social e política, e de um processo constituinte considerado o culminar da transição iniciada em 1990, finda a ditadura fascista de Pinochet.

Comício de apoio ao candidato da esquerda.
Créditos / El Sieglo

De acordo com as últimas sondagens, nenhum dos sete candidatos terá mais de 30% e a percentagem de eleitores indecisos poderá ser decisiva. Pela primeira vez, a principal disputa é entre a extrema-direita, liderada pelo Partido Republicano de José Antonio Kast, e a esquerda, representada por Gabriel Boric da coligação Aprovar a Dignidade, que reúne a Frente Ampla e o Partido Comunista. Aparentemente sem hipóteses de passar à segunda volta estão os partidos tradicionais - direita e centro-esquerda - que se alternaram no poder durante os últimos 30 anos. O futuro presidente terá um desafio sem precedentes: acompanhar a segunda fase do processo constituinte e implementar a nova Constituição, que será referendada no segundo semestre do próximo ano. Terá também de liderar a recuperação económica após o impacto da pandemia e da crise social e institucional que se tem arrastado desde o surto de 2019.

Embora todas as sondagens coincidam em dar a passagem à segunda volta de Kast e Boric, há alguma margem de incerteza devido às grandes mudanças operadas na política chilena desde os protestos de 2019, e a incapacidade crescente dos estudos de opinião preverem resultados nesse novo quadro. De qualquer forma, o eleitorado parece muito polarizado: a disputa é entre dois modelos totalmente antagónicos de país, que representam, por um lado, a mudança que uma grande parte da sociedade, como têm vindo a exigir os movimentos sociais desde os protestos de há dois anos; e, por outro lado, a continuidade ou mesmo o aprofundamento do sistema actual herdado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

O presidente do Partido Comunista do Chile, Guillermo Teillier, declarou, ao jornal El Siglo, que «estas eleições são decisivas para o futuro do Chile e que nelas se joga a continuidade do caminho aberto pelo povo a partir de 18 de Outubro de 2019 ». 

Umas eleições no meio da crise social

Uma inflação galopante, um sistema de pensões descapitalizado e uma desigualdade acentuada pela pandemia de covid-19 são os principais desafios colocados ao próximo Presidente do Chile, país há dois anos mergulhado na mais grave crise das últimas três décadas, depois que se iniciaram em Outubro de 2019, os maiores protestos populares desde a ditadura.

Os sete candidatos que competirão para suceder, no palácio presidencial de La Moneda, ao chefe de Estado cessante de direita, Sebastián Piñera, representam um espectro político muito amplo: os direitistas do Chile Podemos Mais (Sebastián Sichel), anteriormente conhecido como Aliança pelo Chile; o centro, com o Novo Pacto Social (Yasna Provoste), nova designação da tradicional Concertação; a esquerda com a coligação eleitoral Apruebo Dignidad (Gabriel Boric), que inclui os partidos Frente Amplio, Partido Comunista do Chile e uma série de organizações de trabalhadores e de outros movimentos sociais o Partido Progressista (Marco Enríquez-Ominami), a extrema-direita com a coligação eleitoral do Partido Republicano e o Partido Conservador Cristão (José Antonio Kast); a União Patriótica de extrema-esquerda (Eduardo Artés); e o independente Franco Parisi, que não está no país.

Nas eleições gerais de hoje, poderão ir às urnas cerca de 15 milhões de chilenos para eleger o novo Presidente e também deputados e senadores que tomarão assento no Congresso nacional.

Umas eleições que podem confirmar as lutas sociais

As receitas neoliberais impostas pela ditadura e continuadas pelos governos democráticos depois de 1991 tornaram o Chile uma verdadeira panela de pressão: a desigualdade e a impunidade da elite empresarial e política envolvida em múltiplos casos de corrupção e abusos geraram um mal-estar que desembocou em protestos em Outubro de 2019.

A gota de água foi o aumento dos transportes públicos, e o resultado foram ondas de maciças manifestações em todo o país a partir de 18 de Outubro, que se saldaram em 30 mortos, centenas de pessoas que perderam a visão (os chamados ‘mutilados oculares’), atingidas por balas de borracha nos olhos por polícias e militares que reprimiam os protestos, e milhares de outros feridos.

A solução institucional proposta pelos partidos políticos, fazendo eco das principais exigências dos manifestantes, em concentrações com mais de dois milhões de pessoas, foi a Convenção Constitucional, organismo encarregado de elaborar a nova lei fundamental que substituirá a vigente, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

A Convenção Constitucional, que iniciou as suas funções a 4 de Julho e está a trabalhar arduamente para redigir antes de julho do próximo ano uma nova Constituição que consagre a solidariedade do Estado, é composta por 155 delegados - na maioria, cidadãos progressistas -, entre os quais se incluem, pela primeira vez na história do país, 17 representantes dos dez povos indígenas.

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Ao discursar para uma multidão reunida em Santiago, o ex-dirigente estudantil afirmou que «estamos perante uma mudança de ciclo e não a podemos desaproveitar».

Lembrando que o triunfo de ontem está ligado às lutas das camadas populares, Boric, de 35 anos, disse sentir-se «herdeiro de um trajecto histórico», daqueles que procuraram «justiça, defesa dos direitos humanos e as liberdades», refere a TeleSur.

Prometeu defender o processo constituinte, «motivo de orgulho porque pela primeira vez se está a escrever uma Carta Magna de forma democrática e paritária, e com a participação dos povos indígenas», disse, em alusão à redacção da nova Constituição do país, para substituir a que esteve vigente desde a ditadura de Pinochet (1973-1990).

Entre as prioridades do seu governo, apontou a reforma do actual sistema de pensões, a concretização de um serviço universal de saúde e uma melhor distribuição da riqueza.

Combater a desigualdade social, enfrentar o problema da habitação, dar mais força à Educação pública, aumentar os salários e defender o ambiente são também prioridades que figuram na sua agenda, indica a Prensa Latina.

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O Chile celebra o fim da Constituição de Pinochet

Milhões de chilenos vieram esta noite para as ruas festejar a grande vitória do «sim» no plebiscito constitucional, na sequência das mobilizações populares que há mais de um ano abalam o país austral.

Créditos / latercera.com

Segundo os dados divulgados pelo Serviço Eleitoral do Chile, o «sim» a uma nova Constituição no plebiscito realizado este domingo recolheu 5 886 202 votos (78,27% dos votos expressos) e o «não» 1 634 085 votos (21,73%). A participação rondou os 51% dos cidadãos habilitados para votar.

Na capital, horas antes do encerramento dos locais de votação (20h), as pessoas começaram a juntar-se na praça baptizada como Praça da Dignidade, local emblemático e de grandes manifestações para o movimento social após a revolta iniciada a 18 de Outubro de 2019.

Com o passar das horas, as centenas tornaram-se milhares e centenas de milhares – na praça e nas avenidas que nela desembocam. Viam-se bandeiras nacionais e do povo Mapuche, bandeiras do movimento a favor de uma nova Constituição e da campanha pela Convenção Constituinte (em que todos os delegados são eleitos pela população) – opção também amplamente vitoriosa sobre a Convenção Mista (composta por deputados em funções e delegados eleitos por votação popular).


Fogo de artifício, cânticos como «El pueblo unido jamás será vencido» e raios laser a iluminar a praça também fizeram parte da festa, que, indica a Prensa Latina, se repetiu em vários outros pontos de Santiago, cujas avenidas eram percorridas por caravanas de automóveis ruidosos.

Ao longo do dia, nas urnas, o povo chileno ratificou uma das exigências a que milhões deram expressão nas ruas ao longo de um ano, desde Outubro de 2019. Este domingo marca o fim da Constituição imposta pela ditadura em 1980, mesmo com as reformas sofridas nas últimas três décadas.

Agora, inicia-se um processo longo que incluirá a eleição e a designação dos membros da Convenção Constitucional, que terão a responsabilidade de redigir a nova Constituição e de nela expressar as exigências populares. O papel da mobilização social não terminou no Chile, bem pelo contrário.

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Num apelo à unidade, Gabriel Boric afirmou que será o presidente de todos os chilenos, mas deixou claro que irá procurar «verdade, justiça e reparação» para as vítimas de abusos no país, porque «não podemos ter um presidente que declare guerra ao seu próprio povo», referindo-se à repressão do governo de Piñera sobre as revoltas de 2019.

«Hoje, a esperança venceu as campanhas do medo», afirmou o jovem presidente chileno, que alertou para «tempos que não serão fáceis» e prometeu avançar «com responsabilidade».

Nas urnas como nas ruas, a «mudança de ciclo» ocorreu. Nas cidades do país austral, milhares festejaram a vitória de um candidato e a derrota de um sistema. Agora, resta ver a mudança por que os chilenos tanto lutaram concretizada na acção governativa.

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