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|Chile

Chile: «o segredo é não abandonar as ruas»

A vitória do «sim» no plebiscito trouxe grande entusiasmo ao país, mas agora começa uma etapa difícil e complexa. É disso que fala Francisca Fernández, militante feminista e contra a privatização da água.

CréditosSusana Hidalgo / twitter

No plebiscito celebrado a 25 de Outubro, 79% dos votantes decidiram que a nova lei fundamental fosse redigida por uma Convenção Constitucional em que todos os seus membros são eleitos pela população. A sondagem Pulso Ciudadano, agora publicada, reafirma essa opção, uma vez que apenas 3,2% dos inquiridos são a favor de «políticos com experiência» e 0,7% de «militantes de partidos políticos». O povo chileno é claramente a favor de uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo e... com novas caras.

Mas o cenário é complexo e a possibilidade que a Assembleia integre «gente comum como eu e tu» parece para já pouco provável, indica a Prensa Latina, até porque, logo no dia a seguir ao plebiscito, vários partidos puseram em funcionamento as suas máquinas de modo a ganhar espaço na Convenção, incluindo partidos de direita, que foram contrários à aprovação de uma nova Constituição.

Depois, há ainda a questão indígena. Na passada quinta-feira, a Comissão da Constituição do Senado atribuiu 23 «lugares reservados» aos povos originários na Convenção Constituinte, algo que mereceu o veemente repúdio das organizações indígenas. Aucan Huilcaman, representante do Conselho de Todas as Terras, considerou a medida como uma «imposição arbitrária para estabelecer um colonialismo à margem do direito de autodeterminação», informa El Desconcierto.

Huilcaman disse que as organizações de povos indígenas nunca foram consultadas sobre a sua participação na redacção de uma nova Constituição pela via de «lugares reservados», acrescentando que, se houver mapuches na Convenção, «carecem de absoluta legitimidade», uma vez que estarão ali a representar os interesses dos partidos políticos em que se integram, não os do seu povo.

Triunfo da revolta da juventude misturada com lutas históricas

Estes são apenas alguns dos aspectos que marcam a complexidade que o Chile hoje enfrenta, depois de um ano de intensas mobilizações, dinamizadas sobretudo por camadas populares e pela juventude, que agora querem ver plasmadas, na Carta Magna, as suas exigências. O momento é de alegria porque se deitou abaixo a Constituição que manteve o legado de Pinochet, mas não basta dizer que se acabou com a ditadura.

Ao ser entrevistada pelos jornalistas argentinos Carlos Aznárez e María Torrellas, do Resumen Latinoamericano, Francisca Fernández, militante feminista que pertence à Coordenadora 8M e que luta, no Chile, pela «desprivatização» da água, deixou claro que se vive um momento histórico no país, um «triunfo dos povos», porque foi deles a revolta que permitiu chegar à vitória de 25 de Outubro.

Sobre o triunfo «avassalador» do «sim» a uma nova Constituição, Fernández sublinha o papel essencial da revolta iniciada a 18 de Outubro de 2019, que assentou sobre uma «raiva de 30 anos, mais ainda, de 45 anos de consolidação de políticas neoliberais». Foi o «rebentar de uma raiva popular», disse.

No entanto, vincou a noção de que a essa revolta se juntaram «caminhos de luta há muito em curso», como a resistência de 500 anos do povo Mapuche contra um Estado opressor, a luta das mulheres contra a violência e a precariedade, ou a luta pelo direito à água, por exemplo.

«Esperemos que não nos tirem aquilo por que lutámos»

Ao ser confrontada pelos jornalistas com o facto de terem ouvido muitas vozes receosas de perderem no processo constituinte aquilo por que lutaram, Francisca Fernández abordou a complexidade do actual cenário e do país, sublinhando a importância de que não se favoreçam «os mesmos personagens» e de não se poder conceber um processo que, ampliando o quadro democrático, continue a perpetuar a violência e o extractivismo.

Neste sentido, valorizou a luta socio-ambiental como uma prioridade, bem como pôr fim aos tratados de livre comércio, porque aprofundam a precariedade laboral e as lógicas de mercantilização e privatização.

Outra questão de primeira importância a enfrentar é a impunidade vigente num país onde houve assassinatos, torturas, repressão policial, onde há «milhares de presos da revolta e presos políticos mapuches», frisou, lembrando que determinados sectores, que são parte do problema e não da solução, se estão a tentar apropriar deste processo.

Referiu-se ainda à questão das privatizações, que, no caso da água, ocorreu em 1981, e à necessidade de manter isto nos «horizontes». Considerando que «o liberalismo não vai acabar com a nova Constituição», não é por isso que retira importância à vitória alcançada, que «é parte de um caminho», e defendeu que deve continuar nas ruas a pressão para que os presos sejam libertados e Sebastián Piñera renuncie ao cargo de presidente da República. «O segredo é não abandonar as ruas», afirmou.

Votação histórica e luta de classes

Num universo de cerca de 14 milhões de votantes, sete milhões participaram no plebiscito, pouco mais de 50%. Aos jornalistas argentinos, que pareceram surpreendidos com a «participação histórica» de que se fala no Chile e lhe perguntaram se as pessoas ali não costumavam votar, Francisca Fernández explicou, por um lado, que a participação foi superior a actos eleitorais anteriores e que, por outro, o plebiscito ocorreu em contexto de pandemia.

«Muitos idosos não foram votar. Isto é uma clara votação dos jovens. E isso, sim, é absolutamente histórico, porque era uma camada que tendia a não votar», disse.

Fernández lembrou ainda que os resultados em comunas emblemáticas de Santiago permitem fazer uma leitura classista. «Estamos envolvidos numa luta de classes», referiu, indicando que, nas comunas onde predomina o voto das classes altas, arrasa o «não» a uma nova Constituição. O mesmo se passou nas zonas ligadas às Forças Armadas, enquanto o «sim» foi preponderante nos bairros mais carentes.

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