Todo o planeta tem bolsões de pobreza, todo o planeta tem famílias que estão na miséria absoluta, o que acontece por uma questão muito simples: pela não distribuição de renda.
Nós, família Silva, somos uma das milhares que nasceram em um dos bolsões da pobreza do Brasil. Somos do nordeste brasileiro, de Pernambuco. Nos anos 1950, migramos para São Paulo com o objetivo de sobreviver, ter água, comida e um emprego. Chegamos primeiro em Santos, onde eu e meus irmãos começamos a trabalhar. Vendíamos amendoins, coisas na barca, Itapema. Depois nos mudamos para a capital paulista, onde conseguimos emprego registrado e também fazer uma especialização, e assim nos tornamos metalúrgicos.
Eu, na vida de trabalhador operário, logo comecei a me interessar pelo movimento sindical, encontrando oportunidades de luta pelo direito à água, banheiro, a um salário digno. Importante dizer que lutávamos pelo que hoje os trabalhadores acham que é o básico, mas não era até há pouco tempo. Após o golpe de 1964, fui lutar nos sindicatos, principalmente em busca de conhecimento e informação sobre a luta dos trabalhadores pelo mundo.
«O Brasil é um país rico. Temos minério, petróleo e os imperialistas não deixariam os brasileiros governarem tudo isso. Para a classe dominante no mundo, nós precisamos sempre fornecer a matéria prima ou força de trabalho da forma mais barata possível. Acredito que esse processo de dominação só ficou claro para o Lula e para a esquerda brasileira, com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e com a perseguição da Lava Jato ao Lula»
Neste cenário, alguns anos depois, decidi convencer meu irmão, Luiz Inácio Lula da Silva, a participar da vida sindical. Alguns dizem que eu o levei para o movimento sindical, mas na verdade eu queria que ele, como trabalhador operário, entendesse o que era uma luta de classe, a exploração do homem pelo homem e enxergasse isso num plano global, de avanços, retrocessos e resistência que acontecia não só no Brasil. E não é necessário dizer que tínhamos uma grande censura nesta época, as informações que recebíamos eram de forma clandestina, principalmente do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, onde eu fui militar pouco tempo depois.
Lula não aceitava fazer parte de nada clandestino. Não demorou muito para ele compreender que dentro da legalidade era difícil, mas ele foi em frente. Com muita insistência, conseguimos fazer ele participar de um dos maiores sindicatos da América do Sul naquele momento, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC1. Lula encontrou o seu espaço de resistência e, como uma jóia, foi sendo lapidado na sua melhor forma política.
Lula não se cercou de comunistas, mas de pessoas progressistas, ligadas à Igreja Católica, que o ajudaram na luta da classe operária brasileira no período da ditadura militar. Mas Lula sempre dialogou com todas as tendências do movimento operário. Hoje vejo que o Lula estava correto em não ficar sujeito a linha orgânica dos partidos, pois ele nunca chegaria onde ele chegou, não teria a liberdade de atuação na luta sindical, nos enfrentamentos à ditadura brasileira. Lula foi muito longe com o movimento sindical.
Passados todos esses anos, ganhamos conhecimento de muitos enfrentamentos, das conquistas trabalhistas, das conquistas sociais e das crises econômicas que nascem dentro do sistema capitalista e que os países imperialistas aproveitam para melhorar e/ou aumentar sua dominação. Lamentavelmente algumas pessoas da esquerda brasileira, e o próprio Lula, demoraram para entender o que é o processo de dominação imperialista que vai da cultura, como ferramenta de manipulação, até as nossas maiores riquezas.
«O preconceito da elite brasileira com o crescimento das classes menos favorecidas, com a qual o Lula se identifica, ficaria cada vez mais nítido. A elite percebeu que os programas sociais de Lula trariam uma geração de pessoas educadas para entender o domínio dos países ricos, o domínio e exploração daquilo que é seu como cidadão, como trabalhador»
O Brasil é um país rico. Temos minério, petróleo e os imperialistas não deixariam os brasileiros governarem tudo isso. Para a classe dominante no mundo, nós precisamos sempre fornecer a matéria prima ou força de trabalho da forma mais barata possível. Acredito que esse processo de dominação só ficou claro para o Lula e para a esquerda brasileira, com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e com a perseguição da Lava Jato ao Lula.
O preconceito da elite brasileira com o crescimento das classes menos favorecidas, com a qual o Lula se identifica, ficaria cada vez mais nítido. A elite percebeu que os programas sociais de Lula trariam uma geração de pessoas educadas para entender o domínio dos países ricos, o domínio e exploração daquilo que é seu como cidadão, como trabalhador.
Precisou acontecer tudo isso, um impeachment, uma prisão, perseguição jurídica e política, para ficar claro à esquerda brasileira que vivemos um processo constante de luta de classe e que a elite dominante não quer perder o domínio das nações.
E o Lula é um empecilho para eles, a luta para trazê-lo ou trazer a esquerda de volta ao poder é muito difícil e exige muitos sacrifícios. Mas nós precisamos definir os nossos maiores inimigos, a mídia, as igrejas conservadoras, a grande desinformação entre os trabalhadores.
Hoje vejo que a minha visão comunista estava certa, que os países imperialistas continuarão a dominar se não nos organizamos. E que isso se torna mais perigoso em momentos de crise, momentos em que se sentem ameaçados. Que os bolsões de pobreza continuarão ou crescerão no sistema capitalista. Enxergar esse domínio foi uma das grandes vitórias da minha vida e levar informação aos meus amigos, parentes e colegas, foi um objetivo de vida.
Se informem. Lula é inocente. O Brasil é um país rico. E a maior luta é a luta de classes.
Me chamo Frei Chico, tenho 78 anos. Sou aposentado como metalúrgico e fiz minha vida dentro da luta sindical.
- 1. ABC Paulista designa uma região industrial do estado de São Paulo. A sigla provém das três cidades que, originalmente, formavam a região: Santo André (A), São Bernardo do Campo (B) e São Caetano do Sul. Foi nesta região, dirigidas pelo Sindicato dos Metalúrgicos, que ocorreram algumas das maiores lutas operárias dos anos 60 aos anos 80 contra a ditadura militar fascista brasileira, as quais tiveram um papel fundamental no regresso à democracia. Fonte: Wikipédia
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