«Qual é a alternativa?», pergunta Kamala Bhil, cujo marido morreu com silicose e que tem um filho a quem foi diagnosticada a mesma doença pulmonar. «Onde está ela? Quatro dos meus filhos trabalham nas minas, mesmo sabendo que vão contrair silicose. Mas que alternativa há para ganhar o sustento? Nenhuma», afirma.
Kamala Bhil, de 55 anos, pertence a uma comunidade Adivasi [tribos autóctones da Índia] e vive na localidade de Bhil Basti, no distrito de Jodhpur (estado do Rajastão). É uma das milhares de mulheres que perderam os maridos ou filhos depois de contraírem silicose nas minas. Como não têm outro meio de sustento, as viúvas ou outros familiares dos mineiros falecidos vêem-se agora obrigados a trabalhar nas mesmas minas, auferindo um salário diário entre os 2,25 euros e 4,5 euros.
Com as minas, veio a promessa – nunca cumprida – de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida para estas mulheres, refere o portal mongabay.com. A única transição que de facto testemunharam foram as mortes sucessivas dos maridos, filhos, irmãos e outros familiares, por doenças associadas à mineração.
«Um dos meus filhos contraiu silicose há alguns anos e, desde então, tem estado a viver em casa, com medicamentos», disse Kamala Bhil. «Conseguimos obter uma parte da compensação do governo, mas não chega para tomar conta dele», frisou.
Não é muito diferente o caso de Shanti Devi, de 60 anos, habitante da aldeia de Sodho Ki Dhani, também no distrito de Jodhpur. O marido e um filho morreram com silicose, enquanto outro norreu com cancro.
Ela vive da pensão de viuvez e conseguiu uma parte da compensação que os doentes de silicose têm em vida, mas não aquilo a que tinha direito depois da morte dos filhos. De acordo com a actual legislação no Rajastão, indica o mongabay.com, os trabalhadores a quem é diagnosticada silicose recebem cerca de 3300 euros de apoio em vida e os seus herdeiros/familiares têm direito a receber cerca de 2200 euros em caso de morte.
Ao portal, Shanti Devi diz que passaram vários anos desde a morte do filho, que vive sozinha e que não tem nada. «O ano passado, com a quarentena, tive de empenhar as jóias para sobreviver, sabendo que nunca as vou recuperar. E estou a contar os dias, porque também não há dinheiro para os meus medicamentos», lamentou.
Burocracia e futuro incerto
Provocada pela inalação do pó de sílica, a silicose é uma doença pulmonar. No Rajastão, os trabalhadores que laboram nas centenas de minas legais e ilegais do estado são as suas maiores vítimas.
Nas últimas décadas, foram milhares os que morreram com a doença pulmonar e muitos outros milhares sofrem de silicose, mas as suas famílias continuam a não ter outro alívio que não sejam as «compensações insignificantes», que muitas vezes «ficam presas nas malhas da burocracia».
Na esperança de receber o que lhes é devido, alguns familiares recorrem a instâncias como a Comissão Nacional para os Direitos Humanos, como o fez Shanti Devi em busca de compensação pela morte dos filhos. Mas as rodas movem-se lentamente nos diversos níveis de verificação do processo. A um dos seus filhos foi reconhecida a morte por silicose em 2017, mas Shanti continua sem nada receber.
Embora não haja um número exacto de casos registados no estado, um relatório oficial publicado em 2018 referia que, entre Janeiro de 2015 e Fevereiro de 2017, tinham sido detectados cerca de 8000 doentes com silicose no Rajastão. Actualmente, o governo estadual reconhe 17 mil casos de doentes afectados pela patologia pulmonar, sendo que outras organizações que lidam com a doença estimam a existência de outros dez mil casos.
«Há tantas mulheres que enfrentam um futuro incerto devido a esta falta de eficiência sistémica», disse Shikha Kachhawaha, que trabalha com as famílias afectadas pelas minas na organização Mine Labour Protection Campaign (MLPC). «Elas já realizaram protestos diversas vezes para exigir apoio, mas nada de substancial mudou. Só na região de Jodhpur, estimamos que haja 1100 casos assim», precisou.
Um ciclo vicioso para os mineiros
Com 342 mil quilómetros quadrados, o Rajastão é o maior estado da Índia e possui grandes depósitos de mármore, granito, arenito, calcário, quartzo, feldspato, areia de sílica, terra siliciosa, argilas, pedra-sabão em vários distritos, segundo fontes oficiais, de onde são retirados diversos minérios, incluindo cobre, zinco, minério de ferro, lignito e manganês. O sector representa 4,4% do PIB do estado, refere o mongabay.com.
A Política Mineral do Rajastão de 2015 defendia um «regime de extracção mineral sustentável», com pretensões de chegar ao «desperdício zero», muito respeito por parâmetros ambientais e sociais, e ênfase no bem-estar e saúde das pessoas empregadas no sector, havendo referência específica ao controlo da pneumoconiose e silicose.
No entanto, quem trabalha com comunidades afectadas pela mineração acusa as autoridades de manterem estes planos bonitos no papel e argumenta que falta uma abordagem concreta aos problemas das pessoas e daquilo por que passam quando têm de enfrentar problemas e doenças relacionados com a extracção mineira.
Pekham Basu é professora assistente no Instituto Tata de Ciências Sociais, em Mumbai, e trabalha há vários anos com comunidades afectadas pelas minas no Rajastão. Ao moganbay.com, sublinhou que a mineração e os riscos de segurança que lhe estão associados são males inevitáveis para as pessoas que vivem em regiões ricas em minérios.
«Podem morrer nas minas, contrair doenças como a silicose ou outra coisa qualquer, sem uma alternativa holística e opções para outros meios de subsistência, vêem-se empurrados para este ciclo vicioso em que contraem empréstimos e em que, depois, andam gerações a trabalhar nas minas para pagar o empréstimo de volta. O facto de morrerem depois de apanharem doenças como a silicose é só mais um problema a juntar aos demais nas suas vidas», afirma Basu.
«Isto é inimaginável para muitos», diz. «Quando os homens morrem, as suas viúvas são forçadas a trabalhar nas minas para sobreviver. Vão para o trabalho depois de todos os outros se terem ido embora, devido ao tabu social – os outros não querem ver uma viúva quando vão trabalhar, porque lhes pode dar azar», explica.
«Quando chegam à mina, cortam-lhes no seu salário de meio dia por chegarem tarde», diz Basu. «Estas mulheres perdem os pais, irmãos, maridos, filhos, que trabalharam nas minas, e depois têm de ir para lá para sobreviver. Houve muitos casos em que mulheres deram à luz e, uma semana depois, voltaram para as minas com as suas crianças», revela ainda.
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