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Índia: sem alternativas, trabalhadores com silicose regressam às minas

No distrito de Bundi (Rajastão), trabalhadores a quem a doença pulmonar foi diagnosticada são forçados a regressar às minas, auferindo salários diários de 100 rupias (1,10 euro).

Murari, trabalhador a quem foi diagnosticada silicose em 2015 
Créditos / Newsclick

Provocada pela inalação do pó de sílica, a silicose é uma doença pulmonar. No Rajastão, o maior estado da Índia (três vezes e meia o tamanho de Portugal), os trabalhadores que laboram nas milhares de minas legais e ilegais são as suas maiores vítimas. Nas últimas décadas, milhares morreram com a doença pulmonar e muitos outros milhares sofrem de silicose.

Num estado onde são conhecidos grandes depósitos de mármore, granito, arenito, calcário, quartzo, feldspato, areia de sílica, terra siliciosa, argilas ou pedra-sabão, existem actualmente 14 982 concessões para exploração de minerais menores e 17 481 licenças para pedreiras, precisa o Newsclick. A estas juntam-se as que operam de forma ilegal.

O distrito de Bundi fica numa das regiões mineiras, carecendo de serviços básicos, sem que os programas emblemáticos do governo central ali cheguem e sem apresentar alternativas de emprego. Por isso, os mineiros doentes acabam por regressar às minas, sujeitando-se a salários diários de 100 rupias.

Além disso, a Junta de Apoio Social, embora existente no papel, deixa os trabalhadores sem qualquer assistência, indica a fonte.

O impacto da silicose num trabalhador da aldeia de Bhilwara (Rajastão) / Newsclick

A cerca de 100 km da cidade de Kota, no Sudeste do estado, as minas de arenito ceifam inúmeras vidas. Com apenas 40-45 anos de idade, os homens esperam a morte em pequenas aldeias, sem que a Junta lhes satisfaça minimamente as necessidades básicas – como estradas, escolas ou abastecimento de água.

Por isso, dizem os trabalhadores doentes, os seus filhos vão para o mesmo buraco em que se eles encontram. Quando não há escolas, faculdades e outras oportunidades de emprego, as crianças não têm outra opção senão trabalhar nas mesmas minas.

Um estado rico em minério e em miséria

Em 2015, foi diagnosticada silicose a Murari, que recebeu uma indemnização única de 100 mil rupias. Residente na aldeia de Dhaneshwar, que, como as aldeias em redor, é dominada pelas minas, não viu outras possibilidades de emprego. Ao esgotar os seus recursos, Murari, tal como muitos outros com silicose, teve que voltar às minas.

Só que, então, o patrão já não era obrigado a pagar-lhe o salário mínimo. «Quando voltei a trabalhar, disseram-me que, independentemente da minha condição, só receberia o que trabalhasse. Aceito que, agora, não sou muito eficiente no corte da pedra, mas ele apenas me paga entre 100 a 150 rupias por um dia de trabalho. Às vezes, nem esse valor», disse Murari.

A silicose é uma doença debilitante. Com o tempo, a capacidade de respirar diminui, até que, eventualmente, o corpo cede. Caminhar distâncias curtas torna-se uma luta, e a degradação da saúde torna-se evidente à medida que as mãos e as pernas do paciente encolhem com o passar dos anos.

Fábrica de britagem em Dungarpur (Rajastão) / Newsclick

Muitos trabalhadores nestas condições não conseguem obter empréstimos bancários e, por isso, pedem às empresas que lhes adiantem verbas para eventos familiares ou uma emergência. Desta forma, são obrigados a trabalhar sem remuneração até que tenham reembolsado o montante através do trabalho.

Medidas boas e outras que não saem do papel

Em 2019, lembra a fonte, o governo do estado do Rajastão concebeu uma «política histórica», que havia prometido no manifesto de 2018 para a pneumoconiose (silicose). Com essa política, pretendia trazer alívio a mais de 2,5 milhões de trabalhadores em todo o estado que, sem alternativas, sacrificavam as suas vidas para ganhar o sustento.

De acordo com a medida, cada trabalhador a quem fosse diagnosticada silicose receberia um fundo de ajuda de 300 mil rupias e 500 mil em caso de morte.

O ano passado, o governo estadual anunciou a criação da Junta de Apoio Social para a silicose, tornando-se o primeiro estado indiano a tomar tal medida. No entanto, refere o Newsclick, o papel da Junta tem-se restringido à recolha de nomes de trabalhadores e das empresas onde laboram. Em algumas áreas, nem sequer isso foi feito. Por isso, os direitos dos trabalhadores continuam a não ser defendidos.

Obrigados a migrar

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Índia: familiares de vítimas de silicose também vão parar às minas

Às viúvas e outros familiares dos mineiros não resta outra opção. No Rajastão, o maior estado indiano, é-lhes difícil fugir às minas, até porque contraíram empréstimos para comprar remédios contra a silicose.

Kamala Bhil, mulher da comunidade Adivasi cujo marido morreu de silicose
CréditosMLPC / Mongabay

«Qual é a alternativa?», pergunta Kamala Bhil, cujo marido morreu com silicose e que tem um filho a quem foi diagnosticada a mesma doença pulmonar. «Onde está ela? Quatro dos meus filhos trabalham nas minas, mesmo sabendo que vão contrair silicose. Mas que alternativa há para ganhar o sustento? Nenhuma», afirma.

Kamala Bhil, de 55 anos, pertence a uma comunidade Adivasi [tribos autóctones da Índia] e vive na localidade de Bhil Basti, no distrito de Jodhpur (estado do Rajastão). É uma das milhares de mulheres que perderam os maridos ou filhos depois de contraírem silicose nas minas. Como não têm outro meio de sustento, as viúvas ou outros familiares dos mineiros falecidos vêem-se agora obrigados a trabalhar nas mesmas minas, auferindo um salário diário entre os 2,25 euros e 4,5 euros.

Com as minas, veio a promessa – nunca cumprida – de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida para estas mulheres, refere o portal mongabay.com. A única transição que de facto testemunharam foram as mortes sucessivas dos maridos, filhos, irmãos e outros familiares, por doenças associadas à mineração.

«Um dos meus filhos contraiu silicose há alguns anos e, desde então, tem estado a viver em casa, com medicamentos», disse Kamala Bhil. «Conseguimos obter uma parte da compensação do governo, mas não chega para tomar conta dele», frisou.

Não é muito diferente o caso de Shanti Devi, de 60 anos, habitante da aldeia de Sodho Ki Dhani, também no distrito de Jodhpur. O marido e um filho morreram com silicose, enquanto outro norreu com cancro.

Ela vive da pensão de viuvez e conseguiu uma parte da compensação que os doentes de silicose têm em vida, mas não aquilo a que tinha direito depois da morte dos filhos. De acordo com a actual legislação no Rajastão, indica o mongabay.com, os trabalhadores a quem é diagnosticada silicose recebem cerca de 3300 euros de apoio em vida e os seus herdeiros/familiares têm direito a receber cerca de 2200 euros em caso de morte.

Ao portal, Shanti Devi diz que passaram vários anos desde a morte do filho, que vive sozinha e que não tem nada. «O ano passado, com a quarentena, tive de empenhar as jóias para sobreviver, sabendo que nunca as vou recuperar. E estou a contar os dias, porque também não há dinheiro para os meus medicamentos», lamentou.

Burocracia e futuro incerto

Provocada pela inalação do pó de sílica, a silicose é uma doença pulmonar. No Rajastão, os trabalhadores que laboram nas centenas de minas legais e ilegais do estado são as suas maiores vítimas.

Nas últimas décadas, foram milhares os que morreram com a doença pulmonar e muitos outros milhares sofrem de silicose, mas as suas famílias continuam a não ter outro alívio que não sejam as «compensações insignificantes», que muitas vezes «ficam presas nas malhas da burocracia».

Na esperança de receber o que lhes é devido, alguns familiares recorrem a instâncias como a Comissão Nacional para os Direitos Humanos, como o fez Shanti Devi em busca de compensação pela morte dos filhos. Mas as rodas movem-se lentamente nos diversos níveis de verificação do processo. A um dos seus filhos foi reconhecida a morte por silicose em 2017, mas Shanti continua sem nada receber.

Embora não haja um número exacto de casos registados no estado, um relatório oficial publicado em 2018 referia que, entre Janeiro de 2015 e Fevereiro de 2017, tinham sido detectados cerca de 8000 doentes com silicose no Rajastão. Actualmente, o governo estadual reconhe 17 mil casos de doentes afectados pela patologia pulmonar, sendo que outras organizações que lidam com a doença estimam a existência de outros dez mil casos.

«Há tantas mulheres que enfrentam um futuro incerto devido a esta falta de eficiência sistémica», disse Shikha Kachhawaha, que trabalha com as famílias afectadas pelas minas na organização Mine Labour Protection Campaign (MLPC). «Elas já realizaram protestos diversas vezes para exigir apoio, mas nada de substancial mudou. Só na região de Jodhpur, estimamos que haja 1100 casos assim», precisou.

Um ciclo vicioso para os mineiros

Com 342 mil quilómetros quadrados, o Rajastão é o maior estado da Índia e possui grandes depósitos de mármore, granito, arenito, calcário, quartzo, feldspato, areia de sílica, terra siliciosa, argilas, pedra-sabão em vários distritos, segundo fontes oficiais, de onde são retirados diversos minérios, incluindo cobre, zinco, minério de ferro, lignito e manganês. O sector representa 4,4% do PIB do estado, refere o mongabay.com.

A Política Mineral do Rajastão de 2015 defendia um «regime de extracção mineral sustentável», com pretensões de chegar ao «desperdício zero», muito respeito por parâmetros ambientais e sociais, e ênfase no bem-estar e saúde das pessoas empregadas no sector, havendo referência específica ao controlo da pneumoconiose e silicose.

No entanto, quem trabalha com comunidades afectadas pela mineração acusa as autoridades de manterem estes planos bonitos no papel e argumenta que falta uma abordagem concreta aos problemas das pessoas e daquilo por que passam quando têm de enfrentar problemas e doenças relacionados com a extracção mineira.


Pekham Basu é professora assistente no Instituto Tata de Ciências Sociais, em Mumbai, e trabalha há vários anos com comunidades afectadas pelas minas no Rajastão. Ao moganbay.com, sublinhou que a mineração e os riscos de segurança que lhe estão associados são males inevitáveis para as pessoas que vivem em regiões ricas em minérios.

«Podem morrer nas minas, contrair doenças como a silicose ou outra coisa qualquer, sem uma alternativa holística e opções para outros meios de subsistência, vêem-se empurrados para este ciclo vicioso em que contraem empréstimos e em que, depois, andam gerações a trabalhar nas minas para pagar o empréstimo de volta. O facto de morrerem depois de apanharem doenças como a silicose é só mais um problema a juntar aos demais nas suas vidas», afirma Basu.

«Isto é inimaginável para muitos», diz. «Quando os homens morrem, as suas viúvas são forçadas a trabalhar nas minas para sobreviver. Vão para o trabalho depois de todos os outros se terem ido embora, devido ao tabu social – os outros não querem ver uma viúva quando vão trabalhar, porque lhes pode dar azar», explica.

«Quando chegam à mina, cortam-lhes no seu salário de meio dia por chegarem tarde», diz Basu. «Estas mulheres perdem os pais, irmãos, maridos, filhos, que trabalharam nas minas, e depois têm de ir para lá para sobreviver. Houve muitos casos em que mulheres deram à luz e, uma semana depois, voltaram para as minas com as suas crianças», revela ainda.

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No distrito tribal vizinho de Dungarpur, existem fábricas de trituração de pedra que operam a céu aberto, pondo em risco a vida dos transeuntes e das aldeias localizadas num raio de um quilómetro.

Ashok, habitante local, guia um camião que transporta resíduos dessas fábricas de britagem. No entanto, para sobreviver, vê-se muitas vezes obrigado a migrar para sul, para o estado de Gujarate. Isto porque, afirma, as minas da região não querem contratar habitantes locais. Na maior parte dos casos, os trabalhadores destas minas migraram de Bihar, Madhya Pradesh e de outros estados da Índia.

Tal como ocorre na indústria têxtil em Bhilwara, ao contratarem migrantes, as fábricas exploram os trabalhadores, pagando-lhes salários mais baixos e fazendo-os trabalhar mais horas. Além disso, pelo facto de serem de outros estados, os trabalhadores são mais facilmente despedidos, com as empresas a escaparem à obrigação de indemnização e a desrespeitarem outras regulamentações legais.

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