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O Boletim dos Cientistas Atómicos anuncia: estamos

A dois minutos da meia-noite

Os EUA aumentam brutalmente o seu orçamento militar, propõem-se desenvolver novas armas atómicas e admitem usá-las para atacar primeiro.  Desde 1953 que a probabilidade de um holocausto nuclear nunca foi tão grande. Daqui ninguém sai vivo.

Apresentação pública do Relógio do Juízo Final para o ano de 2018. O Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock) é preparado pelo Buletim dos Cientistas Atómicos (Bulletin of the Atomic Scientists) desde 1947 e assinala a probabilidade de um holocausto nuclear. Em Janeiro de 2018 o indicador de risco atingiu o seu ponto mais alto desde 1953.
Créditos/Al-qabas (Kuwait)

No final de Janeiro, o Relógio do Juízo Final avançou 30 segundos, ficando a dois minutos da meia-noite. Este relógio, mantido desde 1947, é um indicador simbólico de probabilidade de guerra nuclear. Desde 1953 que não está tão perto da meia-noite. 

Na sua declaração, o Boletim de Cientistas Atómicos, grupo que mantém o relógio, justificou a alteração referindo a tensão, retórica hiperbólica e acções de provocação entre a RPD da Coreia e os EUA; a ausência de quaisquer negociações de controlo de armas nucleares entre os EUA e a Rússia; as tensões no Mar do Sul da China; a escalada retórica entre o Paquistão e Índia; e a incerteza sobre o futuro apoio do EUA ao acordo nuclear com o Irão. Sublinham também como preocupação global transversal o declínio de liderança dos EUA e o declínio da diplomacia sob a Administração Trump: «Nem aliados nem adversários têm sido capazes de prever com segurança as acções dos EUA ou compreender quando as declarações dos EUA são reais e quando são mera retórica. A diplomacia internacional tem sido reduzida a chamar nomes, criando a impressão surreal de uma irrealidade que torna a situação de segurança no mundo ainda mais ameaçadora.»

Esta alteração teve lugar dias antes do discurso do estado da união do Presidente dos EUA, no qual Donald Trump apontou como objectivo a "modernização e reconstrução do arsenal nuclear" dos EUA, envolvendo um orçamento plurianual de pelo menos USD$1.2 bilhões (sim, milhões de milhões) para, entre outros programas, desenvolver novos mísseis balísticos lançados de submarinos e ogivas de baixo rendimento. E teve lugar antes do anúncio, no início de Fevereiro, da nova Revisão de Postura Nuclear dos EUA, que expande o número de cenários nos quais os EUA consideraria usar uma arma nuclear, incluindo em resposta a um ciberataque, e admite a opção de primeiro ataque nuclear para defender os «interesses vitais» dos EUA e seus aliados e parceiros, incluindo ataques significativos não-nucleares à população civil ou a infraestruturas.

1 200 000

de milhões de USD vão gastar os EUA na modernização do seu arsenal nuclear.

Beatrice Fihn — directora executiva da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN), organização que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2017 — descreveu a nova postura nuclear dos EUA como «perigosa. Isto só aumenta o risco de guerra nuclear. É uma política que baixa o limiar para se usar armas nucleares e desenvolve novos tipos de armas nucleares que seriam mais fáceis de serem usadas pelo Presidente Trump.» Fihn referiu ainda como todos os nove estados com armas nucleares possuem grandes programas de actualização e modernização, num novo tipo de corrida de armas, em direcção contrária à procura de desarmamento nuclear das mais de 120 nações do mundo que aprovaram o tratado que proíbe armas nucleares.

A Postura Nuclear argumenta que armas nucleares de baixo rendimento, sendo de uso mais provável, servirão de dissuasor. Mas isto é apenas uma ligeira adaptação da lógica de Destruição Mutuamente Assegurada (MAD) que esteve por detrás da détente da Guerra Fria e da corrida de armas entre os EUA e a URSS, uma lógica desajustada para vários actuais focos de tensão. O enorme arsenal dos EUA não impediu a RPD da Coreia de procurar desenvolver uma arma nuclear. Pelo contrário, foi o seu principal instigador. Mais e novas armas não significam mais segurança, apenas maiores perigos.

No início desta semana, a Casa Branca enviou para o Congresso a sua proposta de orçamento, que fornece um indicativo das prioridades políticas da Presidência. Contrariamente à retórica populista de Trump durante a campanha, a proposta aponta para uma gigantesca expansão do défice orçamental. Isto apesar de cortes significativos em diversos programas federais, como cortes nos subsídios médicos para os mais pobres e os idosos (Medicaid e Medicare); cortes em programas de assistência alimentar (SNAP); cortes em departamentos federais, como um decréscimo de 34% no orçamento da Agência de Protecção Ambiental, incluindo eliminação de todos os programas relacionados com alterações climáticas, e um corte de 65% no gabinete do Departamento de Energia sobre energias renováveis.

«(...) os EUA já gastam mais nas suas forças militares que o total de oito nações que se lhe seguem.»

O défice cresce apesar destes cortes devido, por um lado, aos recentes benefícios fiscais que favoreceram principalmente as grandes fortunas e empresas e, por outro lado, o aumento do orçamento militar. Trump pede para 2019 USD$617 mil milhões para o Pentágono e $69 mil milhões para financiar os actuais conflitos militares, um aumento de 13% face a 2017; os EUA já gastam mais nas suas forças militares que o total de oito nações que se lhe seguem. O orçamento do Pentágono inclui $24 mil milhões para a modernização da estrutura de Comando, Controlo e Comunicações Nucleares (a chamada tríade, NC3) e a Agência de Defesa Míssil. (Nos próximos dias o Departamento de Defesa deverá emitir a Revisão da Defesa contra Mísseis Balísticos, delineando o reforço do escudo anti-míssil dos EUA, em particular face ao Irão, China e RDP da Coreia.)

Além deste reforço do orçamento do Pentágono acrescem despesas militares de outras agências, incluindo $30 mil milhões para o Departamento de Energia. Particularmente beneficiada é a Administração Nacional de Segurança Nuclear, um gabinete semi-autónomo do Departamento de Energia, que coordena o desenvolvimento, produção e segurança das armas nucleares. A proposta orçamental prevê um aumento de 17.5% para esta agência, totalizando $15.1 mil milhões, um reforço destinado ao desenvolvimento de novas armas nucleares 

É esta realidade que levou Beatrice Fihn a concluir que «existem apenas duas possíveis conclusões para esta história: ou o fim das armas nucleares ou o fim de nós todos.»

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