|Venezuela

Delcy Rodríguez denuncia impacto negativo das sanções norte-americanas

Ao participar, na Bolívia, no seminário «Nova Arquitectura Financeira Regional», a vice-presidente venezuelana alertou para as consequências das medidas unilaterais dos EUA na região.

A vice-presidente da Venezuela a intervir, a 11 de Março de 2024, no seminário que teve lugar em Santa Cruz (Bolívia) 
Créditos / mazo4f.com

Rodríguez, que interveio esta segunda-feira no seminário internacional «Nova Arquitectura Financeira Regional para uma melhor integração num mundo de mudanças», defendeu a unidade na América Latina e nas Caraíbas, depois de décadas em que a presença norte-americana dificultou o desenvolvimento regional.

Também chamou a atenção para o facto de os EUA usarem as medidas coercivas unilaterais como política de «chantagem e extorsão» aos países que não estão alinhados com os seus interesses – «fazem disso o eixo central da [sua] política externa», afirmou Delcy Rodríguez na cidade de Santa Cruz.

Insistindo na necessidade de unidade entre os povos da região da América Latina e Caraíbas, alertou que o sistema financeiro internacional é controlado pelos EUA, que o transformam num dos seus instrumentos de agressão económica. «Por isso, penso que a comunidade financeira regional é imprescindível se não quisermos estar expostos», frisou.

Os EUA usam as medidas coercivas unilaterais como política de chantagem e extorsão aos países que não estão alinhados com os seus interesses / @delcyrodriguezv

«Se queremos pensar numa nova arquitectura financeira, temos de comerciar, poupar e financiar-nos nas nossas moedas», acrescentou Rodríguez.

A vice-presidente venezuelana, acompanhada pelo seu compatriota Jorge Arreaza, secretário executivo da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), insistiu na necessidade de uma mudança no sistema mundial, lembrando que os EUA cometeram contra o seu país «um genocídio económico e social». «Querem arrasar com os pobres», afirmou, citada pela TeleSur.

PetroCaribe, a situação no Haiti e a desculpa para novas intervenções

No encontro, que contou com a participação, entre outros, de Alberto Fernández e Ernesto Samper, ex-presidentes da Argentina e da Colômbia, respectivamente, Delcy Rodríguez disse que o petróleo é o principal produto de exportação da região e que, quando o crude venezuelano é afectado, isto tem repercussões nos restantes produtores regionais.

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Haiti: «vítima de caos orquestrado que o impede de definir o seu próprio rumo»

Camille Chamers, economista e dirigente político haitiano, não vê com bons olhos a ideia de mais uma intervenção internacional no país caribenho, aprovada recentemente no Conselho de Segurança da ONU.

Milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti contra a permanência de Jovenel Moïse no poder e a ingerência externa no país
Em 2021, o Haiti foi palco de uma vaga de protestos contra o governo, o neocolonianismo e a ingerência externa Créditos / france24.com

O Haiti já foi auto-suficiente em cereais. No início dos anos 70 do século passado, produzia praticamente tudo aquilo de que necessitava. Cinco décadas volvidas, o país caribenho compra aos Estados Unidos 82% do arroz que a população consome. A causa são as políticas de ajuste estrutural impostas ao país, que estimulam a importação e impedem que o Estado financie a economia agrícola. Uma das consequências é o desemprego, que hoje atinge 70% da população.

Quem faz esta avaliação é o haitiano Camille Chalmers, dirigente do partido Rasin Kan Pèp La (reagrupamento socialista por uma nova iniciativa nacional). Em seu entender, o Haiti é vítima de um «caos orquestrado por organizações imperialistas», que querem continuar a defender os seus interesses comerciais. Para tal, precisam de impedir que o povo haitiano conquiste a sua autodeterminação e escolha um rumo de desenvolvimento próprio.

Camille Chalmers, dirigente do partido Rasin Kan Pèp La // Daniel Jatimliansky / Peoples Dispatch

Por isso, Chalmers opõe-se a toda e qualquer intervenção internacional no Haiti, como a que foi aprovada recentemente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. «Já sofremos várias intervenções. Cada vez que se faz isso, a situação piora», declarou ao Brasil de Fato. «A situação actual é resultado de uma intervenção imperialista», acrescentou, referindo-se à missão de paz liderada pelo Brasil de 2004 a 2017.

O dirigente político, que falou com o Brasil de Fato por videoconferência desde Porto Príncipe, elencou uma lista de actividades económicas nas quais essa lógica se manifesta.

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Movimentos populares haitianos rejeitam a possibilidade de nova intervenção externa

No Haiti, mergulhado em ciclos de crise humanitária, movimentos populares e organizações sociais defendem um governo de transição e a cooperação com o Sul Global para reconstruir o país.

Reyneld Sanon, militante e dirigente político haitiano e coordenador da Radyo Rezistans 
Créditos / @brasildefato

Monyse Ravena, jornalista do Brasil de Fato, passou uma semana no Haiti, a convite de organizações e movimentos populares. Durante este período, Ravena ouviu mais de duas dezenas de organizações de defesa dos direitos humanos e todas foram unânimes em afirmar: a escalada da violência no país caribenho é estimulada por agentes externos à ilha e será provavelmente o argumento para uma nova intervenção militar – rejeitada pela sociedade civil do país –, comandada por forças estrangeiras e aprovada pelas Nações Unidas.

Uma outra crítica comum dos activistas é a cobertura que a imprensa internacional faz sobre o país. Exuma Emmanuel, comunicador da Radyo Rezystans e da Agência de Notícias Popular Haitiana (uma rádio on-line comunitária e popular com sede em Porto Príncipe), é incisivo:

«O tipo de cobertura internacional feita sobre o Haiti traz muitos efeitos negativos para quem vive aqui; um deles é vender a imagem de que é um dos piores sítios do mundo para se viver e isso também tem efeito sobre os haitianos que vivem fora do país», disse.

«Fora do país, os haitianos têm medo de se apresentarem como haitianos. Há outros efeitos políticos sobre o Haiti, desde a independência, as notícias negativas formam uma imagem», acrescentou.

Camille Chalmers, economista, professor e representante da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), pergunta e responde: «Como é que as pessoas falam sobre a crise no Haiti? O discurso dominante da imprensa internacional é sempre sobre guerras, necessidade de ajuda humanitária.»

A jornalista Monyse Ravena esteve uma semana no Haiti a convite de várias organizações populares haitianas / @brasildefato

E explica: «Esse discurso vem desde o século XIX, porque as potências imperiais nunca aceitaram a independência do Haiti. O país ajudou em muitas independências e os [demais] países ficaram com medo da revolução haitiana.» Chalmers também destacou a continuidade e originalidade do movimento popular haitiano e a sua consciência anti-imperialista.

Aumento da violência e grupos armados

A situação do país é complexa, com um aumento da violência promovida pelos grupos armados que hoje controlam mais de 50% do território – um dado confirmado pelas organizações. A situação mais crítica é a da capital, Porto Príncipe. Grupos armados controlam vários bairros populares, estando implicados muitas vezes em assassinatos e sequestros.

De acordo com Exuma Emmanuel, «a violência estimulada quer impor ao país uma nova força de ocupação».

«As armas usadas pelos grupos armados nos bairros populares vêm dos Estados Unidos. O povo haitiano não é só um povo que está em desespero, está em luta», disse Emmanuel a Ravena, explicando que os gangues controlam zonas estratégicas ao instalarem um clima de terror e impedirem as pessoas de se organizarem.

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Protestos renovados no Haiti contra a ingerência externa

O líder do partido Pitit Dessalines, Moïse Jean Charles, agendou para esta segunda-feira uma mobilização de protesto frente à Embaixada dos EUA, contra aqueles que defendem tropas estrangeiras no país.

Os protestos contra a ingerência externa mantêm-se no Haiti (imagem de arquivo)
Créditos / cartacapital.com.br

Jean Charles exige a demissão do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, que acusa de alta traição, e prevê uma «maré humana» nas ruas da capital, Porto Príncipe, em resposta ao governo, ao sector privado e ao Ocidente, que defendem uma nova intervenção o Haiti, disse o ex-senador à imprensa.

«O destacamento de uma força militar estrangeira no país solicitado pelo governo de Ariel Henry é para proteger os interesses dos capitalistas e dos colonos. Não somos o pátio das traseiras dos Estados Unidos», afirmou Moïse Jean Charles à plataforma Gazette Haïti, citado pela Prensa Latina.

No passado dia 6 de Outubro, o Conselho de Ministros deu luz verde a Henry para pedir ajuda militar estrangeira, com o destacamento de tropas especializadas capazes de fazer frente aos grupos criminosos armados que têm bloqueado a distribuição de combustível e de recuperar o controlo de esquadras, portos e aeroportos no país antilhano.

Alguns dias depois, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu o envio «sem demora» de forças internacionais para o Haiti, face ao agravamento da situação de insegurança e para ajudar o país caribenho, que enfrenta «imensos problemas humanitários».

O pedido deve ser analisado formalmente esta semana, no Conselho de Segurança da ONU, havendo a possibilidade de que Rússia e China bloqueiem o envio de tropas para o Haiti. No entanto, tanto os EUA como o Canadá já confirmaram o envio de viaturas blindadas e outros equipamentos.

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Muitos milhares no Haiti em defesa da democracia e contra a ingerência externa

Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti em defesa da Constituição, denunciando o governo de Moïse, a «ditadura» e a acção do «imperialismo» no país caribenho.

Uma multidão mobilizou-se este domingo no Haiti para exigir a Jovenel Moïse que abandone o poder
CréditosEtant Dupain / Twitter

Segundo a agência AlterPresse, é difícil calcular com precisão o número de pessoas que ontem saíram à rua na área metropolitana de Porto Príncipe e em cidades como Cabo Haitiano, Jacmel ou Les Cayes, mas estima que tenham sido centenas de milhares a mobilizar-se para dizer «não» ao «regime de Jovenel Moïse», à sua «ditadura», ao «seu reino de sequestros em território nacional».

Na jornada de mobilização unitária, convocada pela Comissão de Protesto contra a Ditadura no Haiti, associações de advogados, organizações sociais e partidos políticos, os manifestantes quiseram denunciar a acção do Parti Haïtien Tèt Kale, que apoia o presidente Moïse, e exigir a este que abandone o poder e o Palácio Nacional, por considerarem que o seu mandato expirou no passado dia 7 de Fevereiro.

Na capital, a marcha começou junto ao viaduto baptizado como Cruzamento da Resistência e, ao longo do trajecto, foram-se juntando muitos outros manifestantes, incluindo personalidades da cultura e da política.

Num ambiente animado por camiões que transmitiam música, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra a «ditadura», a «ingerência externa» e o «imperialismo», exibiam bandeiras do Haiti, cartazes com reivindicações diversas ou exemplares da Constituição, para lembrar a Jovenel Moïse que tem de respeitar a Carta Magna do país.

Especialmente visada pelas palavras de ordem e pelos cânticos da multidão foi a ingerência externa, a acção da missão da ONU no Haiti e a da diplomata norte-americana Helen Meagher La Lime, representante do secretário-geral das Nações Unidas e chefe do Gabinete Integrado da ONU no Haiti (Binuh).

Recentemente, La Lime apoucou a adesão e a dimensão dos protestos contra Jovenel Moïse – como para justificar o apoio à figura presidencial – e ontem os manifestantes cantaram que «Helene La Lime não sabe contar».

Também criticaram a influência da Casa Branca nos assuntos internos do Haiti e a «hipocrisia» da comunidade internacional, que apoia um presidente inconstitucional e não faz caso da pressão popular – enquanto noutros sítios a inventa, conforme os interesses.

A marcha, que foi no geral pacífica, visou também denunciar o aumento da insegurança, dos sequestros e dos assassinatos, sobretudo em Porto Príncipe, algo a que, segundo a oposição, não é alheia a acção de Moïse.

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Grande parte da população e membros do Senado não viram com bons olhos o pedido de ajuda formulado por Henry e exigiram que fosse retirado. Os protestos têm-se sucedido nas ruas.

No passado dia 12, a Comunidade das Caraíbas (Caricom) ofereceu-se como mediadora para um diálogo entre as partes em conflito no Haiti, instando-as a reunir-se com urgência «neste momento crítico da história do país, para pôr fim ao impasse político».

Com esse «impasse», têm-se repetido as notícias de mortes por cólera, de incapacidade de funcionamento dos hospitais, de fome a atingir «níveis catastróficos», de assassinatos e violações.

A solução para os problemas não passa pela intervenção externa

Para Moïse Jean Charles, o pedido do governo tem «carácter ilegítimo». Por essa razão, várias organizações têm estado a dinamizar, desde segunda-feira passada, mobilizações diárias contra a crise política, o nível crescente de violência e o pedido de intervenção estrangeira por parte do governo de Ariel Henry.

Com o lema «Abaixo Ariel Henry, abaixo a ocupação», os organizadores reafirmam o direito a uma vida mais digna, sem violência e sem «invasões». Prevê-se que as mobilizações continuem até meados de Novembro, referiu Jean Charles.

Entre outros aspectos, os oponentes à intervenção externa lembram que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) foi criada em 2004, tendo como objectivo propalado pôr fim à crise política no país. No entanto, cinco anos depois do fim da missão, em 2017, o Haiti vive um cenário pior, criticam os defensores da soberania nacional.

As tropas estrangeiras são acusadas, nomeadamente, de terem contribuído para espalhar a cólera no Haiti, participado em massacres e cometido violações e outros abusos sexuais nos bairros pobres.

O pedido de intervenção é «escandaloso»

Camille Chalmers, analista político e economista, disse à Prensa Latina que o pedido de intervenção externa para lidar com grupos criminosos é «escandaloso».

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Capacetes azuis acusados de abuso sexual no Haiti

Mulheres, e até crianças de 11 anos, foram abusadas sexualmente por membros da missão de paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2017, segundo os testemunhos de residentes, recolhidos numa investigação.

As acusações agora apontadas vêm-se juntar a um longo rol de outras acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual formuladas contra a MINUSTAH entre 2004 e 2017
Créditos / Misión Verdad

O estudo – intitulado «Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé» – foi dirigido por Sabina Lee, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), e Susan Bartels, da Universidade de Queen (Canadá), e voltou a trazer à tona a questão da violência sexual dos capacetes azuis que exerceram funções no âmbito da polémica Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH, na sigla em francês).

Os investigadores entrevistaram, no terreno, mais de 2100 homens, mulheres e crianças que viviam nas imediações de sete bases da MINUSTAH, e obtiveram mais de 2500 testemunhos, nos quais se dá conta dos abusos sexuais e se refere 265 vezes as «Petit MINUSTAH» – modo como são conhecidas no Haiti as crianças que nasceram na sequência das relações sexuais mantidas entre as mulheres e raparigas haitianas e os funcionários das Nações Unidas.

Em declarações à Reuters esta semana, Sabine Lee, uma das responsáveis pela investigação, que foi publicada no passado dia 11 na revista International Peacekeeping, sublinhou que os cenários em que estas crianças foram concebidas e nasceram variam muito, mas que é clara a situação de aproveitamento das raparigas menores de idade.

Muitos dos testemunhos que, no estudo, abordam as relações sexuais e os «Petit MINUSTAH» frisam a pobreza extrema que levava as mulheres e jovens a situações de exploração e abuso sexual, incluindo casos de violação.

Embora alguns testemunhos admitam casos de «relações consensuais», muitos sublinham o aproveitamento de situações de vulnerabilidade por parte de funcionários da ONU, que ofereciam pequenas quantias de dinheiro ou comida em troca de sexo.

«Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé», diz um homem citado na investigação, enquanto uma mulher afirma que os funcionários da ONU engravidavam raparigas de 12 e 13 anos e, depois, as deixavam sozinhas, «na miséria, a criar os bebés».

Treino «ineficaz» das Nações Unidas

Um responsável das Nações Unidas afirmou que o organismo leva este assunto muito a sério e que reconhece 29 vítimas e 32 crianças nascidas «da exploração e do abuso sexual» cometidos pelo pessoal da MINUSTAH. Acrescentou que a ONU está «activamente empenhada» em garantir que recebem o apoio necessário.

No entanto, as autoras do estudo afirmam que as regras da ONU relativas a relações sexuais com comunidades locais foram «ineficazes», destacando que o pessoal das Nações Unidas deve ser mais bem treinado e enfrentar medidas disciplinares mais rigorosas nestas ocorrências. «O treino tem de ir mais além, "não se pode ir [a um sítio] e violar uma mulher"», disse Sabina Lee à Reuters.


A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) esteve envolvida em polémicas praticamente desde a sua criação, em 2004, tendo no seu historial um longo rol de acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual.

Além disso, os esgotos de uma base da MINUSTAH foram responsáveis pela contaminação do maior rio do Haiti com o vibrião colérico, em 2010, gerando um surto de cólera que matou cerca de 10 mil pessoas no país caribenho. Seis anos mais tarde, em Agosto de 2016, a ONU reconheceu a responsabilidade.

«A situação geral do país piorou com a presença da MINUSTAH», disse à Sputnik o jornalista e professor haitiano Pierre Negaud Dupenor, em Novembro do ano passado, já depois do fim da missão. A afirmação desta missão como uma força de ocupação e a exigência da sua saída do país foram sendo expressas por vários dirigentes políticos haitianos ao longo dos anos e por milhares de manifestantes nas ruas.

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Chalmers, também dirigente da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, afirma que se assiste actualmente à construção da opinião pública para justificar uma intervenção militar, inclusive com a utilização dos grupos criminosos que fazem parte do sistema.

«Criar uma situação caótica, insustentável, de crise humanitária, é um elemento para justificar a intervenção militar que querem fazer no Haiti, de modo a garantir o controlo absoluto do sistema político e descartar qualquer possibilidade de um projecto popular, de um projecto das classes populares, bem como a ligação possível a Cuba ou à Venezuela», disse Chalmers.

O economista lembra que, durante a formação da Polícia sob o mandato da Minustah, especialistas afirmaram que o tipo de armamento não era adequado nem suficiente.

«É uma incapacidade construída, mantida e reproduzida para justificar a dominação e a intervenção e, nesse sentido, foram amplamente demonstradas as ligações que existem entre os grupos criminosos armados e o poder executivo», frisou.

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Um relatório das Nações Unidas sobre a situação do Haiti aponta que a violência se intensificou em 2023. O número de assassinatos registados no país antilhano aumentou 21%, passando de 673 no último trimestre de 2022 para 815 entre 1 de Janeiro e 31 de Março. No mesmo período, os sequestros registados passaram de 391 para 637.

Os casos de violações de mulheres e meninas também se encontram entre as principais denúncias das organizações ouvidas pelo Brasil de Fato, num país onde existem estimativas de que 40% da população do país esteja em situação de emergência alimentar.

Caos económico… e político

A maioria da população não tem acesso a água potável, assistência médica e habitação adequada, num contexto marcado por elevada inflação («na casa dos 30%») e «câmbio volátil»; pelo aumento dos preços dos combustíveis («260% em dois anos»); por «uma nova crise migratória, com fuga de mão-de-obra qualificada».

Reyneld Sanon, coordenador da Radyo Rezistans, acusa a chamada comunidade internacional de apoiar um «governo criminoso». «Tudo o que fazem é para justificar o Haiti como uma entidade caótica», assevera.

Desde o assassinato de Jovenel Moïse, em Julho de 2021, a presidência está vaga e não há previsão de novas eleições. Logo em Julho de 2021, Ariel Henry foi nomeado primeiro-ministro, num processo que as organizações populares dizem ter ocorrido «por ingerência directa do Core Group (Grupo Central), composto pelas embaixadas da Alemanha, Brasil, Espanha, EUA, França, Canadá, União Europeia», bem como pelo representante especial da Organização dos Estados Americanos e o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas.

Actualmente, não há parlamento, nem tribunais superiores a funcionar no país.

«Acordo de Montana»

Os movimentos populares e organizações que actuam na defesa dos direitos humanos propõem o estabelecimento de um governo de transição, como uma das saídas para crise que o país enfrenta. As propostas foram sistematizadas no chamado «Acordo de Montana», ao qual o Core Group se opõe.

Representantes de organizações e movimentos populares à conversa com Monyse Ravena em Porto Príncipe / @brasildefato

O acordo foi proposto em Agosto de 2021 pela Comissão para a Busca de uma Solução Haitiana para a Crise, um grupo que reúne organizações não governamentais, movimentos populares e religiosos, dirigentes políticos e intelectuais, que se juntaram após o assassinato de Moïse. O nome do acordo alude ao local onde o grupo realizava as suas reuniões, o Hotel Montana, em Porto Príncipe, explica a jornalista Monyse Ravena.

«A transição de poder pode ser de continuidade ou de ruptura, mas o governo actual é ilegítimo e ilegal», defende Camille Chalmers a propósito dos desafios que o país vive.

Sobre a possibilidade de uma nova intervenção estrangeira, Neidyson Cèzaire, comunicador, produtor e activista, é frontal a rejeitá-la: «A ajuda internacional dos países ocidentais nunca ajudou um país a desenvolver-se. O caminho para o Haiti é priorizar a cooperação Sul-Sul. Os países ocidentais odeiam o Haiti, querem fazer-nos pagar por sermos responsáveis por quebrar com a ordem mundial da escravidão», frisou.

Por seu lado, Chalmers sublinha que o Haiti precisa de «solidariedade real». «O imperialismo americano é um dos actores que estão a conduzir a crise. Temos, sim, a necessidade da construção de redes internacionais de apoio, mas não de intervenção militar», afirmou.

Em sentido inverso aos movimentos que lidam directamente com as populações, o primeiro-ministro, Ariel Henry, pediu ajuda militar internacional para combater os grupos armados, em Outubro de 2022 – ainda sem resposta. Contudo, existe a expectativa de que na próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU, este mês, o assunto seja definido. Chalmers lembra que «cada intervenção [estrangeira] teve consequências graves».

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«A partir do início do século XX, o imperialismo investiu para estruturar a indústria açucareira em Cuba e na República Dominicana, e definiu para o Haiti a incumbência de fornecer mão-de-obra barata para essas indústrias. Para manter isso, é importante que as condições de emprego, os níveis sociais sejam péssimos», denunciou. Referiu também que o Haiti é estratégico pela existência de recursos essenciais para empresas transnacionais, como o ouro que se encontraria na região Norte do país.

A existência de metais preciosos no país é «uma zona cinzenta», afirmou o professor gaúcho Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais, ex-representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de livros sobre o país caribenho. «Muitos dizem que o Haiti é rico em metais preciosos, mas nada disso ficou provado até hoje», disse.

Quanto à queda na produção de arroz, houve de facto um estímulo dos Estados Unidos para que o Haiti reduzisse tarifas e, assim, promovesse a importação de arroz produzido no estado norte-americano do Arkansas. O favorecimento da importação e a diminuição das oportunidades de trabalho no campo provocaram uma migração para as cidades, o que, nas palavras de Seitenfus, acabou por se tornar «uma bomba, com favelas para todo o lado».

Cenário de grave crise

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Tribunal popular denuncia crimes da missão da ONU no Haiti

Vítimas, familiares e especialistas testemunharam no julgamento simbólico dos crimes da missão da ONU (2004-2017). A iniciativa insere-se no contexto de mobilizações anti-imperialistas e pelos direitos.

Haitianos reclamam justiça e reparação às Nações Unidas pelos abusos e crimes cometidos pela Minustah
CréditosHector Retamal / Brasil de Fato

O chamado Tribunal Popular contra os Crimes da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) decorreu ao longo desta terça-feira na capital haitiana, Porto Príncipe, visando reforçar a reivindicação de justiça e reparação para as vítimas dos abusos cometidos pelas tropas envolvidas na operação.

A missão da ONU foi liderada pelo Brasil e prolongou-se por 13 anos, entre 2004 e 2017. As críticas e denúncias à sua actuação surgiram ainda nesse período e, três anos volvidos, mantêm-se, da parte da população haitiana, que espera reparação das Nações Unidas, refere a TeleSur.

A iniciativa do tribunal popular, para responsabilizar o organismo internacional, partiu de organizações sociais como a Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (Papda), a Rede Nacional em Defesa dos Direitos Humanos, a Comissão Nacional Episcopal de Justiça e Paz, a Plataforma de Organizações de Defesa dos Direitos Humanos.

Entre as violações de direitos referidas pelo tribunal durante a permanência da Minustah no Haiti, contam-se políticas contrárias ao acesso da maioria da população à educação e o aumento da repressão militar sobre manifestações populares.

Também o crescimento de grupos criminosos organizados como milícias, o desrespeito pelos direitos das mulheres e das crianças, o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e outros crimes sexuais, além da cultura de impunidade como marca do poder judicial local.

Denunciar a natureza imperialista da missão

A propósito do tribunal, Camille Chalmers, director executivo da Papda, disse: «Agora, existem milhares de mulheres com filhos sem pai, milhares de órfãos numa situação difícil», tendo referido que a instabilidade política também se agravou no país – algo a que, em seu entender, não é alheia a interferência dos EUA.

Ainda a propósito do tribunal popular, Chalmers afirmou: «Desde o início, levámos a cabo uma campanha para denunciar não só a natureza desta ocupação militar, mas também o perigo e a ameaça que representava para todos os povos do continente, como o presidente [Jovenel Moïse] e muitas formas de ocupação que, sob o pretexto da manutenção da paz, estavam a executar a agenda imperialista dos EUA.»

Mortes por cólera

Uma das questões mais destacadas no que respeita às irregularidades e violações da Minustah foi a propagação da cólera a partir da presença no país de tropas nepalesas, em 2010, que provocou a morte a 10 mil pessoas (números oficiais) e afectou cerca de um milhão. A ONU só reconheceu a responsabilidade em 2016.


«Uma década depois da epidemia de cólera no Haiti, há milhares de famílias que ainda guardam experiências dolorosas», lamentou Camille Chalmers, citado pela Prensa Latina, acrescentando que «muitas casas continuam abandonadas» e que há «zonas devastadas que jamais regressaram à normalidade».

«Além do balanço humano catastrófico, o impacto económico foi terrível, pois muitas pessoas afectadas pela cólera perderam o trabalho e foram discriminadas», denunciou, sublinhando que a epidemia também desorganizou os circuitos de producção agrícola.

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Níveis de desemprego muito elevados, recessão económica, inflação anual altíssima e uma população com um poder de compra muito baixo são dados que ilustram o cenário de grave crise vivida pelo país, cujo elemento mais nítido e mediático é a violência desenfreada e o colapso das instituições, com grande parte da capital sob controlo de gangues.

Outro exemplo, apontado por Camille Chalmers, do modo como a administração norte-americana contribuiu para este cenário é o facto de Washington ter feito «todo o possível para combater» o PetroCaribe, programa de venda de petróleo criado por Hugo Chávez quando era chefe de Estado da Venezuela (1999-2013) e que chegou a fornecer a matéria-prima para 16 países em condições financeiras «excepcionais».

Ricardo Seitenfus confirmou o facto, mas também apontou uma ressalva que atribui uma parte da responsabilidade aos haitianos. «É verdade que os EUA tentaram impedir [a concretização do PetroCaribe]. Há documentos que mostram essa resistência. Mas o problema é que três mil milhões de dólares foram desviados», disse o professor reformado.

Verdadeira solidariedade com o Haiti

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Protestos renovados no Haiti contra a ingerência externa

O líder do partido Pitit Dessalines, Moïse Jean Charles, agendou para esta segunda-feira uma mobilização de protesto frente à Embaixada dos EUA, contra aqueles que defendem tropas estrangeiras no país.

Os protestos contra a ingerência externa mantêm-se no Haiti (imagem de arquivo)
Créditos / cartacapital.com.br

Jean Charles exige a demissão do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, que acusa de alta traição, e prevê uma «maré humana» nas ruas da capital, Porto Príncipe, em resposta ao governo, ao sector privado e ao Ocidente, que defendem uma nova intervenção o Haiti, disse o ex-senador à imprensa.

«O destacamento de uma força militar estrangeira no país solicitado pelo governo de Ariel Henry é para proteger os interesses dos capitalistas e dos colonos. Não somos o pátio das traseiras dos Estados Unidos», afirmou Moïse Jean Charles à plataforma Gazette Haïti, citado pela Prensa Latina.

No passado dia 6 de Outubro, o Conselho de Ministros deu luz verde a Henry para pedir ajuda militar estrangeira, com o destacamento de tropas especializadas capazes de fazer frente aos grupos criminosos armados que têm bloqueado a distribuição de combustível e de recuperar o controlo de esquadras, portos e aeroportos no país antilhano.

Alguns dias depois, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu o envio «sem demora» de forças internacionais para o Haiti, face ao agravamento da situação de insegurança e para ajudar o país caribenho, que enfrenta «imensos problemas humanitários».

O pedido deve ser analisado formalmente esta semana, no Conselho de Segurança da ONU, havendo a possibilidade de que Rússia e China bloqueiem o envio de tropas para o Haiti. No entanto, tanto os EUA como o Canadá já confirmaram o envio de viaturas blindadas e outros equipamentos.

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Muitos milhares no Haiti em defesa da democracia e contra a ingerência externa

Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti em defesa da Constituição, denunciando o governo de Moïse, a «ditadura» e a acção do «imperialismo» no país caribenho.

Uma multidão mobilizou-se este domingo no Haiti para exigir a Jovenel Moïse que abandone o poder
CréditosEtant Dupain / Twitter

Segundo a agência AlterPresse, é difícil calcular com precisão o número de pessoas que ontem saíram à rua na área metropolitana de Porto Príncipe e em cidades como Cabo Haitiano, Jacmel ou Les Cayes, mas estima que tenham sido centenas de milhares a mobilizar-se para dizer «não» ao «regime de Jovenel Moïse», à sua «ditadura», ao «seu reino de sequestros em território nacional».

Na jornada de mobilização unitária, convocada pela Comissão de Protesto contra a Ditadura no Haiti, associações de advogados, organizações sociais e partidos políticos, os manifestantes quiseram denunciar a acção do Parti Haïtien Tèt Kale, que apoia o presidente Moïse, e exigir a este que abandone o poder e o Palácio Nacional, por considerarem que o seu mandato expirou no passado dia 7 de Fevereiro.

Na capital, a marcha começou junto ao viaduto baptizado como Cruzamento da Resistência e, ao longo do trajecto, foram-se juntando muitos outros manifestantes, incluindo personalidades da cultura e da política.

Num ambiente animado por camiões que transmitiam música, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra a «ditadura», a «ingerência externa» e o «imperialismo», exibiam bandeiras do Haiti, cartazes com reivindicações diversas ou exemplares da Constituição, para lembrar a Jovenel Moïse que tem de respeitar a Carta Magna do país.

Especialmente visada pelas palavras de ordem e pelos cânticos da multidão foi a ingerência externa, a acção da missão da ONU no Haiti e a da diplomata norte-americana Helen Meagher La Lime, representante do secretário-geral das Nações Unidas e chefe do Gabinete Integrado da ONU no Haiti (Binuh).

Recentemente, La Lime apoucou a adesão e a dimensão dos protestos contra Jovenel Moïse – como para justificar o apoio à figura presidencial – e ontem os manifestantes cantaram que «Helene La Lime não sabe contar».

Também criticaram a influência da Casa Branca nos assuntos internos do Haiti e a «hipocrisia» da comunidade internacional, que apoia um presidente inconstitucional e não faz caso da pressão popular – enquanto noutros sítios a inventa, conforme os interesses.

A marcha, que foi no geral pacífica, visou também denunciar o aumento da insegurança, dos sequestros e dos assassinatos, sobretudo em Porto Príncipe, algo a que, segundo a oposição, não é alheia a acção de Moïse.

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Grande parte da população e membros do Senado não viram com bons olhos o pedido de ajuda formulado por Henry e exigiram que fosse retirado. Os protestos têm-se sucedido nas ruas.

No passado dia 12, a Comunidade das Caraíbas (Caricom) ofereceu-se como mediadora para um diálogo entre as partes em conflito no Haiti, instando-as a reunir-se com urgência «neste momento crítico da história do país, para pôr fim ao impasse político».

Com esse «impasse», têm-se repetido as notícias de mortes por cólera, de incapacidade de funcionamento dos hospitais, de fome a atingir «níveis catastróficos», de assassinatos e violações.

A solução para os problemas não passa pela intervenção externa

Para Moïse Jean Charles, o pedido do governo tem «carácter ilegítimo». Por essa razão, várias organizações têm estado a dinamizar, desde segunda-feira passada, mobilizações diárias contra a crise política, o nível crescente de violência e o pedido de intervenção estrangeira por parte do governo de Ariel Henry.

Com o lema «Abaixo Ariel Henry, abaixo a ocupação», os organizadores reafirmam o direito a uma vida mais digna, sem violência e sem «invasões». Prevê-se que as mobilizações continuem até meados de Novembro, referiu Jean Charles.

Entre outros aspectos, os oponentes à intervenção externa lembram que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) foi criada em 2004, tendo como objectivo propalado pôr fim à crise política no país. No entanto, cinco anos depois do fim da missão, em 2017, o Haiti vive um cenário pior, criticam os defensores da soberania nacional.

As tropas estrangeiras são acusadas, nomeadamente, de terem contribuído para espalhar a cólera no Haiti, participado em massacres e cometido violações e outros abusos sexuais nos bairros pobres.

O pedido de intervenção é «escandaloso»

Camille Chalmers, analista político e economista, disse à Prensa Latina que o pedido de intervenção externa para lidar com grupos criminosos é «escandaloso».

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Capacetes azuis acusados de abuso sexual no Haiti

Mulheres, e até crianças de 11 anos, foram abusadas sexualmente por membros da missão de paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2017, segundo os testemunhos de residentes, recolhidos numa investigação.

As acusações agora apontadas vêm-se juntar a um longo rol de outras acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual formuladas contra a MINUSTAH entre 2004 e 2017
Créditos / Misión Verdad

O estudo – intitulado «Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé» – foi dirigido por Sabina Lee, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), e Susan Bartels, da Universidade de Queen (Canadá), e voltou a trazer à tona a questão da violência sexual dos capacetes azuis que exerceram funções no âmbito da polémica Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH, na sigla em francês).

Os investigadores entrevistaram, no terreno, mais de 2100 homens, mulheres e crianças que viviam nas imediações de sete bases da MINUSTAH, e obtiveram mais de 2500 testemunhos, nos quais se dá conta dos abusos sexuais e se refere 265 vezes as «Petit MINUSTAH» – modo como são conhecidas no Haiti as crianças que nasceram na sequência das relações sexuais mantidas entre as mulheres e raparigas haitianas e os funcionários das Nações Unidas.

Em declarações à Reuters esta semana, Sabine Lee, uma das responsáveis pela investigação, que foi publicada no passado dia 11 na revista International Peacekeeping, sublinhou que os cenários em que estas crianças foram concebidas e nasceram variam muito, mas que é clara a situação de aproveitamento das raparigas menores de idade.

Muitos dos testemunhos que, no estudo, abordam as relações sexuais e os «Petit MINUSTAH» frisam a pobreza extrema que levava as mulheres e jovens a situações de exploração e abuso sexual, incluindo casos de violação.

Embora alguns testemunhos admitam casos de «relações consensuais», muitos sublinham o aproveitamento de situações de vulnerabilidade por parte de funcionários da ONU, que ofereciam pequenas quantias de dinheiro ou comida em troca de sexo.

«Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé», diz um homem citado na investigação, enquanto uma mulher afirma que os funcionários da ONU engravidavam raparigas de 12 e 13 anos e, depois, as deixavam sozinhas, «na miséria, a criar os bebés».

Treino «ineficaz» das Nações Unidas

Um responsável das Nações Unidas afirmou que o organismo leva este assunto muito a sério e que reconhece 29 vítimas e 32 crianças nascidas «da exploração e do abuso sexual» cometidos pelo pessoal da MINUSTAH. Acrescentou que a ONU está «activamente empenhada» em garantir que recebem o apoio necessário.

No entanto, as autoras do estudo afirmam que as regras da ONU relativas a relações sexuais com comunidades locais foram «ineficazes», destacando que o pessoal das Nações Unidas deve ser mais bem treinado e enfrentar medidas disciplinares mais rigorosas nestas ocorrências. «O treino tem de ir mais além, "não se pode ir [a um sítio] e violar uma mulher"», disse Sabina Lee à Reuters.


A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) esteve envolvida em polémicas praticamente desde a sua criação, em 2004, tendo no seu historial um longo rol de acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual.

Além disso, os esgotos de uma base da MINUSTAH foram responsáveis pela contaminação do maior rio do Haiti com o vibrião colérico, em 2010, gerando um surto de cólera que matou cerca de 10 mil pessoas no país caribenho. Seis anos mais tarde, em Agosto de 2016, a ONU reconheceu a responsabilidade.

«A situação geral do país piorou com a presença da MINUSTAH», disse à Sputnik o jornalista e professor haitiano Pierre Negaud Dupenor, em Novembro do ano passado, já depois do fim da missão. A afirmação desta missão como uma força de ocupação e a exigência da sua saída do país foram sendo expressas por vários dirigentes políticos haitianos ao longo dos anos e por milhares de manifestantes nas ruas.

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Chalmers, também dirigente da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, afirma que se assiste actualmente à construção da opinião pública para justificar uma intervenção militar, inclusive com a utilização dos grupos criminosos que fazem parte do sistema.

«Criar uma situação caótica, insustentável, de crise humanitária, é um elemento para justificar a intervenção militar que querem fazer no Haiti, de modo a garantir o controlo absoluto do sistema político e descartar qualquer possibilidade de um projecto popular, de um projecto das classes populares, bem como a ligação possível a Cuba ou à Venezuela», disse Chalmers.

O economista lembra que, durante a formação da Polícia sob o mandato da Minustah, especialistas afirmaram que o tipo de armamento não era adequado nem suficiente.

«É uma incapacidade construída, mantida e reproduzida para justificar a dominação e a intervenção e, nesse sentido, foram amplamente demonstradas as ligações que existem entre os grupos criminosos armados e o poder executivo», frisou.

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Para Camille Chalmers, os EUA querem manter o controlo sobre a política haitiana porque temem uma possível aliança entre Cuba, Venezuela e Haiti, «que produziria uma mudança nas relações de forças nas Caraíbas». Essa aliança poder-se-ia configurar, em seu entender, por via do já referido PetroCaribe, programa que o governo venezuelano mostrou interesse em reactivar o ano passado. Outro caso para o qual Chalmers chama a atenção é o do papel assumido pelos médicos cubanos em zonas remotas do Haiti, que reduziu índices de mortalidade materna e representa um exemplo do que poderia ser «uma verdadeira solidariedade com o Haiti».

Mas isso não vinga porque, além da pressão internacional, existe a cumplicidade de gestores que – defende Chamers – são designados por missões internacionais, sem a participação da sociedade. Entre eles, estaria o actual governo do primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o cargo após o assassinato de Jovenel Möise, em 2021.

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«O exemplo mais terrível do ponto de vista humanitário, vemo-lo hoje no Haiti. A Venezuela apoiou esse país, através do PetroCaribe, com mais de quatro mil milhões de dólares. Onde está o Haiti hoje?», frisou, referindo-se à situação de caos e miséria no país antilhano, que o imperialismo pretende usar como justificação para novas intervenções.

«Agora a situação tornou-se uma desculpa para justificar a invasão militar desse país. Os responsáveis pela situação que o Haiti vive actualmente são os que bloquearam a Venezuela e impediram o programa do PetroCaribe», acrescentou.

A vice-presidente disse ainda que, por causa das sanções, entre 2015 e 2023, a Venezuela deixou de produzir 3400 milhões de barris de petróleo, o que equivale a 232 mil milhões de dólares.

«São números que se dizem facilmente mas imaginem as repercussões e o que significou a queda de 99% das nossas receitas», sublinhou.

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