|Cimeira do Clima (COP)

Da COP26, alguma coisa saiu, contrariando maus presságios

O acompanhamento mediático desta COP permitiu desfazer ideias feitas quanto à insistência de os países mais poluentes serem a China, a India, os Estados Unidos e a Federação Russa.

CréditosRobert Perry / EPA

Algumas das conclusões

As conclusões da COP26 traduzem-se num progresso quanto à definição de responsabilidades que daqui por um ano poderão ser revistas e avaliadas, se o percurso está a ser compatível com manter o acréscimo de temperatura nos + 1ºC, acima dos registados antes da Revolução Industrial, até 2040.

A aprovação de um «livro de regras» sobre todos os aspetos de aplicação do acordo era essencial, bem como a necessidade de um consenso em torno de atualizações anuais, em vez dos cinco anos das CND (Contribuições Nacionalmente Determinadas) de todos os países, como forma mais eficaz de sincronizar os compromissos nacionais com o espírito da COP25, de Paris.

Os países menos desenvolvidos são os mais afectados e os menos preparados para resistir às alterações climáticas. É uma difícil transição energética, que os países mais ricos têm outras condições para percorrer. O acordo de Paris reconhecia a necessidade de os países mais ricos contribuírem com financiamento foi um dos pontos de maior discórdia. O texto final da COP26 regista «com preocupação» que o financiamento climático para medidas de adaptação «continua a ser insuficiente», já que não foram cumpridos os compromissos de mobilizar 100 mil milhões de dólares em 2020. O Pacto «incita» os países desenvolvidos a duplicar o financiamento até 2025. 

Importa ter sempre em conta que a «crise climática» é uma das crises que o capitalismo provocou, que as emissões que levam ao cálculo do número 1,5ºC contêm valores acumulados dos países ricos, há muito mais tempo que os países pobres que, por sua vez se apresentam com maior fragilidade no enfrentar os desastres naturais nos dias de hoje.

Também foram discutidos os apoios para catástrofes reais provocadas pelas alterações climáticas, as perdas e danos. Foi reiterada a urgência de aumentarem os apoios, financeiros e de tecnologia, para minimizar e enfrentar as perdas e danos, reforçando também parcerias entre países ricos e pobres.

Para se cumprir com o limite de 1,5º C até 2030, ficou consagrado o conselho do IPCC de que são necessários cortes de emissões de 45% até 2030, relativamente às de 2010 (mitigação).

O livro de regras destinadas a ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) também impede, por exemplo, a dupla contagem do carbono (pelo vendedor e comprador).

 A COP26 fala pela primeira vez na questão dos combustíveis fósseis. Um rascunho inicial apelava aos países para que acelerassem a eliminação gradual dos subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis (sem referências explícitas ao petróleo e gás natural), mas o texto final aprovado, apesar dos protestos da União Europeia, da Suíça e mais alguns países, refere «intensificação dos esforços» para reduzir o carvão e eliminar os subsídios a combustíveis fósseis.

A China e os EUA na COP26

Ora não é que, no dia 10, a China e os EUA – que representam quase 40% das emissões mundiais de carbono – reconheceram que há uma lacuna entre os esforços actuais e os objectivos do Acordo de Paris. Por isso, os dois países vão «fortalecer em conjunto a acção climática».

Uma declaração do Ministério de Ecologia e Meio Ambiente chinês refere que os negociadores concordaram em melhorar a implementação do acordo climático de Paris de 2015, bem como novas medidas baseadas no «princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades».

Os EUA comprometeram-se a atingir emissões líquidas de carbono zero até 2050. A China atingirá o pico de emissões antes de 2030, eliminando-as até 2060, o que, segundo eles, representa a transição mais rápida do carbono de qualquer grande economia. Os dois são actualmente os maiores emissores de gases de efeito estufa, embora a produção per capita da China seja metade da dos EUA e também tenha um histórico muito mais curto de actividade intensiva em carbono.

Falando da declaração conjunta, Xi disse que abrange áreas como a implementação da tecnologia de captura de carbono, electrificação da economia, novas medidas para prevenir o desmatamento global e redução das emissões de metano. O metano, que é até 86 vezes mais potente do que o dióxido de carbono como gás de efeito estufa, é uma questão especial para causar o maior impacto nesta década. A China disse que vai produzir um plano de ação nacional para conter a sua descarga no meio ambiente.

O apoio aos países em desenvolvimento tem sido um ponto crítico particular na última ronda de negociações sobre o clima, com uma promessa de 100 mil milhões de dólares em fundos anuais, que não foi concretizado. A China disse que havia concordado com os negociadores dos EUA em realçar a importância de cumprir essa meta.

Falando numa conferência de imprensa separada, o representante dos EUA, John Kerry, disse que o acordo representa uma determinação de não permitir que as tensões entre Pequim e Washington ameacem a saúde do planeta. E acrescentou, procurando fazer ironia: «Os Estados Unidos e a China não têm falta de diferenças entre si». «Mas, no que diz respeito ao clima, a cooperação é a única maneira de fazer esse trabalho».

A aprovação de um «livro de regras» sobre todos os aspectos de aplicação do acordo era essencial, bem como a necessidade de um consenso em torno de actualizações anuais, em vez dos cinco anos das CND (contribuições nacionalmente determinadas) de todos os países, como forma mais eficaz de sincronizar os compromissos nacionais com o ciclo de ambição de Paris.

Nesta declaração de ambos os países, ambos reiteraram que observarão o acordo climático de Paris para manter as temperaturas abaixo de dois graus.

Eles concordaram em acelerar a redução das emissões verdes e de carbono, trabalhando em conjunto com outros países.

A China e os Estados Unidos também chegaram a um consenso sobre o financiamento do clima e as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) de Paris (fundos de apoio aos países com dificuldades em cumprir com a transição verde).

Ambos manterão um diálogo político sobre as energias renováveis num esforço para reduzir o poder do carvão.

Alguns pontos nos ii

O acompanhamento mediático desta COP permitiu desfazer ideias feitas quanto à insistência de os países mais poluentes serem a China, a India, os Estados Unidos e a Federação Russa. Só um jornalista inculto pode aceitar tais afirmações que são baseadas apenas na emissão total de CO2 sem ter em linha de conta o número de habitantes desses países. Os valores per capita destes países são, respectivamente, e referindo-se a toneladas de CO2 emitidas em 2018 (dados do Banco Mundial), a China 7.4, a India 1.8, os EUA 15.2, e a Federação Russa 11.1.

Isto é, os EUA produzem o dobro das emissões da China, mais oito vezes que a Índia, ou mais um terço do que a Rússia.

Não nos referimos a outros países, como vários países árabes que chegam a emitir o mesmo ou muito mais que os EUA...

Depois existem os que debitam opiniões falsas, como é o caso (incurável) de Teresa de Sousa, que no Público deste último domingo escreveu: «Não foi por acaso que Xi e Putin não encontraram tempo para se deslocar a Roma, para o G20, e a Glasgow, para a COP26. Não admitem ser confrontados, nem nas salas das reuniões, nem nos protestos e nas denúncias das ruas».         

Será que a jornalista estava à espera de grandes refregas entre manifestantes e dirigentes de alguns países?

Outros apontamentos

Ao longo da última semana foram discutidos três rascunhos das conclusões. Mas até se chegar à aprovação em plenário das delegações dos vários países, ainda houve mais dois rascunhos, em consequência das negociações por grupos de países que não se reviam em versões anteriores e até no plenário de aprovação, um grupo de dezenas de países, representado pela Índia, e onde se incluíam a China, os EUA, a Rússia, com sérias reservas da UE, Suíça e outros.

Se a Conferência de Paris de 2015 definiu metas importantes – nalguns casos de longo prazo –, o que é certo é que não foram definidas as acções que se foram desenvolvendo, por opção de cada país, e os CND (Contribuições Nacionalmente Determinadas) por eles apresentados, analisados ao longo deste ano, foram de modo a que o Secretário-Geral da ONU falasse na abertura desta conferência de estarmos «no caminho para um desastre climático». De facto, foram seis anos em que só alguns países definiram um planeamento de acções de transição energética que executaram.

Se a COP25, de Paris, popularizou metas a atingir, terminando em grande confiança, ao longo de 2021 foram-se acumulando presságios que geraram um clima de desespero que persistiu até ao final da COP26.

E nos primeiros dias da conferência, Joe Biden, John Kerry e Barack Obama criticaram a Rússia e a China por subestimarem a conferência pela ausência física dos seus presidentes, pouco se importando com o facto da generalidade dos países presentes não seguirem tal narrativa.

Foi lamentável a criação de um ambiente visando atribuir responsabilidades por eventuais resultados negativos, omitindo o contributo dos EUA para isso. E omitiram o trabalho feito por centenas de técnicos de ambos os países e de muitos outros países, incluindo dos EUA. Foi um trabalho de negociação, procurando harmonização de compromissos nos temas mais difíceis, procurando mais metas de curto prazo do que encher a boca com as metas de longo prazo.

Nesta COP26, ficou claro ser importante passar do diagnóstico para a «prescrição». As alterações climáticas têm soluções. Mas ninguém nos vai dar um novo ambiente. Vai ter que se trabalhar para isso mudando políticas e paradigmas, planos e prescrições. Assim se prosseguirão caminhos de progresso, longe do simples diagnóstico e em direcção a soluções viáveis de serem trabalhadas.

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