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Bombas e minas no Vietname, um drama ainda muito actual

A Guerra do Vietname acabou em 1975. Desde então, mais de 40 mil vietnamitas morreram por causa de munições não detonadas. As autoridades estimam que haja pelo menos 800 mil toneladas por explodir.

Brigada feminina procede à detecção de munições não detonadas (UXO) no Vietname 
Créditos / The Hindu

Pham Quy Thi mexia na terra com a enxada quando viu algo com forma de limão e aparência rochosa. Curioso, abaixou-se e puxou o objecto para cima. A última coisa de que se lembra é de uma explosão como um raio e de terra na boca.

Estava sozinho no campo e passaram-se vários minutos até que os seus vizinhos, na província de Quang Tri (Centro do Vietname), corressem para o local, atraídos pela explosão.

Quando chegaram, encontraram-no banhado em sangue engrossado pela terra, com o braço direito em farrapos e o torso dilacerado. Se não o tivessem levado depressa para o hospital, Quy Thi não estaria agora a contar o que aconteceu naquele fatídico dia de 1977.

«Os meus sonhos e planos foram destruídos. Tinha apenas 21 anos e, se era o ganha-pão da família, tornei-me um fardo. Só voltei ao campo um ano depois, após muito cuidado e trabalho árduo da minha mãe… Mas eu já não era o mesmo, só tinha o braço esquerdo e durante muito tempo tive medo que a enxada batesse noutro explosivo», disse Pham Quy Thi a Alberto Salazar, correspondente da Prensa Latina.

Munições não detonadas da Guerra do Vietname encontradas na província de Quang Tri / Xavier Bourgois / VnExpress

Algo de semelhante ocorreu a Ho Van Lai, em 2000, quando tinha apenas dez anos. Estava a correr com alguns amigos junto a uma estrada, na mesma província, quando uma bomba escondida explodiu debaixo da terra. Dois dos rapazes morreram e Van Lai perdeu um braço, ambas as pernas, o olho direito e quase o esquerdo, porque ficou com a visão reduzida a um décimo.

«Passei por nove operações e fiquei com 86% de deficiência. Quando, três anos depois, fiquei fora de perigo, não pude continuar a frequentar uma escola normal e parecia que o futuro estava fechado para mim. A sorte foi que os meus irmãos mais velhos me ajudaram!», relata.

No distrito de Trieu Phong, ainda na província de Quang Tri, em 1983, outro artefacto explosivo devastou a vida de Phan Dang Nguyen, com 16 anos de idade. Trabalhava no campo e pisou uma mina, que lhe arrancou meia perna.

«No meu bairro isso acontecia com frequência, mas a gente acha que nunca vai acontecer connosco... Até que pisamos onde não devíamos ou vamos onde não devíamos... Mas como podemos sabê-lo, se estão escondidas debaixo da terra, à nossa espera?», pergunta a si mesmo Dang Nguyen.

Um drama que perdura

Os Estados Unidos nunca declararam guerra ao Vietname, mas fizeram-na e continuam a fazê-la tecnicamente, pois uma parte das minas e bombas que lançaram sobre este país – 15 milhões de toneladas, segundo as autoridades vietnamitas, quatro vezes mais que as utilizadas em toda a Segunda Guerra Mundial – continuam a matar e a desmembrar pessoas.

Desde o fim da guerra, em 1975, mais de 42 mil vietnamitas morreram por esta causa, afirma Salazar.

Se a este número se juntarem o dos que morreram depois daquele ano por causa do Agente Laranja, um desfolhante com que os aviões americanos pulverizaram as selvas para privar os guerrilheiros dos seus esconderijos, os mortos no Vietname seriam quase tantos como as baixas em combate dos Estados Unidos ao longo do conflito.

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Um hospital de guerra, paz e amizade em Dong Hoi

A Guerra do Vietname acabou em 1975, mas ao hospital desta cidade continuam a chegar pacientes com feridas desse tempo ou de agora mas provocadas por explosivos de então. Foi de Fidel a ideia de o construir.

Homenagem a Fidel Castro à entrada do hospital de Dong Hoi (imagem de arquivo)
Créditos / Vietnam Times

O médico cubano Aracelio Pérez implantou várias próteses da anca a pacientes que ainda tinham alojada nessa parte do corpo metralha corrompida pela passagem dos anos, indica a Prensa Latina.

Um outro exemplo é o do seu colega Crescencio Aneiro, que teve de operar com urgência um canalizador a quem rebentou na cara uma velha mina quando cavava o chão para instalar os canos de um lava-louças, refere a peça publicada por Alberto Salazar, correspondente da agência cubana no país do Sudeste Asiático.

A ideia de fundar este hospital localizado na capital da província de Quang Binh (Centro do Vietname) surgiu da necessidade de lidar com as sequelas da guerra neste território, que foi um dos mais assolados pelos bombardeamentos norte-americanos, uma vez que marcava o limite entre o Norte e o Sul do país.

A ideia de Fidel

Quando Fidel Castro visitou o Vietname, em Setembro de 1973, viajou de Hanói para Quang Binh num pequeno avião, e ficou comovido com o que viu lá em baixo: as pontes todas – «sem excepção» – destruídas, as aldeias arrasadas, as bombas de fragmentação que caíam sobre os campos de arroz onde crianças, mulheres e velhos trabalhavam.

O líder da Revolução cubana atravessou depois o tristemente célebre Paralelo 17 – foi o único estadista a fazê-lo naqueles tempos – e percorreu a recém-libertada província de Quang Tri, onde pôde ver in loco os horrores da guerra.

No regresso a Quang Binh, por estrada, foi abalado por um novo acontecimento, ao dar com três crianças feridas, duas delas em estado grave, depois de terem feito explodir uma granada quando trabalhavam a terra. Os médicos cubanos que iam na caravana «cuidaram delas directamente durante horas e salvaram-lhes a vida», contou Fidel nas suas Reflexões.

Este facto, o que vira a partir do avião e no cenário de guerra levaram-no a fazer uma promessa aos habitantes da província de Quang Binh no dia seguinte, antes de voltar para Hanói: construir e equipar totalmente um hospital em Dong Hoi, o mais rapidamente possível. «Também virão cubanos trabalhar na construção deste hospital», disse.

E a promessa foi cumprida

O hospital começou a ser construído a 19 de Maio de 1974, coincidindo com o 84.º aniversário do nascimento de Ho Chi Minh. E os cubanos lá estavam, como prometido: mais de cem engenheiros, construtores e outros especialistas, refere a Prensa Latina.

Quando foi inaugurado, a 9 de Setembro de 1981, era um dos mais avançados do país. Até 1991, passaram por ali 146 médicos, enfermeiros e técnicos cubanos da Saúde. Hoje, em Dong Hoi, ainda se lembra que alguns chegaram a dar sangue a pacientes que dele precisavam com urgência.

A colaboração médica cubana interrompeu-se entre 1991 e Abril de 2018, quando chegaram ao hospital quatro especialistas de Cuba. Posteriormente, chegaram mais quatro.

Além dos casos médicos, uma das coisas que mais os impressionaram foi ver que os andares da ala mais antiga do hospital têm o piso de granito colocado pelos pedreiros cubanos e que continuam a ser usadas as camas enviadas por Cuba há tantos anos.

Ampliado e modernizado, o hospital, onde um busto honra quem inspirou a sua criação, é considerado hoje um dos melhores do seu tipo no país asiático.

Médicos cubanos em Dong Hoi

O director da instituição, Duong Thanh Binh, disse à Prensa Latina que para a população de Quang Binh é «uma grande sorte ser atendida por médicos que vêm de um país com tanto prestígio na área da Medicina».

«Inseriram-se muito rapidamente no ambiente de trabalho do hospital e deram mostras de uma grande atitude profissional no trabalho, uma elevada qualificação e um trato muito amável com os pacientes», referiu.


Para Binh, a presença dos médicos cubanos ajuda-os bastante na formação dos jovens médicos vietnamitas e no desenvolvimento de especialidades de alta tecnologia que a unidade quer promover. «Essas são algumas das razões por que queremos contratar mais profissionais da Ilha», revelou, sublinhando: «Este hospital foi e continua a ser um dos mais preciosos presentes que Fidel Castro e o povo cubano deram ao Vietname.»

Actualmente, há no país do Sudeste Asiático uma dezena de especialistas e técnicos cubanos, mas, de acordo com a vontade dos dois países, esse número deve chegar à centena nos próximos tempos.

«Serão os novos frutos de uma semente plantada há 45 anos num hospital de Dong Hoi» que tem por nome Amizade Vietname-Cuba.

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«Pode dizer-se que já há paz no Vietname? Quy Thi, Van Lai, Dang Nguyen e mais de 62 mil compatriotas mutilados por bombas e minas de então para cá acham que não», nota o jornalista.

De acordo com o Centro de Tecnologia para a Eliminação de Bombas e Minas, mais de 6,5 milhões de hectares, um quinto do território vietnamita, estão contaminados com munições não detonadas, artefactos reconhecidos internacionalmente com a sigla UXO (do inglês unexploded ordnance).

As suas principais vítimas são os camponeses do Centro e do Sul do país, às vezes por tocarem inadvertidamente num artefacto explosivo, outras ao tentarem desmontar o que encontram enquanto trabalham nas suas terras, para depois vender o metal.

A tragédia ainda pode durar, pois, de acordo com as estimativas oficiais mais conservadoras, há pelo menos 800 mil toneladas de bombas não detonadas; outras apontam que um quinto das bombas lançadas pelos aviões norte-americanos ainda não explodiram.

O imperativo de viver

«As minas e bombas que ficaram da guerra impedem-nos de levar uma vida normal, de andar tranquilos por onde quisermos – diz Pham Quy Thi –, mas temos de seguir em frente.»

«Depois de ter recuperado, eu e outros mutilados por bombas e minas começámos a dar palestras às famílias do distrito, para as convencer a abandonar a perigosa ocupação de as recolher. Também criámos organizações para deficientes», diz ao correspondente da Prensa Latina.

Quy Thi casou e teve três filhos. «Todos eles foram para a faculdade e casaram-se. Tenho orgulho deles e agradeço à minha esposa», diz.

Hoje, com 62 anos e com um braço esquerdo que, musculoso, parece ser de uma pessoa com uma constituição mais forte, trabalha na Renew (Renovar). Envolveu-se há dez anos neste projecto que, com apoio financeiro da Noruega, realiza várias acções para enfrentar as sequelas das munições por explodir.

«Como porta-voz da Renew, visitei 30 países para revelar as consequências das UXO no Vietname. Fui vítima de uma bomba de fragmentação e luto pela proibição total dessa arma», refere.

Quang Tri, assinalada no mapa a vermelho, era a província mais a norte do Sul do Vietname e, quase até ao fim da guerra, marcava, com a vizinha província de Quang Binh (a mais a sul do Norte), a «fronteira». Foram dos territórios mais bombardeados pelos Estados Unidos / Wikipedia 

Ho Van Lai também refez a sua vida. «Estudei numa escola para deficientes e, depois, Tecnologia da Informação na Universidade Politécnica de Da Nang», diz. Também apoio o trabalho da Renew, ensinando as crianças a protegerem-se das bombas e minas, para evitar uma tragédia como a minha. Sinto-me uma pessoa útil à comunidade e sonho com um futuro melhor.»

A Renew tem assento no Centro Contra a Acção das Bombas e Minas em Dong Ha, capital de Quang Tri. Há ali uma colecção arrepiante de objectos sobre o tema, revela o jornalista Alberto Salazar.

Na cidade também existe uma fábrica de próteses. No momento da reportagem, Phan Dang Nguyen estava lá a fazer as medidas para que lhe fosse implantada uma nova perna artificial.

«Este serviço é gratuito e, além disso, a autarquia dá-me um subsídio mensal... Não é muito, mas ajuda-me a comprar os medicamentos para aliviar as dores das minhas antigas feridas», diz a sorrir.

Dang Nguyen não quer ser um fardo para a família ou para a sociedade. «Fiz cursos formação profissional para deficientes físicos e ganho a vida como mecânico de motocicletas», explica.

Quang Tri era a província mais a norte do Sul do Vietname e, quase até ao fim da guerra, marcava, com a vizinha província de Quang Binh (a mais a sul do Norte), a «fronteira». Foram dos territórios mais bombardeados pelos Estados Unidos.

Ali, como em quase todo o país, o drama dos mutilados por bombas e minas envolve todos os anos dezenas de outras pessoas que, como Quy Thi, Van Lai e Dang Nguyen, «têm de lutar muito para fazer com que nada lhes mate os sonhos».

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