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Tiago Rodrigues: «O inescapável poder da mudança»

O dramaturgo, encenador e actor cumpria actualmente um terceiro mandato como director artístico do Teatro Nacional D. Maria II, tendo sido escolhido para dirigir o Festival d'Avignon por quatro anos.

A peça, <em>By Heart</em>, em que Tiago Rodrigues ensina um poema a dez pessoas 
CréditosMarie Clauzade

É a crónica de uma nomeação anunciada. «A escolha impôs-se de forma evidente, [...] de forma natural, quase de forma doce», declarou a ministra da Cultura francesa, Roselyne Bachelot-Narquin, no Palácio dos Papas de Avinhão, onde o festival se realiza há 75 edições.

A expectativa em torno da escolha do Prémio Pessoa de 2019 era grande, amplificada pelo facto de ser a nova peça de Tiago Rodrigues, uma adaptação de O Cerejal, de Anton Tchekhov, a estrear o renovado palco do Palácio, que pode receber agora até dois mil espectadores, naquele que é, nas palavras do autor, o «festival mais belo do mundo».

Protagonizada pela actriz francesa Isabelle Huppert, a peça conta no elenco com a portuguesa Isabel Abreu, para além dos músicos Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves, dos Clã. O Cerejal será depois apresentado na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, em Dezembro.

«Sempre olhei para a última peça de Tchekhov como uma obra sobre o fim das coisas, a morte, a despedida. Estava enganado. Hoje, estou certo de que é uma peça sobre a mudança», afirmou o encenador durante a apresentação do espectáculo. Falar da obra «é falar de um tempo em que ocorre uma mutação social ainda invisível mas profunda, um tempo vivido por personagens que não perceberam ainda que o que lhes parece excepcional é apenas a nova normalidade».

O festival desenrola-se até dia 25 e a encenação do director artístico do Teatro Nacional D. Maria II terá mais dez exibições, para lá da estreia, até dia 17 de Julho.

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Tiago Rodrigues revela uma Europa «que ainda se pode ter»

Jovens actores de quatro países europeus apresentam em Coimbra e Lisboa Perigo Feliz – projecto de Tiago Rodrigues, em que o gesto de traduzir é encarado como um acto com significado político.

Ensaio de imprensa do espectáculo «Perigo Feliz»
CréditosPaulo Novais / Agência Lusa

O espectáculo, em criação no contexto do projecto de formação europeu École des Maîtres, junta 16 jovens actores que vivem na Bélgica, Itália, França e Portugal, mas que representam mais nacionalidades e origens – «pelo menos metade são imigrantes ou filhos de imigrantes», refere Tiago Rodrigues.

Num momento em que crescem movimentos de extrema-direita no continente, o encenador português, que dirige este ano o curso, procurou trabalhar a questão da língua e da pluralidade de culturas presentes na Europa, entendendo que o próprio acto de tradução tem um significado político por representar a abertura ao outro, a tentativa de comunicação com o outro.

«Um dos grandes perigos de um continente ou de um país monoglota é o fechamento sobre si próprio, é a defesa de uma espécie de pureza linguística que por vezes corresponde a uma visão de pureza nacionalista perigosa. Aí, não de forma feliz», disse à agência Lusa Tiago Rodrigues.

Estando a trabalhar com actores de diversas nacionalidades e línguas, aquilo que poderia ser visto como um constrangimento acaba aqui por ser usado como «o cerne do trabalho».

«Como é que podemos usar a língua e fazer um teatro onde o texto e a escrita e a relação do actor com as palavras têm um lugar fundamental e a tradução ser um perigo feliz?», vinca Tiago Rodrigues, encarando a tradução como um acto que dá azo ao perigo e ao equívoco, mas que ao mesmo tempo é feliz, «porque exige a invenção, exige esse esforço criativo de quem comunica».

O grupo de actores já apresentou o resultado da formação em Itália, sendo Portugal o segundo país a receber este curso itinerante, onde o espectáculo não tem «um minuto sequer» daquilo que foi apresentado em Roma e Udine, com a criação do texto a ser feita em conjunto entre encenador e actores.

Em Portugal, Perigo Feliz é apresentado amanhã, no Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra), e, no domingo, no Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa).

Uma Europa que quer fechar-se

A história centra-se em torno de 16 crianças que se deparam com um mocho ferido, a morrer, e que têm que decidir em conjunto o que é que deve ser feito. A primeira parte da apresentação é toda falada em português – seja por actores que o falam bem ou por aqueles que não dominam a língua – sendo depois faladas as outras línguas presentes no curso.

Na apresentação de Perigo Feliz, a questão da língua e da tradução poderá surgir por vezes de forma explícita ou implícita, refere Tiago Rodrigues. Mas o público pode encontrar «uma amostra de uma Europa que tem de ser reafirmada e acarinhada, que é a Europa poliglota, multiétnica, confusa, caótica, perigosa no sentido do tal perigo feliz».

«É uma Europa que me interessa muito mais, que eu consigo defender face a uma outra Europa que talvez seja mais dominante hoje, mas menos interessante e menos feliz, que é uma Europa que quer fechar, que não quer receber, que quer ser monoglota», afirma.

Em palco, será possível «olhar para estes 16 actores e estar-se em contacto com uma Europa que ainda se pode ter, uma Europa que ainda pode ser», conclui.

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A entrada em funções concretiza-se no dia 1 de Setembro de 2022, quando substituir no cargo Olivier Py, cuja comissão termina no próximo Verão. Tornar-se-á o primeiro estrangeiro a dirigir este encontro de teatro e artes performativas francês, um dos mais importantes do mundo. Conta abandonar nos próximos meses o cargo que ocupa no Teatro Nacional D. Maria II.

Era também candidato o português José Manuel Gonçalves, director do CentQuatre, centro cultural de teatro e arte contemporânea, em Paris, para além de Claire Lasne Darcueil, director do Conservatório, e Romaric Daurier, director do teatro Phénix, em Valenciennes.

O Festival d'Avignon realiza-se desde 1947, na cidade de Avinhão, no Sul de França. O actor e encenador Jean Vilar dirigiu o festival durante mais de 25 anos, desde a fundação até à sua morte, onde promoveu intensamente a descentralização do teatro das elites para as classes populares.

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