A Assembleia da República vota hoje as alterações à legislação laboral acertadas entre o Governo do PS e as confederações patronais e a UGT, que classificaram como medidas para «combater a precariedade e reduzir a segmentação laboral e promover um maior dinamismo da negociação colectiva».
Só pelo título e a par da propaganda habitual que acompanha os acordos entre patrões e a UGT, com o beneplácito dos governos, o documento até parece que é benéfico para os trabalhadores, isto se nos esquecermos que a sua estrutura de classe, e a mais representativa, a CGTP-IN, recusou assinar. Mesmo assim, convidamos o leitor a ver connosco algumas das medidas e a tirar as suas próprias conclusões.
Contratos de 35 dias para todos
Começamos por uma medida cujo alcance tem passado despercebido: o caso das alterações aos contratos de muita curta duração. A proposta de lei do Governo prevê que a sua duração passe de 15 para 35 dias, até um máximo de 70 por ano, além de alargar a sua aplicação a qualquer sector – anteriormente só podiam ser aplicados na agricultura ou em eventos turísticos até 15 dias. Estes contratos são verbais: não estando escritos, permitem agudizar o atropelo de direitos.
Os novos contratos de muito curta duração, que também estarão ao alcance das empresas de trabalho temporário, seriam mais um instrumento para substituir, com vantagens para o patronato, contratos a termo certo, por serem mais curtos e mais flexíveis. Para o trabalhador, só resultam na redução de direitos, como o acesso ao subsídio de desemprego.
Nova experiência infinita
Ao mesmo tempo que coloca um limite nos contratos a termo até dois anos e elimina a contratação a prazo para jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, o Governo propõe também o alargamento de 90 para 180 dias do período à experiência para estes últimos.
Introduzida a pretexto de promover a contratação sem termo, traduz-se em meio ano de trabalho à experiência. Em vez de impedir eventuais despedimentos, torna-os tão fáceis quanto é possível: sem ser necessária qualquer justificação nem o pagamento de qualquer indemnização.
Como o conceito de primeiro emprego tem sido entendido como um contrato efectivo, a medida permitiria a perpetuação de períodos à experiência para uma grande fatia dos trabalhadores portugueses – anos a fio a trabalhar sem qualquer protecção apesar de, no papel, terem contratos sem termo.
A medida em si não é nova, tendo já em 2008 sido proposta pelo então governo do PS, com o actual ministro Vieira da Silva também na tutela do Trabalho, e que acabou rejeitada pelo Tribunal Constitucional.
Quem quer dar 786 euros ao patrão?
Quanto aos bancos de horas, o Governo quer trocar os que constam do Código do Trabalho por um novo, com regras diferentes. Se a entidade patronal conseguir a aprovação de 65% dos trabalhadores, numa votação que, sendo secreta, não afasta ingerências e pressões por parte das empresas, ganha até duas horas diárias, dez horas semanais e 150 horas por ano de trabalho gratuito.
Segundo cálculos da CGTP-IN, se esta nova modalidade fosse aplicada à generalidade dos trabalhadores, resultaria em mais 786 euros de trabalho não pago por ano, por trabalhador – um total de 2,6 mil milhões de euros que sairiam do bolso dos trabalhadores para o dos patrões.
Contratos a prazo? Quem paga, pode
Uma medida que resulta das negociações entre o BE e o PS é a introdução de uma taxa anual para a Segurança Social sobre as empresas com um número «excessivo» de trabalhadores a termo. A taxa poderá chegar aos 2%, o que desde já é um valor reduzido, levando a que seja apelidada por críticos de uma «taxinha que legitima a precariedade».
Mas a forma como esta será aplicada só torna o cenário mais negro para os direitos dos trabalhadores: incide apenas sobre as empresas com um índice de trabalhadores a termo superior à média de cada sector. Segundo dados do Governo, esta varia entre os 30 a 60%. Quem esteja abaixo ou cumpra a «média de precariedade» segue como até então, além de o Governo já ter afirmado que poderá ser paga em prestações e que as empresas cumpridoras serão recompensadas.
Esta nova contribuição, a ser aprovada, envia uma mensagem clara ao patronato: apesar de a lei definir os casos específicos em que são possíveis contratos precários, estes serão «aceitáveis» até à tal média, mesmo que sejam usados para ocupar postos de trabalho permanente e, portanto, ilegais.
«Via verde» para eliminar direitos mantém-se
No que toca à contratação colectiva, o Governo não repõe o tratamento mais favorável ao trabalhador nem elimina a caducidade, duas das principais reivindicações do movimento sindical. Os sindicatos têm denunciado chantagens e bloqueios das entidades patronais com o intuito de eliminarem os direitos consagrados nos contratos colectivos à boleia destes dois instrumentos.
O acordo prevê apenas alguns contratempos às empresas para a denúncia das convenções, exigindo que tal seja justificada a uma comissão arbitral, seja por motivos de ordem económica ou estrutural. Ainda está por explicar como o Governo pretende estimular a contratação colectiva quando prevê que o mecanismo introduzido para fazê-la cair a pique – a caducidade – se mantenha praticamente inalterado.
Mais meios para fiscalizar, mais buracos por onde escapar
Entre as mais de seis páginas do acordo, estão previstas algumas medidas que vão ao encontro de um eventual reforço dos meios da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT): mais inspectores, com a conclusão dos actuais recrutamentos e a abertura de novos concursos, o reforço de mais meios no terreno, como ainda dos processos contra-ordenacionais e a agilização do tempo de espera.
O reforço de meios da ACT é uma necessidade que tem sido sublinhada, até pelos próprios inspectores da estrutura. No entanto, para além de ser preciso esperar pelo cumprimento do compromisso (e o Governo tem falhado com os seus, pelo menos em relação aos trabalhadores), as rotas abertas com a proposta do Governo são tantas que a fiscalização será muito mais difícil.
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