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|direitos dos trabalhadores

«O assédio laboral é, muitas vezes, uma ferramenta de gestão»

Não sendo explícitos, os comportamentos no assédio laboral muitas vezes não são identificados no imediato, mas são processos de desgaste psicológico usados com frequência pelo patronato.

CréditosNuno Veiga / Agência Lusa

O AbrilAbril conversou com Fátima Messias, que coordena a comissão da igualdade da CGTP-IN, sobre assédio laboral e sexual e a necessidade de se reforçarem os mecanismos de protecção dos trabalhadores contra estas violações aos seus direitos.

Existe uma diferença entre repressão patronal e assédio laboral?

Sim. Muitas vezes a repressão é uma atitude imediata e explícita, ao passo que o assédio se caracteriza por processos mais implícitos e que podem ser  prolongados até serem identificados enquanto tal. É um fenómeno distinto não só no tempo e na forma, como no tratamento de um e de outros, mas ligados por um objectivo comum: oprimir o exercício de direitos, liberdades e garantias individuais ou colectivas. Os comportamentos no assédio muitas vezes não são explícitos, não são até identificados no imediato, mas são processos de desgaste psicológico, aqueles que nós temos vindo a detectar mais.

Nestes casos, o objectivo da entidade patronal é não assumir abertamente que se quer livrar do trabalhador mas fazê-lo de uma forma velada?

Exacto. Esse é um dos principais objectivos, mas não só. Tem também o objectivo de utilizar trabalhadores, por norma bons profissionais, para servir de exemplo a todo um colectivo à sua volta, e não apenas para levar a pessoa a rescindir o contrato. Por exemplo, na administração pública, situações dessas veladas também existem, e têm esse efeito de condicionar comportamentos colectivos, através de atitudes sobre um ou outro alvo, fomentando o medo.

«O assédio é mesmo uma ferramenta de gestão para enquadrar ou levar os trabalhadores a tomarem certo tipo de atitudes, consoante os objectivos que são definidos.»

Se por um lado ainda é muito fácil despedir em Portugal, por outro lado existe legislação que impede os despedimentos e leva as entidades patronais a este tipo de comportamentos abusivos para contornar as limitações?

Sim, nas grandes e médias empresas há esse objectivo, de torturar psicologicamente para levar o indivíduo a ter uma atitude de acordo com os objectivos patronais. Objectivos que têm muito a ver com o condicionamento dessa pessoa ou do colectivo, através de exemplos concretos: medo, ameaça de represálias e outras situações. O assédio é mesmo uma ferramenta de gestão para enquadrar ou levar os trabalhadores ou as trabalhadoras a tomarem certo tipo de atitudes, consoante os objectivos que são definidos.

E outros processos que muitas vezes começam com a tentativa de uma rescisão e depois, caso não haja acordo, se vão desenrolando com sucessivas pressões para tentar ver até onde é que o trabalhador está disposto a ceder?

É o que está a acontecer, por exemplo, na Altice. Esta até é das situações mais detectáveis, que é a violação do direito à ocupação efectiva do posto de trabalho, e já não é a primeira vez que acontece nesta empresa. Os sindicatos denunciaram junto da ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho], há uns anos, um processo de assédio que começou com um núcleo de 40 trabalhadores, transferidos ou ameaçados de transferência numa atitude persecutória, para que fossem eles a tomar a iniciativa de rescindir o contrato. Isso foi mesmo considerado como uma atitude de assédio.

Foi aquela questão da MEO de transmissão…

Sim, na altura chegou a ir a tribunal, foi antes da passagem para a Altice. E na TAP, as pressões para as rescisões, com ameaças de despedimento, acabam também por assumir este tipo de problema. Ou seja, aqui a questão essencial é, através da pressão psicológica exercida, alcançar-se um objectivo, fazer dos trabalhadores os alvos e levá-los a tomar decisões que não são da sua livre vontade. Seja rescindir o contrato, aceitar transferências que lhes são prejudiciais, não exercer direitos, etc.

Isto assume também uma dimensão colectiva fora do trabalho?

Tem uma tripla dimensão. Uma dimensão muitas vezes individual sobre a própria pessoa e uma dimensão colectiva, porque acaba por ter efeito no colectivo de trabalhadores à sua volta, mesmo que sejam de outro sectores. Tem também a dimensão da família e dos amigos porque as pessoas transportam os problemas da família para o trabalho e do trabalho para a família. Tudo isto tem, portanto, uma tripla dimensão, e ocasiona problemas de saúde graves.

E nota-se alguma diferença relativamente à organização dos trabalhadores, quando estes casos são vividos de forma isolada, como é o caso de Cristina Tavares, ou quando são vividos por um colectivo de trabalhadores?

Quando é uma trabalhadora sozinha, contra uma administração ou direcção, é um combate desigual e sempre desfavorável à trabalhadora, não há volta a dar. Por isso, consideramos que mesmo casos individuais de assédio devem ser transformados em causa colectivas. Pode até não haver de imediato, como no caso da Cristina, uma atitude de solidariedade entre trabalhadores. Ali os patrões conseguiram até organizar quase que uma concentração de colegas contra ela, e essa parte, sim, é repressão pura e simples, foram coagidos a fazer aquilo, receberam ordens.

Daí a importância da discussão do tratamento mais favorável ao trabalhador, que estabelece que a lei não é neutra do ponto de vista de legislação laboral?

Exactamente, as leis do trabalho e as inspecções do trabalho não existem para ser neutras, existem para defender o lado mais fraco.

«Se a ACT não actuar de acordo com as suas responsabilidades, o trabalhador fica com a ideia de que está sozinho, e que não há entidade que o defenda.»

E os meios e orientações sobre a forma de actuar da ACT, também são elementos decisivos para estes casos?

Sim. E, no caso da Cristina, a ACT teve um comportamento correcto, mas não diríamos exemplar. Infelizmente tornou-se exemplar porque nem todas as delegações da inspecção de trabalho têm esta atitude, de exercer a sua missão, a sua competência, que é fazer cumprir a lei e defender a parte mais fraca. 

Se a ACT não actuar de acordo com as suas responsabilidades, o trabalhador fica com a ideia de que está sozinho, e que não há entidade que o defenda porque, durante todo o tempo do processo, a pessoa continua a ser vítima, sem reconhecimento nem protecção, a não ser do sindicato e da força colectiva da luta que se gera.

«Mas, nalguns casos, há situações de assédio sexual, ou seja de comportamentos de carácter sexual, que se podem transformar em assédio moral, como retaliação.»

Mas, para além de as orientações da ACT terem de ser muito mais direccionadas para a verdadeira fiscalização e protecção do trabalhador, precisamos de alterações legislativas. E estas, o Governo actual e os anteriores nunca as quiseram fazer, que é alterar a inversão do ónus da prova para todos o tipo de assédios, ou seja, quem se queixa é a vítima e quem é acusado é que tem de provar que não é assediador.

A questão da prova é uma das matérias mais fulcrais do assédio. Enquanto na repressão, uma empresa levanta um processo disciplinar, suspende um trabalhador ou levanta um processo para despedimento, no assédio muitas vezes a prova não é fácil de fazer, é invisível. A inversão do ónus da prova é uma marca ideológica. Depois a outra matéria é de facto a criminalização do assédio. Isso dava-lhe uma moldura penal pesada que levaria com certeza a servir de dissuasor das práticas.

Outro fenómeno que está na ordem do dia é o assédio sexual no trabalho, onde jogam também relações de poder. Mas nestes casos não se trata de uma perseguição com vista a que a pessoa deixe de trabalhar naquele local, certo?

Sim, esse fenómeno existe em todo o lado, não só nos contextos com maior eco mediático. Mas muitas vezes o objectivo do agressor não é ver-se livre da vítima. É, sim, tentar exercer o seu poder para concretizar intenções no foro sexual. No fim de contas, abusar da relação laboral que é uma relação de poder para ter comportamentos inaceitáveis, porque não são comportamentos em que duas pessoas escolhem livremente o que querem. Por vezes não são tão conhecidos, são ultrapassados, nem sempre são contados, quando de facto há condições da própria pessoa vítima de assédio sexual colocar um travão a esse tipo de comportamentos. Mas, nalguns casos, há situações de assédio sexual, ou seja de comportamentos de carácter sexual, que se podem transformar em assédio moral, como retaliação. Depois de tanta pressão, não havendo resposta positiva, pode a pessoa que exerce o assédio sexual também exercer uma pressão psicológica para castigar, para levar a vítima a sair. 

«Ao nível de certas profissões com vínculos precários, o assédio tem tendência a ser ainda maior.»

Naqueles casos divulgados no mundo da televisão, primeiro houve rejeção de uma investida nesse sentido e só depois deixaram de poder trabalhar e viram recusados papéis. Aí já é um assédio moral?

Exactamente, pode terminar ou transformar-se noutro tipo de assédio e perseguição. E aqui entra uma questão de fundo que tem também a ver com os vínculos laborais precários. Ou seja, ao nível de certas profissões com vínculos precários, o assédio tem tendência a ser ainda maior. Isto vale, por exemplo, para os call-centers e para outras situações como as plataformas digitais. Todas estas «novas» formas de relacionamento de vínculos laborais, mais não são do que processos agravados de precariedade, através dos quais também se estabelecem forma de pressão e de assédio. O facto de o sector da cultura e das artes ser também um sector muito precarizado, onde muitas vezes não há contratos de trabalho e os trabalhadores estão dependentes dos convites que lhes são feitos, potencia situações quer de assédio sexual, quer de assédio moral.

«A mulher ainda é, sem dúvida, globalmente mais discriminada que o homem.»

O assédio sexual também é uma expressão de questões de desigualdade, ainda estruturais na nossa sociedade. Não está desligado das desigualdades salariais ou de as mulheres serem penalizadas porque tiram mais dias de acompanhamento à família.. são questões que têm que ver com o papel da mulher na sociedade.

Isso ainda está interiorizado. São as tais discriminações em função do sexo. Porque nós ainda vivemos – aliás, ainda vivemos e estamos em riscos de regredir – numa sociedade que atribui à mulher um determinado papel em termos gerais. Obviamente que houve progressos, na vida e depois na lei, e nalguns casos mais na lei do que na vida, porque vemos alguns aspectos em que essa evolução, na prática, não está consolidada. Depois, isto é tudo um ciclo, se as mulheres ganham menos, são elas que se ausentam mais porque em casa o salários delas é mais baixo, perde-se menos dinheiro no rendimento global familiar, por exemplo. E há fenómenos novos, como no caso das famílias monoparentais, maioritariamente constituídas por mulheres, em que elas sofrem também essa maior fragilização. A mulher ainda é, sem dúvida, globalmente mais discriminada que o homem.

«As primeiras batalhas são as mais duras, porque são estranhas à opinião pública, mas quando elas se tornam mais conhecidas, então os anti-corpos desenvolvem-se.»

Os sindicatos desempenham, nestes casos, um papel determinante, e permitem que exemplos como o da Cristina Tavares cheguem a outros trabalhadores?

Sim, é muito importante que os sindicatos tomem nas suas mãos a defesa destes processos, e isso também é um desafio, desde logo de natureza político-sindical numa vertente psicológica. Quando se acompanha um ou vários processo de assédio, temos de dar tempo das nossas vidas para isto, temos que entrar nisto, temos que acompanhar a toda a hora, ser confidentes, amigos e psicólogos destes trabalhadores e trabalhadoras, que estão debilitados, têm de ter família que os acolha e nós também temos de fazer parte desse grupo de pessoas que integram uma luta comum. Depois, quando estes processos chegam aos contenciosos sindicais, são precisos advogados sindicais preparados para situações muito difíceis em que não há matéria de facto. Aquilo com que os advogados normalmente trabalham é com matéria de facto, se houver repressão numa empresa, um processo de despedimento, com notas de culpa... No caso do assédio não há um processo disciplinar, há uma atitude, um comportamento, precisamos de provas.

As primeiras batalhas são as mais duras, porque são estranhas à opinião pública, mas quando elas se tornam mais conhecidas, então os anti-corpos desenvolvem-se.

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