Trabalhadores na maior fábrica de processamento de algodão do Benim denunciam que foram fechados dentro da unidade fabril e que foram obrigados a fazer horas extra para poderem sair do local. Esta realidade chocante não ocorreu numa pequena fábrica, mas no coração da Zona Industrial Glo-Djigbé (conhecida pela sigla GDIZ, em inglês), o maior projecto industrial do país da África Ocidental, lançado em 2020.
Localizada a 45 quilómetros de Cotonou, a maior cidade e motor económico do Benim, a GDIZ é um vasto complexo industrial, fruto de uma parceria entre o governo do país e a empresa Arise IIP, criada pelo magnata indiano Gagan Gupta, antigo executivo do gigante do agronegócio mundial Olam.
De acordo com números da empresa, o complexo, que foi promovido como um motor da «transformação industrial», processa anualmente cerca de 40 mil toneladas de algodão e produz entre sete e dez milhões de peças de vestuário.
Fechados até à 1h45 da madrugada
O episódio ocorreu a 9 de Maio deste ano. Quase cinco meses depois, o Brasil de Fato conversou com alguns dos trabalhadores que participaram num protesto depois de terem sido trancados na fábrica. Eles ainda trabalham no complexo e não quiseram ser identificados.
«Era o turno das 15h às 23h45. Acabámos de trabalhar às 23h45, queríamos voltar para casa, mas os gerentes disseram que tínhamos de fazer mais duas horas antes de poder sair, o que significava que só podíamos sair à 1h45 da manhã. Não há segurança na estrada àquela hora. As famílias nem sequer foram informadas que voltaríamos tão tarde», disse um dos operários.
«Então, quando os colegas se recusaram a fazer horas extra, a empresa mandou a segurança bloquear o portão, afirmando que todos deviam fazer horas extra, que era uma questão urgente e obrigatória», acrescentou.
«Quando a mão-de-obra é escrava, o país não ganha nada»
O presidente Patrice Talon promoveu a criação do parque industrial como forma de transformar o «ouro branco» do país localmente, criando empregos e acrescentando valor à exportação de roupas 100% beninenses.
O Benim, que compete com o Mali pelo título de maior produtor de algodão de África, exporta sobretudo fibras brutas para processamento no estrangeiro, para países como o Bangladesh e a China.
De acordo com dados do Programa Regional para a Produção Integrada de Algodão em África, o Benim deverá produzir 669 mil toneladas de algodão durante a temporada de 2024-2025.
No entanto, essa «revolução industrial» é contestada por Nagnini Kassa Mampo, secretário-geral da Confederação Sindical dos Trabalhadores do Benim.
«Talon criou a zona industrial de Glo-Djigbé para as empresas estrangeiras. A maior parte da produção é para exportação, não para o Benim. Ele criou condições para favorecer essas empresas, que certamente vão fazer concorrência desleal nos seus países, porque aqui têm mão-de-obra quase gratuita, a 52 mil francos CFA [79 euros]», denunciou o dirigente sindical.
«Isto não é a industrialização do país. Verdadeira industrialização significa que as indústrias pertencem ao país e servem o país. O que existe aqui é uma mão-de-obra escrava e, quando a mão-de-obra é escrava, o país não ganha nada», sublinhou.
Salário baixo e calor extremo
Um outro trabalhador, pai de dois filhos, juntou-se à GDIZ atraído pela promessa de um salário mensal de 100 mil francos CFA. Hoje, recebe 52 mil francos, que quase não dão para cobrir duas semanas.
«Só a renda da casa ronda os 32 euros. Com dois filhos, não consigo fazer frente a despesas básicas, como alimentação e renda», disse ao Brasil de Fato.
«Produzimos entre mil e 1200 peças de roupa por dia. Num turno de oito horas, podemos produzir 700, 800 ou até 900 polos por dia. E ainda nos obrigam a ir mais além, a esforçarmo-nos todos os dias para melhorar a produção», lamentou.
«O salário é insuficiente, as condições são miseráveis. Depois de entrarmos, não conseguimos sair, mesmo numa emergência; mesmo quando ligamos a dizer que há uma emergência em casa, não é fácil sair. Nós não estamos num campo militar, mas tratam-nos como se estivéssemos», alertou.
Um outro trabalhador descreveu as condições miseráveis de trabalho, destacando o calor extremo e a falta de cuidados de saúde. «Colocam dois ventiladores para cerca de 50 pessoas. Com as máquinas ligadas, é um calor terrível, um calor que pode matar as pessoas. Há pessoas que desmaiam ou desistem por causa do calor», relatou.
«Há pessoas a desistir todos os dias. Há novos recrutamentos todos os dias. Se saíres, alguém te vem substituir, porque no Benim a juventude sofre. Muitos não têm nada para comer», denunciou.
O protesto realizado em Maio sobre o encerramento de trabalhadores foi exposto num vídeo publicado na página do jornal La Flamme, ligado ao Partido Comunista do Benim.
De acordo com os trabalhadores ouvidos pela reportagem sob anonimato, os dois trabalhadores que aparecem no vídeo a denunciar a situação foram despedidos alguns dias depois.
A Confederação Sindical dos Trabalhadores do Benim afirma que a supressão de liberdades democráticas e a perseguição de opositores é a tónica da governação do actual líder do país.
«A vida tornou-se insuportável. A vida é cara, as pessoas estão a morrer de fome e quem protesta sofre repressão e vai parar à cadeia», lamentou Nagnini Kassa Mampo.
Talon, magnata do algodão que se tornou presidente
Patrice Talon está no poder desde 2016 e é considerado o homem mais rico do país africano, com uma fortuna estimada em 400 milhões de dólares, construída precisamente no sector do algodão.
A sua ascensão começou nos anos 1990, durante as reformas de liberalização económica recomendadas pelo Banco Mundial, com Talon a adquirir três fábricas de descaroçamento do produto no país.
Depois da eleição presidencial de Thomas Yayi Boni, um banqueiro de orientação pró-mercado, em 2006, a influência do magnata e actual presidente na economia do país africano aumentou. Em 2008, Talon expandiu o seu império com a privatização da Sonapra, passando a ser o dono de 15 das 18 unidades de processamento existentes no país.
«Tiraram as fábricas ao Estado e entregaram-lhas. Foi assim que ele enriqueceu e se tornou bilionário», disse Mampo. «Hoje, enquanto presidente, controla tanto o sector privado como o público, continuando a enriquecer com o monopólio. Ele diz que já não é o chefe, quando na verdade ainda o é, porque deu as coisas aos seus amigos e familiares, pessoas que trabalham para ele», explicou.
Talon é um aliado próximo do presidente francês, Emmanuel Macron, que visitou Cotonou em 2022 e enalteceu o projecto GDIZ, tal como se pode verificar na página oficial do centro de processamento.
«O projecto da GDIZ está a posicionar o Benim no caminho para uma economia industrial e de transformação», disse Macron, que classificou o projecto como um modelo para África, sem qualquer alusão às condições de trabalho e salários.
Expandindo o modelo por África
O grupo Arise IIP já detém projectos industriais semelhantes em 14 países do continente africano. Em Setembro de 2024, o Vision Invest, grupo de investimento do governo da Arábia Saudita, anunciou uma injecção de 700 milhões de dólares no Arise IIP para expandir estes modelos de parques industriais por todo o continente.
No entanto, há vozes críticas a denunciar que este modelo se assemelha a uma nova forma de colonialismo. No Chade, agricultores e dirigentes sindicais acusam a Arise de apropriação deliberada de terras, corrupção e subornos às autoridades administrativas.
Em 2023, uma investigação do jornal L'Humanité apontou as práticas da empresa como «emblemáticas da predação capitalista», envolvendo espoliação dos camponeses, negócios escuros e cumplicidade de alto nível, com «ministros interessados, CEO todo-poderosos, personalidades francesas e até mesmo… um bispo incorruptível».
O fundador do grupo, Gagan Gupta, tem ligações de longa data ao gigante do agronegócio Olam e opera agora através do seu próprio fundo de investimento, com sede em Abu Dhabi.
Em 2022, Gupta assinou um negócio com o Chade no valor de 763 milhões de euros para ali criar uma empresa de processamento de carne, a Laham Tchad, que a população acusa de ter sido construída em terras expropriadas.
«Não trabalhamos para o Benim»
Para os trabalhadores no GDIZ, em Cotonou, as contradições colocadas pelo modelo do grupo Arise IIP são claras.
«Não trabalhamos para o Benim. Trabalhamos para os estrangeiros. Eles lucram e nós passamos fome. Se quisessem mesmo industrializar este país, também iriam melhorar as nossas condições de vida, para podermos dar de comer às nossas famílias. É isso que pedimos», declarou um trabalhador.
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