Ano após ano, os incêndios continuam a preencher a atualidade mediática durante o verão. Com a sua habitual superficialidade, a comunicação social dominante vai repartindo culpas, ora nas alterações climáticas, ora em supostos incendiários que continuam impunes. Não faltam sequer as rondas por outros países vizinhos vítimas do mesmo flagelo, para anestesiar qualquer análise crítica da situação portuguesa. Contudo, os números não deixam margem para dúvidas. Portugal, em matéria de incêndios, apresenta um registo aterrador face aos restantes países europeus e a culpa não pode apenas ser atribuída ao clima. Outras razões mais profundas, relacionadas com a forma como a Política Agrícola Comum (PAC) dizimou a nossa agricultura, deveriam suscitar uma profunda reflexão, sob pena de perpetuarmos este drama. Infelizmente, os números mais recentes sobre a aplicação dos apoios da PAC em Portugal demonstram que, mesmo com as novas regras, a situação mantém-se, penalizando os pequenos e médios agricultores das regiões mais afetadas pelos incêndios.
Os incêndios de 2025 confirmam mais uma vez o lugar de Portugal na cauda da Europa em área ardida proporcional à sua dimensão (Figura 1). Os dados do EFFIS [Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais, EFFIS na sigla em inglês] mostram que o país lidera em 2025 os piores indicadores, com a maior área ardida relativa da União Europeia (cerca de 3%). Contudo, não se trata de um mero registo pontual. Trata-se de uma tendência estrutural. Se olharmos para trás, desde 2006 (Figura 1) verificamos que a situação de Portugal é catastrófica com uma média proporcional de área ardida que é quase três vezes superior à Grécia, cinco vezes superior a Itália e seis vezes superior a Espanha! Cada verão acrescenta novas cicatrizes, confirmando a fragilidade estrutural do nosso território perante o fogo. Contudo, a sucessão de grandes incêndios não é uma fatalidade: resulta de décadas de políticas que deixaram o mundo rural ao abandono.
Os especialistas falam hoje de «incêndios de 5.ª geração» caracterizados por dimensões extremas, comportamentos imprevisíveis e grande velocidade de propagação, tornando o seu combate praticamente impossível e obrigando à concentração de meios na defesa de populações e infraestruturas. Estes fenómenos extremos alimentam-se da acumulação de biomassa e da incúria de sucessivos governos que promoveram a desertificação do mundo rural. Desde a adesão à União Europeia desapareceram mais de 350 mil explorações agrícolas. Cada exploração que fecha representa campos deixados por cultivar, lameiros por limpar, matas sem gestão e acumulação de massa combustível pronta a arder.
Apesar das pungentes proclamações sobre sustentabilidade e equidade, os primeiros dados da reformada PAC pós-2023 mostram que nada mudou. A profunda iniquidade da distribuição dos apoios mantém uma gritante concentração no Alentejo, deixando à míngua as restantes regiões onde se concentram a maioria dos agricultores. A Figura 2 é eloquente na medida em que ilustra a distribuição dos apoios do primeiro pilar com as novas regras saídas da última reforma da PAC onde a Comissão Europeia prometeu uma maior equidade. O Alentejo, com 16% dos beneficiários, recebe quase 70% dos apoios. Com este quadro, é natural que outras regiões, tal como a Região Centro, continue a perder explorações reforçando as causas dos incêndios que tanto preocupam o poder político nesta altura do ano…
Falar de incêndios em Portugal é falar de um modelo de desenvolvimento que empurra o país para o desastre. Ao favorecer grandes explorações industriais e ao abandonar a pequena agricultura, o Estado português e a União Europeia criaram as condições para a proliferação de incêndios de 5.ª geração. É uma política criminosa, um verdadeiro genocídio social do mundo rural, que se traduz na destruição anual de milhares de hectares, no empobrecimento das populações e na perda irreversível do nosso património natural. Enquanto não se inverter esta trajetória, apoiando a pequena e média agricultura, valorizando o trabalho dos que cuidam da terra e distribuindo de forma justa os recursos da PAC, Portugal continuará a ser o campeão europeu da área ardida.
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