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Roman Abramovich e a sua loja na Rua do Benformoso

Roman Arkadyevich Abramovich ocupa o 311.º lugar na lista de bilionários da Forbes. Nascido na Rússia, em 2018 tornou-se israelita, encontrou ascendência sefardita da comunidade judaica de Hamburgo e, em 2021, conseguiu ser português também. O seu nome está associado a diversos crimes, mas a direita nunca se incomodou.

Coberta em neblina, a ascensão de Roman Abramovich a bilionário foi sempre motivo para especulação. Com uma fortuna estimada em 9,2 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes este ano, o ex-dono do Chelsea F.C. nasceu em Saratov, tendo uma mãe que era professora de música e um pai que trabalhava no conselho económico da República Autônoma de Komi. 

A acumulação de riqueza de Abramovich coincide com o fim da União Soviética e a consequente criação de oligarquias que rapinaram os diversos sectores estratégicos que até então eram detidos pelo Estado. Juntamente com Boris Berezovsky adquiriu a gigante petrolífera Sibneft em 1995 por cerca de 250 milhões de dólares. Por volta da mesma altura é acusado de ter participado na chamada «Guerra do Alumínio» que envolveu assassinatos de empresários, directores de fábricas e intermediários, suborno de juízes e funcionários públicos, ameaças, extorsões e recurso a milícias armadas para o controlo de fábricas de alumínio. 

Com a vitória na dita «guerra», Abramovich alcançou parcerias com empresas estrangeiras, estabeleceu estruturas complexas de offshores, investiu em várias centrais de alumínio na Sibéria e nos Urais, e fundou a RUSAL, actualmente a segunda maior empresa de alumínio do mundo em produção primária.

Começaram-se a multiplicar as acusações de práticas criminosas: na aquisição da petrolífera Sibneft, foi acusado de corrupção, favorecimento político, fraude; com a mesma empresa foi acusado de coerção e intimidação para forçar Berezovsky a vender a sua participação na empresa de petróleo; na «guerra do alumínio» foi acusado de associação criminosa a grupos mafiosos, uso de ameaças, lavagem de dinheiro; e no meio de tudo foi ainda acusado de recorrer a empresas offshore para ocultar património e fugir aos impostos.  

Ficando próximo de Ieltsin, e depois de Putin, internamente gozou sempre de uma proximidade junto ao poder político que lhe facilitou a vida. A passagem da Rússia para um sistema capitalista trouxe consigo todas as práticas comuns desse sistema económico, ou seja, a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. No entanto, as acusações extravasam as fronteiras desse país. 

O milionário russo, de acordo com uma lista elaborada pela Forbes, ocupa o 311.º lugar na lista de bilionários. De forma a proteger a sua fortuna, aumentar a sua mobilidade internacional, beneficiar dos sistemas fiscais de vários países e minimizar riscos políticos e legais, em 2018 Roman Abramovich adquiriu a nacionalidade israelita, através da Lei do Retorno. Como se isso não fosse suficiente, encontrou ascendência sefardita da comunidade judaica de Hamburgo e, em 2021, conseguiu também a nacionalidade portuguesa, por via da Lei dos Sefarditas. Para pessoas como Abramovich, Portugal é um paraíso, pois é membro da União Europeia e tem um regime fiscal para residentes não habituais apetecível para quem tem um património quase incalculável. 

Em 2022, o rabino Daniel Litvak, líder religioso da Comunidade Judaica do Porto, foi detido pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação a vários processos sobre a obtenção de nacionalidade portuguesa por judeus sefarditas. Litvak é suspeito de ter sido corrompido em dezenas de processos de naturalizações, tendo mais de três milhões de euros depositados em contas bancárias em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em Israel. Foi este rabino que atestou a veracidade da ascendência de Abramovich e, apesar do Ministério Público português ter aberto uma investigação por fraude documental, o milionário não foi formalmente acusado.

A narrativa não assenta na realidade 

Ao contrário do que diz o título deste editorial, Roman Abramovich não tem uma loja na Rua do Benformoso, em Lisboa, e é precisamente esse facto que leva ao silêncio da direita e da extrema-direita. Os mesmos que gritam aos sete ventos uma retórica anti-migração, associando fluxos migratórios a sensações e criminalidade, são os mesmos que, por opção de classe, ficaram calados ante o facto de um milionário russo, suspeito de vários crimes, ter obtido nacionalidade portuguesa. 

Disse António Leitão Amaro que as mudanças propostas pelo Governo à Lei da Nacionalidade decorrem porque «há alterações na lei e na realidade da nacionalidade». O que o ministro da Presidência de Portugal não disse é que de todos os «novos portugueses», 40% são descendentes de judeus sefarditas, conforme noticiou o Expresso na passada semana. 

É certo que nas alterações à Lei da Nacionalidade extingue-se o regime extraordinário de naturalização dos judeus sefarditas portugueses, mas o Governo salvaguarda os interesses de pessoas como Roman Abramovich, mantendo os vistos gold ou garantindo vistos para entrada sem contrato ou promessa de trabalho apenas para pessoas «altamente qualificadas». 

Acresce a proposta de se exigir o conhecimento da língua e da cultura portuguesas ou o conhecimento suficiente dos deveres e direitos dos cidadãos portugueses e da organização política do País, comprovado através de testes. Talvez Roman Abramovich tenha aprendido português quando era o patrão de José Mourinho, e talvez este lhe tenha ensinado que as eleições legislativas servem para eleger deputados por círculos eleitorais e não um primeiro-ministro, como a AD quis vender durante a campanha eleitoral. 

Propositadamente, o Executivo procurou associar a questão da imigração à questão da nacionalidade. Sabe que está criado um caldo mediático que apaga do escrutínio público as consequências das suas políticas. Sabe que, ao falar de imigração, não se fala da grávida que perdeu o bebé porque a urgência de obstetrícia do Hospital Garcia de Orta estava encerrada e não tinha dinheiro para pagar um transporte para ir para o Hospital de Santa Maria. Sabe que tem no Chega e na Iniciativa Liberal os aliados para falar de imigração e esconder o facto de o Estado ter perdido bem mais de seis mil milhões no resgate ao BES.

A narrativa do Governo não assenta na realidade, mas o Governo sabe. A associação da imigração à criminalidade penaliza somente quem vive do seu trabalho. Não penaliza pessoas como Roman Abramovich.

O perigoso caminho escolhido pela AD reflecte-se na cada vez maior radicalização do Chega

Na passada semana, Rita Matias e André Ventura desceram a um patamar abaixo do rasteiro. O Chega percebeu que tem no Governo o garante que a sua agenda anti-imigração tem cobro e, instrumentalizando problemas concretos, procura cada vez mais instigar o ódio contra os imigrantes. 

O ódio não é vazio. Tem um propósito claro e nunca foi o «Portugal aos portugueses». O Chega, assim como o Governo, sabe que a imigração não desaparece. Enquanto fenómeno económico, a imigração advém de necessidades económicas e, por mais obstáculos que sejam criados, os imigrantes não desaparecem. O objectivo da extrema-direita não é dificultar a entrada de trabalhadores em Portugal. O objectivo é garantir que estes não têm direitos e, ocupando os mesmos postos de trabalho que ocupariam se estivesse regularizados, facilitar a exploração destes. Um trabalhador sem direitos é mais facilmente explorado. 

Acontece que o Chega precisa de apoio para alcançar os seus propósitos e desta vez, os seus militantes, começaram a expor nomes de crianças que se encontram em creches públicas para dizer que estas estão a roubar o lugar a crianças «portuguesas». Rita Matias e André Ventura pegaram na deficiente rede pública de creches para veicular ódio contra imigrantes, contra crianças. 

O que não disseram é que em Setembro de 2024, chegou à Assembleia da República uma proposta para a «criação de uma rede pública que permita assegurar as 100 mil vagas que se estima estarem em falta, assegurando a universalidade da resposta de creche em Portugal e garantindo condições de igualdade a todas as crianças independentemente das suas condições socio-económicas». A proposta foi rejeitada com os votos contra de PSD, PS e CDS-PP, e a abstenção do Chega e da IL. 

O Chega omite a sua responsabilidade, tal como não diz que em 2024 houve creches privadas a ameaçar abandonar o programa de gratuitidade criado pelo Governo, alegando que o valor pago pelo Estado não chega para cobrir os custos. Os pais que precisam urgentemente de uma vaga para os seus filhos estão à mercê do oportunismo dos privados.  

O Governo, o Chega ou a IL que têm sido vocais na agenda anti-imigração culpam os imigrantes de tudo, mas somente os trabalhadores. É quase como se fossem esses imigrantes os responsáveis pelo desinvestimento nas funções sociais do Estado. O racismo e a xenofobia esbarram imediatamente na questão de classe, porque caso o imigrante tenha milhões na conta bancária, a berraria passa a silêncio. 

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