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A TTT e o Plano Ferroviário Nacional

Uma das características do Plano Ferroviário Nacional (PFN) é ele estar em completa contradição com vários aspectos da política concreta realizada pelo Governo que o propõe.

Créditos / noticiasaominuto.com

Por contraditório que possa parecer, essa é uma das marcas de seriedade deste PFN. A Terceira Travessia do Tejo (TTT) é um dos exemplos dessa contradição.

O PFN considera-a – e muito bem – como um elemento verdadeiramente essencial da futura rede ferroviária nacional. Vamos tentar listar o conjunto de argumentos – completamente esmagador – que apontam para a necessidade dessa ligação, segundo o PFN:

–  Para o tráfego de mercadorias de e para Lisboa: A TTT «...irá eliminar os constrangimentos de capacidade e limitação do peso dos comboios que fazem com que o tráfego de mercadorias na Ponte 25 de Abril seja quase inexistente. Isto facilitará a circulação de mercadorias entre as margens do Rio Tejo que, atualmente, teriam de circular pela Linha de Vendas Novas, além de criar uma redundância face a interrupções imprevistas desta linha.» Pode ler-se na página 16.

– Para a ligação do Alentejo e do Algarve a Lisboa e ao País: «O investimento com maior impacto positivo nas ligações de Lisboa ao Alentejo e Algarve é a construção de uma nova travessia ferroviária do Tejo em Lisboa. Trata-se, porventura, da peça mais importante em falta na rede ferroviária nacional, já que é aquela que permite atenuar o efeito do Rio Tejo como principal obstáculo à mobilidade entre todo o Sul e Lisboa, sem esquecer o Centro e Norte do País. Sendo um investimento localizado na capital, tem um grande efeito na coesão territorial do país como um todo.» «Com a nova travessia, este tempo [actual tempo de trajecto entre Lisboa Oriente e a estação do Pinhal Novo nunca é inferior a 42 minutos] encurta-se para cerca de 15 minutos, o que significa encurtar em cerca de 30 minutos todas as ligações de Lisboa ao Alentejo e ao Algarve, bem como aumentos de frequência dos serviços.» Lê-se na página 39.

«O PFN considera-a [a Terceira Travessia do Tejo] – e muito bem – como um elemento verdadeiramente essencial da futura rede ferroviária nacional.»

– Para novos serviços para o Alentejo e Algarve. «Com a reabertura da Linha do Alentejo entre Beja e Ourique... e com a nova travessia do Tejo, torna-se possível que alguns dos serviços Intercidades entre Lisboa e o Algarve circulem por Beja ou, equivalentemente, considerar o prolongamento dos Intercidades Lisboa – Beja até Faro, sem penalizar demasiado o tempo de viagem entre os extremos. Assim, colocam-se as duas cidades no mesmo eixo ferroviário, concentrando tráfegos e permitindo a acessibilidade entre elas. O tempo de viagem será semelhante ao que existe atualmente nos Intercidades da Linha do Sul. Desta forma, fecha-se mais um anel na rede ferroviária nacional.» «Já na Linha do Sul, os ganhos de tempo resultantes da nova ponte permitem retomar o serviço a Alcácer do Sal sem comprometer o tempo de viagem total.» Lê-se na página 40. Na página seguinte e na 43, o plano ainda aponta para a evolução nos tempos de viagem que a TTT permitiria. Partindo de Lisboa Oriente: para Faro com três paragens (de 3 horas para 2h25); para Faro com nove paragens (3h28 para 2h55); para Beja, das 2h16 para as 1h25; apontando para 3h30 a ligação Lisboa-Faro via Beja; para Évora (1h33 para 1h02); para Badajoz (3h50 para 1h20). «Com a construção da nova ponte sobre o Tejo, combinada com a eletrificação da Linha do Leste, a ligação ferroviária de Lisboa a Portalegre torna-se competitiva com o automóvel, igualando o seu tempo de viagem de cerca de 2h15.»

– Para as ligações Internacionais: «Os serviços internacionais para Madrid também serão muito beneficiados com a construção da nova travessia do Tejo, passando a permitir um tempo de viagem de 1h20 entre Lisboa e Badajoz. Contando que, nesta fase, já estará completa a LAV entre Badajoz e Madrid, o tempo de viagem total entre as capitais deverá ficar claramente abaixo das 4 horas, num patamar que já se começa a tornar competitivo com o transporte aéreo.»

– Para a Área Metropolitana de Lisboa: A TTT «...tem, além dessa, uma enorme importância para a estruturação da mobilidade na AML.» Lê-se na página 54. «...com a nova ponte, será criado um eixo diametral Sintra – Setúbal, combinando as atuais Linhas de Sintra e do Sado». Com um tempo entre Lisboa Oriente e o Pinhal Novo de 15 minutos em vez dos actuais 42.

– Está tudo estudado há muito. «O desenvolvimento da nova travessia ferroviária do Tejo já foi extensivamente estudado, estando consolidada a opção por um alinhamento entre Chelas, na margem Norte, e o Barreiro, na margem Sul...» Lê-se na página 39.

«Mais, é o mesmo ministro que detém a pasta das Infraestruturas há tempo suficiente para ter avançado com a TTT, que está amplamente consensualizada no País e na Área Metropolitana de Lisboa, mas depois nunca avança.»

Cita-se o muito que está no Plano Ferroviário Nacional sobre a TTT não porque se esteja de acordo com tudo o citado (apesar de se estar de acordo com a maioria), mas exactamente para ilustrar a contradição que de seguida se aponta.

É que o ministro que apresenta este Plano é exactamente o mesmo que tem andado a colocar o custo da TTT como custo da opção Campo de Tiro de Alcochete para o novo aeroporto de Lisboa. Ora a TTT, como o próprio Ministério acaba de demonstrar neste PFN, é um elemento estruturante para a evolução da rede ferroviária nacional, já devia estar feita há muitos anos, e até se pode dizer que, se não está feita, é exactamente porque, se a TTT tivesse avançado, já não haveria esse argumento para não construir o aeroporto nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete, e a multinacional Vinci não quer abandonar a Portela.

Mais, é o mesmo ministro que detém a pasta das Infraestruturas há tempo suficiente para ter avançado com a TTT, que está amplamente consensualizada no País e na Área Metropolitana de Lisboa, mas depois nunca avança.

Aliás, o facto de este PFN ser completamente indiferente às decisões sobre o Aeroporto de Lisboa também é particularmente significativo. Não há uma palavra sobre o mesmo. Mas, já agora, é uma evidência que, se se implementar a solução que melhor serve o interesse nacional – a construção faseada de um novo aeroporto nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete e o progressivo encerramento da Portela –, a TTT dará um contributo decisivo para uma ligação adequada do aeroporto à cidade de Lisboa e à Rede Ferroviária Nacional.

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Da distância entre as promessas e as práticas na ferrovia

O João Pimenta Lopes está a demonstrar o que – na prática – significou o Ano Europeu da Ferrovia e todo o processo de liberalização do sector ferroviário. São 57 horas para ir de Lisboa a Estrasburgo de comboio, em vez das 22 horas necessárias há uns anos.

A população não aceita a supressão dos dois horários
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Mais que uma boa iniciativa política (daquelas que toda a gente jura que o PCP não é capaz de fazer), esta iniciativa é um autêntico serviço público, que, parafraseando o Marx, esclarece com três dias de prática o que três anos de propaganda tentaram esconder.

E enquanto a viagem do deputado do PCP no Parlamento Europeu era remetida para o silêncio (e para alguns envergonhados, mas honrosos rodapés), o ministro recebia uma vez mais os holofotes para anunciar «o maior investimento de sempre da CP em comboios», incluindo 25 automotoras eléctricas bi-tensão para Cascais. Desta vez com o acrescento de que os mesmos serão produzidos em Portugal, mais precisamente em Guifões.

Espero, muito sinceramente, que tudo o que hoje foi anunciado pelo Governo venha a ser concretizado. Infelizmente a realidade não abona nada à credibilização deste anúncio. Deixo-vos aqui quatro troços dessa realidade, para que julgueis por vós próprios:

– Em Maio de 2009, a secretária de Estado dos Transportes do então Governo PS, Ana Paula Vitorino, anunciou com pompa e circunstância que a CP ia «lançar o maior concurso de sempre para comprar 102 comboios», num «investimento de 500 milhões de euros» que incluía «36 Unidades Múltiplas Eléctricas equipadas com bi-tensão» para a Linha de Cascais. Quatro meses depois realizam-se as eleições, o PS volta a formar governo, Ana Paula Vitorino passa a ministra e o concurso da CP é anulado.

«O caderno de encargos hoje anunciado não é público, permitindo que o Governo o apresente como sendo aquilo que não é.»

– Nos últimos seis anos de Governo PS não foi comprado qualquer comboio novo em Portugal, como não é desde 2003, desde o encerramento da Sorefame. Foram, no entanto, lançados dois concursos – para 14 Unidades para o Metro e 22 unidades para o regional da CP – que já foram adjudicados a uma multinacional Suíça e vão a ser construídos em Espanha, sem qualquer incorporação nacional.

– O caderno de encargos hoje anunciado não é público, permitindo que o Governo o apresente como sendo aquilo que não é. Esta falta de transparência da gestão da coisa pública permite todo o tipo de abusos. Recordemos o caderno de encargos da privatização da ANA, que incluiria a obrigação de construir o Novo Aeroporto de Lisboa e afinal apenas apresentava essa opção, que a Vinci depressa recusou. Mas o próprio Governo reconhece que o caderno de encargos desta aquisição de comboios não exige a incorporação nacional na produção. O Governo diz que é porque não pode, que as leis da União Europeia (UE) não o permitem, eu digo que é porque não quer. Desde logo porque as leis da UE foram escritas e aprovadas pelo PS/PSD, não lhes foram impostas. 

– Há pouco menos de um ano, o PCP apresentou um estudo sério sobre as necessidades de material circulante para o País a 15 anos, e apontou para a possibilidade e necessidade de um plano nacional para a construção desses equipamentos em Portugal. Quando a proposta foi a votos na Assembleia da República, o PS chumbou-a. Não estavam eleições marcadas.

Repito. Seria um extraordinário avanço se fosse concretizado tudo o que foi prometido por este anúncio pré-eleitoral do Governo. Que pena que o PS sempre se tenha recusado a concretizar o que agora – mais uma vez – promete.

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E, por fim, chama-se a atenção para esta absoluta incongruência: o PS, ao mesmo tempo que neste PFN promete fazer a TTT, e que coloca a TTT como uma medida estruturante do PFN, continua a opor-se, na prática, ao avançar da construção da TTT, tendo mais uma vez recusado a sua inclusão no Orçamento do Estado para 2023, tendo chumbado a proposta 1314C do Grupo Parlamentar do PCP, que foi chumbada com os votos contra do PS e a abstenção de PSD, IL e CH.

É tempo de avançar!

A lembrar-nos a todos da profunda modernidade deste PFN, temos as ruínas da antiga Escola Secundária Afonso Domingues, da ainda mais antiga Escola Industrial em Marvila, que foi formalmente encerrada a 23 de Março de 2010, depois de uma existência de 126 anos, porque ia ser construída a Terceira Travessia do Tejo, e a escola situava-se no corredor estratégico dos viadutos da nova ponte sobre o Tejo.

Doze anos passados, a TTT contínua a ser planificada e prometida. Pelos mesmos governos que se recusam a construí-la. Com cada novo plano a servir para evitar a discussão porque não se concretizou o plano anterior.

É tempo de enfrentar essa discussão. E de construir a TTT.

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