Os tribunais reabriram a sua actividade normal esta quarta-feira, incluindo a realização presencial de julgamentos e de inquirição de testemunhas, com os representantes dos magistrados, juristas e funcionários judiciais a prevenirem, em declarações feitas à Lusa, para a dificuldade de assegurar totalmente as medidas de segurança contra a pandemia em curso.
O diploma sobre o reinício da actividade dos tribunais, aprovado no Parlamento no mês passado, estabelece um limite máximo de pessoas para as audiências e inquirições presenciais e admite a audição por teleconferência ou videochamada, a realizar num tribunal, a advogados e partes do processo que tenham mais de 70 anos, sejam imunodeprimidos ou sofram de uma doença crónica.
Nas últimas semanas, o Ministério da Justiça efectuou reuniões com representantes de juízes, magistrados do Ministério Público (MP) e funcionários judiciais e, em articulação com a Direcção-Geral de Saúde, divulgou medidas destinadas a garantir a higienização, distanciamento e protecção individual dos intervenientes processuais, garantindo a disponibilização de máscaras de protecção e gel desinfectante a quem trabalha e pertence aos tribunais.
Magistrados, juristas e funcionários exprimem preocupações
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas previu que o regresso à actividade nos tribunais se fará «de forma assimétrica e progressiva», de acordo com as condições físicas em cada comarca e mostrou-se preocupado«em saber se as equipas de limpeza conseguirão assegurar a higienização em todos os tribunais e serviços do MP».
A esse respeito, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, foi explícito: «nem todos os tribunais têm serviços de limpeza para assegurar a higienização dos espaços nos horários de funcionamento».
O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, considerou que «as condições de segurança [sanitária] nos tribunais [...] estão longe de estar asseguradas» e Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, afirmou que merecem «a maior preocupação».
Tribunais a funcionar em apartamentos ou blocos de escritórios onde é difícil o cumprimento das regras de segurança; salas de audiência internas, sem janelas e onde o ar condicionado não poderá funcionar; salas pequenas, sem a possibilidade de distanciamento social; e falta de separadores acrílicos tanto em salas como em serviços de acesso, são algumas das questões logísticas que aqueles representantes apontam como impeditivos a que «tudo funcione o melhor possível» na actual retoma.
Defender o acesso dos cidadãos à Justiça
A necessidade de uma simplificação processual está subjacente às declarações tanto de Fernando Jorge como António Ventinhas: ambos antecipam «uma acumulação de processos», com o segundo a precisar um aumento especificamente provocado pela pandemia nos tribunais de Trabalho e de Comércio – decorrente dos incumprimentos patronais da legislação vigente e acordos em vigor nas empresas, que afectam muitos trabalhadores.
Os rendimentos diminuídos de muitos portugueses terão estado presentes a António Ventinhas quando apelou ao Governo para que aprove legislação para baixar ou isentar custas processuais, bem como medidas para facilitar o acesso ao apoio judiciário.
Um projecto-lei no mesmo sentido foi apresentado pelo PCP há um ano, mas acabou chumbado na Assembleia da República com os votos maioritários do «bloco central» do PS e do PSD, aos quais se juntou o deputado Paulo Trigo Pereira, apesar de reunir um apoio parlamentar de largo espectro: votos a favor do PCP, do BE, do PAN, do PEV e abstenção do CDS-PP.
Queixas na justiça não nasceram da pandemia
Os problemas de funcionamento dos tribunais e da justiça em Portugal não nasceram da pandemia, como se depreende das declarações recolhidas pela Lusa.
Manuel Soares lembrou que «os tribunais estão sem manutenção de ar condicionado há meses e há muitas salas, talvez a maioria, sem condições para a realização de julgamentos com 20 a 30 pessoas». Tal como Menezes Leitão, refere a existência de salas de audiência que continuam a «funcionar em contentores». António Ventinhas vê com apreensão a inexistência, em várias comarcas, de «espaços adequados para o Ministério Público realizar interrogatórios de arguidos ou inquirição de testemunhas».
A inadequação de espaços ocupados por tribunais, a sua degradação ao arrepio da lei e a falta de condições para o exercício do serviço público de justiça são conhecidas e deram origem, em 2018, a uma inédita greve de juízes.
com Lusa
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