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|especulação financeira

O OE 2023, as criptomoedas, Bill Gates e os «idiotas»

A falência da FTX – a segunda maior plataforma de troca e venda de criptomoedas do mundo, que estava avaliada em 32 mil milhões dólares – veio ilustrar a completa fragilidade deste mundo.

Créditos / serbia.postsen.com

O Orçamento do Estado para 2023 traz, como uma das suas novidades, a assumpção pelo Estado português do objectivo de «fomentar a criptoeconomia». Não apenas o mercado de criproactivos passaria a estar legitimado (apesar de desregulado), como o Governo assume a vontade de promover esse mercado. A coisa foi bem preparada, com uma campanha articulada, desenvolvida durante meses, em torno da ideia de que Portugal era um paraíso fiscal para os «investidores em criptomoedas e outros criptoactivos», assim se inventando um problema para a solução que queriam implementar.

A Autoridade Tributária (AT) foi cúmplice desta campanha, com um conjunto de interpretações abusivas em diversas informações vinculativas, onde equiparava as criptomoedas a moeda, criando de facto uma excepção quando, na lei, ela não existia. Todas as mais-valias – mesmo que ilegais – são objecto do dever de pagamento de impostos em Portugal, excepto provisão expressa em contrário, que não existe na lei para os criptoactivos, apenas nas referidas «informações vinculativas» da AT. Só com a aprovação do OE para 2023 – se o seu conteúdo se mantiver – é que estará criado o paraíso fiscal para criptoactivos, nomeadamente pela norma que isenta as eventuais mais-valias de impostos se os activos forem detidos por mais de um ano.

«o PCP na sua proposta de alteração à proposta de OE 2023 [...] alerta para os perigos de legitimar ou promover uma actividade que, no essencial, é uma pirâmide de Ponzi (onde o dinheiro dos novos especuladores remunera os antigos especuladores, até desabar por falta de novos especuladores)»

O que se exigia era corrigir as interpretações abusivas da AT, esclarecendo cabalmente que as criptomoedas não são moeda (e como tal não gozam das isenções e regras atribuídas à compra e venda de moeda), mas que as mais-valias que essas operações possam gerar têm de ser declaradas, como qualquer outra mais-valia. E, já agora, fazendo a importante clarificação de que as menos-valias não abatem aos impostos, para que não seja o Estado a acabar por financiar o esquema na sua fase final e inevitável: a do rebentamento. Que é exactamente o que faz o PCP na sua proposta de alteração à proposta de OE 2023, onde alerta para os perigos de legitimar ou promover uma actividade que, no essencial, é uma pirâmide de Ponzi (onde o dinheiro dos novos especuladores remunera os antigos especuladores, até desabar por falta de novos especuladores) montada sobre uma bolha especulativa (onde o valor do conjunto dos activos cresce artificialmente por efeito da especulação, enquanto esta dura, até desabar pela sua absoluta imaterialidade).

Em vez disso, a maioria das forças políticas, na submissão do costume a este tipo de campanhas, optam, do BE à iniciativa Liberal, pela legitimação das criptomoedas, por chamar investidores aos especuladores, por dar-lhes «segurança e certeza jurídica».

FTX: Catrapumba!

Ainda não foi aprovado o Orçamento do Estado e aí está a realidade a mostrar a velha cara de tanta modernice. A falência da FTX – a segunda maior plataforma de troca e venda de criptomoedas do mundo, que estava avaliada em 32 mil milhões dólares – veio ilustrar a completa fragilidade deste mundo, para onde milhões de «investidores» são atraídos com promessas de lucros rápidos e obscenos (quem nunca ouviu aquele anúncio que conta a estória de um rapaz que comprou vinte dólares em criptomoedas há uns anos e agora descobriu que era milionário?). Um mundo onde o dinheiro se multiplica em bolhas que crescem até encontrar a sua agulha, e rebentar, devolvendo ao éter as absolutamente fantásticas fortunas nelas assentes.

O token da FTX é negociado hoje a dois dólares, quando já foi negociado a 57 dólares. Já se assume que nas contas da FTX estava um buraco de oito mil milhões de euros. A gestora dos fundos de pensões dos professores de Ontário, no Canadá, veio descansar os seus beneficiários que «apenas» perdeu 95 milhões de euros com esta aplicação.

«Um mundo onde o dinheiro se multiplica em bolhas que crescem até encontrar a sua agulha, e rebentar, devolvendo ao éter as absolutamente fantásticas fortunas nelas assentes.»

É a explosão de uma bolha, sendo a maior preocupação dos gestores das bolhas vizinhas evitar o efeito dominó: rapidamente outras empresas similares – há dezenas de criptomoedas e cem vezes mais corretoras de criptomoedas – vieram mostrar a sua solvência, expondo a força dos seus activos, que são no essencial... criptomoedas de diverso tipo. Veremos como correm os próximos tempos e, principalmente, se conseguem evitar um movimento dos especuladores para retirarem o seu dinheiro antes que seja tarde.

Quando o legal é tão mau como o ilegal

Recentemente, Bill Gates definiu os esquemas especulativos com criptoactivos como obedecendo «à teoria do maior idiota». Ou seja, explicou, compra-se um determinado criptoactivo porque se acredita que alguém estará disposto a pagar mais por ele no futuro. Essa é a base da criação de todas as bolhas especulativas que surgem naturalmente em todos os mercados. Nada têm de ilegal. Estas bolhas mais tarde ou mais cedo rebentam, os últimos «idiotas» lixam-se, e o processo recomeça. O mercado das criptomoedas já caiu duas vezes mais de 80% e depois recuperou o seu «valor». No caminho lixaram-se muitos «idiotas», claro.

Outras vezes, quando a especulação é sobre o preço da energia, ou sobre os alimentos, lixam-se também um outro tipo de «idiotas»: nós. Que só somos idiotas na medida em que deixamos que a nossa sociedade continue a funcionar sobre este tipo de mecanismos. Quando o rebentamento destas bolhas contamina a economia real, como aconteceu em 2008, o número de «idiotas» afectados aumenta exponencialmente.

«Quando o rebentamento destas bolhas contamina a economia real, como aconteceu em 2008, o número de «idiotas» afectados aumenta exponencialmente.»

A ilegalidade – o esquema de Ponzi – é quando o processo é alimentado não apenas pela confiança na existência de um «maior idiota» amanhã, pela cupidez que despreza o risco, mas pelo «idiota» de hoje, cujo dinheiro é usado para alimentar o esquema.

Para ajudar a perceber o que é um caso clássico de esquema piramidal de Ponzi, recordemos o escândalo que tivemos em Portugal há uns 40 anos, o Caso Dona Branca. Um esquema de Ponzi do mais simples possível: a senhora recebia os depósitos e pagava 10% de juros ao mês! E pagava! Durante anos. Lembro-me das conversas que corriam na altura: que essa espantosa margem de lucro se devia a utilização do dinheiro na compra e venda de drogas, diziam uns, no tráfico de armas, diziam outros, de mulheres, asseguravam os terceiros. E durante uns tempos a discussão manteve-se, no fundo legitimando o esquema de Ponzi, pois o essencial do mecanismo da burla é fazer acreditar que existe um processo que permite gerar esse tipo de rendimentos. Só quando a coisa rebentou é que se tornou evidente que a senhora se limitava a usar o dinheiro que recebia para pagar as primeiras dez prestações e, quando esse dinheiro acabava, já tinham entrado tantos mais depósitos, que pagavam os seus próprios juros e os juros dos primeiros investimentos realizados, que, no fundo, funcionavam como isco para os restantes. E claro que com uma taxa de juros destas ninguém levantava depósitos. Quando houve uma suspeita, e se deu uma corrida ao levantamento dos depósitos e um abrandamento das novas entradas, o esquema desabou.

Mais elaborados, os esquemas piramidais de Ponzi surgem inevitavelmente nos ambientes especulativos, sempre de forma natural, umas vezes evoluindo da especulação para a fraude, outras vezes nascendo já como fraude.

E se o ilegal é mau, e sistematicamente limpa as carteiras dos mais ávidos (os especuladores na FTX eram mais de meio milhão), o legal, o jogo da especulação, produz exactamente o mesmo efeito pernicioso. E quando assim é, em vez de querer cobrar impostos aos que ganham com estes esquemas, talvez seja mais importante os Estados intervirem para os travar.

E nós, arraia miúda, que já pagamos todas as crises de que se alimenta o mercado capitalista, talvez esteja na altura de deixarmos de ser «idiotas». E começarmos a libertar-nos do próprio mercado capitalista.

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