|Banco de Portugal

Mas, o Banco de Portugal é independente?

A questão não é saber se Mário Centeno é ou não independente, mas sim a falta de independência do Banco de Portugal e a sua submissão às políticas do Banco Central Europeu e da União Europeia.

Os dados foram divulgados hoje pelo Banco de Portugal
CréditosVix_b / CC BY 2.0

Está instalada a polémica em torno da proposta feita a Mário Centeno para poder chefiar um governo que sucedesse a António Costa e de saber se o governador do Banco de Portugal tem condições para continuar no cargo. À falta de argumentos para se distanciar do essencial das políticas do Governo PS e do Orçamento do Estado que quer ver aprovado, a direita entretém-se a discutir se Centeno deve ou não continuar a liderar o Banco de Portugal. Aliás, o fait-divers estende-se ao Parlamento Europeu (PE), onde deputados da direita europeia (PPE) também querem respostas de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE).

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Centeno quer Estado a «bancar» lucros da Banca enquanto reduz despesa

O Governador do Banco de Portugal defendeu em vários momentos que as taxas de juro eram a única forma de combater a inflação, mesmo não o sendo. Agora quer «ajudas públicas» para as famílias pagarem hipotecas.

Mário Centeno
CréditosStephanie Lecocq/EPA / Agência Lusa

Vários foram os momentos em que Mário Centeno, na qualidade de Governador do Banco de Portugal, veio a público defender a subida das taxas de juro. Numa entrevista à RTP no passado mês de Junho, Centeno chegou até a valorizar o processo da subida das taxas de juro ter sido «a resposta generalizada, pela primeira vez» já que «nunca antes os bancos centrais a nível global tinham actuado de forma tão sincronizada numa resposta».

Mário Centeno justifica a subida das taxas de juro com o papel de combate à inflação e estabilidade da política monetária atribuído ao BCE e os bancos centrais, mas sempre numa lógica de inevitabilidade relativa à política seguida e às opções tomadas. Veja-se que na entrevista dada à Rádio Renascença a 5 de Dezembro de 2022, quando confrontado com os aumentos dos juros, o Governador do BdP disse «Não há nenhuma alternativa a isto acontecer. Nós temos que fazer pressão na forma como os preços são determinados nas nossas economias para que isto aconteça».

A opção de aumentar as dificuldades na vida dos trabalhadores, reformados e pensionistas era a única solução, quando não o era. Havendo possibilidades de fixar preços Centeno nunca quis mencionar sequer essa possibilidade, e aquando de uma necessidade de aumentos intercalares de salários em 2023, limitou-se a falar dos aumentos reais entre 2015 e 2021, optando por ignorar a perda real de rendimentos das famílias em 2022 e fazendo qualquer aumento depender das taxas de lucro das empresas. 

Meses depois a realidade confirmou que a inflação estava a provocar aumentos das taxas de lucro, ou seja, havia um aproveitamento dessas mesmas empresas que aumentaram preços para engrossar as suas margens. Meses depois, Mário Centeno nada disse sobre aumentos salariais e apenas continuou a defender a política de aumento de juros que penalizava o consumo.

É então com espanto que o ex-ministro das Finanças alertou ontem para o risco de cerca de 70 mil famílias poderem vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido. É o mesmo que diz que no final de 2021, já eram 36 mil famílias nessa situação. Ou seja, Centeno já sabia que o aumento das taxas de juro que se materializam também no aumento da Euribor podiam ter este grave desfecho. 

Eis que Mário Centeno faz agora recomendações que, parecendo até progressistas, apenas visam salvaguardar interesses de quem mais ganhou com os juros: a Banca. O Governador do BdP sugere a criação de «apoios públicos» de modo a que as famílias consigam fazer face às prestações das casas. Esta ideia é colocada com a ideia de «reforço da poupança e a redução do endividamento» o que significa que noutros aspectos o Orçamento do Estado para 2024 terá que continuar com as «contas certas» que só desresponsabilizam o Estado das suas funções sociais. 

O ex-ministro das finanças, ao colocar esta ideia de apoios públicos e nunca dizendo que haverá uma redução das taxas de juro, até porque a previsão é de subidas até ao final do ano, está assim a dizer que o Estado, directa ou indirectamente irá alimentar os lucros da banca que faz milhões ao dia ao colocar milhões de famílias em dificuldades. Vai ser o Estado a «bancar» a Banca, e Centeno sabe bem disso.   
 

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Ora, o que se exige, independentemente de quem exerça o cargo de governador do Banco de Portugal, é a defesa do interesse nacional, o que não tem acontecido. A independência de Mário Centeno está em causa, isso sim, quando o Banco de Portugal se assume como uma sucursal do BCE e não presta contas aos portugueses.

O problema, quando se fala da independência do Banco de Portugal, é que ele não passa de um instrumento dos mandantes da União Europeia (UE), cumprindo as suas orientações, conforme se vê, por exemplo, com o aumento das prestações das casas e das comissões bancárias. Por outro lado, o Banco de Portugal não cumpre o seu papel de regulador, pelo contrário, submete-se aos interesses da banca que deveria regular.

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Banco de Portugal, a sucursal do BCE em que Centeno é o gerente

Numa longa entrevista à RTP, Mário Centeno limitou-se a defender a política de empobrecimento do BCE e o aumento das taxas de juro. Durante a entrevista, o «Ronaldo das Finanças» nunca falou da reposição de rendimentos.

Mário Centeno
CréditosStephanie Lecocq/EPA / Agência Lusa

A entrevista de Centeno à RTP durou 55 minutos. Na quase uma hora, o Governador do Banco de Portugal nunca procurou defender os interesses de Portugal, mas teve sempre a preocupação de defende a política levada a cabo pelo BCE, reconhecendo muitas vezes, de forma directa ou indirecta quais os objectivos. Numa entrevista que passou pela inflação, mas também abordou o crescimento económico português, ficou claro o qual o papel do Banco de Portugal na arquitectura do projecto que submete e retira soberania aos países, a União Europeia. 

«A Inflação é um problema colectivo.»

A parte mais relevante da entrevista foram essencialmente os primeiros 15 minutos. Nesse período de tempo, Mário Centeno, o «Ronaldo da Finanças» como fora apelidado, não se rogou em defender o empobrecimento das famílias. Começou por dizer que «a inflação é um problema colectivo», mas reconheceu que «a inflação corrói a poupança» das famílias. 

O Governador do Banco de Portugal cumpriu assim um papel de mero porta-voz, já que se esqueceu que uma das funções da instituição que dirige passa por aconselhar o Governo nos domínios económico e financeiro. Esse, no entanto, não pareceu ser a sua principal preocupação. Nas várias respostas dadas, Centeno defendeu a política seguida ao dizer que «o processo da subida das taxas de juro foi a resposta generalizada, pela primeira vez. Nunca antes os bancos centrais a nível global tinham actuado de forma tão sincronizada numa resposta». 

A resposta evidenciou assim que a sua preocupação não foi a particularidade da economia e finanças portuguesas, mas sim o condicionamento destas ao seguir de forma cega a tendência geral e os ditames dos restantes bancos centrais, escondendo o modelo de funcionamento à base de competição que regem os Estados no sistema económico que defende. 

«Sabemos que a repressão do consumo (é uma palavra forte), a repressão do consumo e da procura, em geral, deprime a economia. Muitas vezes implica recessão.»

Na longa defesa, Centeno procurou a calma e o paternalismo, mesmo dizendo elementos que chocam quem já não tem como pagar a prestação da casa ao banco ou quem quando chega à caixa do supermercado tem que pedir para deixar productos de lado porque não consegue pagar. 

Desligando o tom pedagogo, fica-se a depreender que reina a lógica do «os fins justificam os meios», desde que isso salvaguarde os interesses da classe dominante e há uma clara noção disso. Mais uma vez que o diz é o próprio Mário Centeno: «Sabemos que a repressão do consumo (é uma palavra forte), a repressão do consumo e da procura, em geral, deprime a economia. Muitas vezes implica recessão. Nós estamos neste momento, e é muito importante termos a percepção disso, num momento em que há uma estagnação generalizada da economia na área do euro, na União Europeia».

Se inicialmente Centeno afirmou que a inflação é «um problema colectivo», uma analepse aos tempos pandémicos em que se usava o «estamos todos no mesmo barco» para se esconder os lucros das empresas enquanto os trabalhadores eram confrontados com o empobrecimento, o Governador acabou por reconhecer que existe uma «repressão do consumo». 

Assim sendo, talvez sem esse intuito, colocou a nú todo o problema com o seguidismo face ao BCE. É que o reconhecimento de que há repressão do consumo não é compatível com a questão colectiva, já que na transferência de rendimentos do trabalho para o capital, quem perdeu foram os trabalhadores e quem ganhou foram as grandes empresas. Nem o problema é então colectivo, nem quem acumula lucros extraordinários sente a repressão dos preços. 

«O futuro terá quedas das taxas de juro, mas lentamente (...) a queda não será tão rápida como foi a subida. Isso é garantido!»

No encerramento do capítulo da inflação, não trouxe novidades tão boas como Mário Centeno achava, ou diziam que poderia ser. Centeno não colocou sequer a hipótese de fim de um ciclo dramático para a vida dos trabalhadores, reformados e pensionistas. Isto torna-se claro até quando há uma questão directa sobre até onde poderão subir as taxas de juro.

O suspense do Governador do Banco de Portugal poderá indicar que o objectivo do BCE poderá passar por atingir taxas de juro semelhantes às impostas pela Reserva Federal norte-americana. A questão central, fora elementos de especulação, centra-se na continuidade da política adoptada, independentemente dos níveis que possam vir a ser alcançados, já que foi dito que «quaisquer desvios a esta trajetória, nós não nos devemos acomodar, devemos combatê-los». 

O caminho já está então traçado, e mesmo procurando reiterar a espaços que as decisões são tomadas a cada reunião mediante a avaliação de vários indicadores, o futuro de continuação de empobrecimento parece já estar vaticinado: «Neste momento as euribors, que são as taxas que constituem indexantes nos nossos créditos, vão continuar a subir até Setembro, Novembro deste ano».  Ou seja, as famílias ainda serão mais atacadas, algo que fará aumentar o desespero de milhões de pessoas. 

Mesmo com isto em mente, as boas notícias para Mário Centeno são um murro no estômago para quem não sabe mais o que fará à vida. «O futuro terá quedas das taxas de juro, mas lentamente (...) a queda não será tão rápida como foi a subida. Isso é garantido! Ou seja, nós vamos manter-nos em níveis de taxas, durante um ano, um ano e meio, que essencialmente são mais altas do que aquilo que tínhamos antes do momento das taxas de juro. Esta é a parte positiva, apesar de tudo».
Com esta entrevista ficou a confirmação que o Banco de Portugal é uma sucursal do BCE em que Centeno é o gerente. Se o BCE é um instrumento da União Europeia para arbitrariamente, sem prestar contas aos Estados, definir uma política para a classe dominante, Centeno sabe-o e alinha alegremente nisso. 

Mas ao sabê-lo poderia dizer aos trabalhadores como a Susana Canato,  trabalhadora do El Corte Inglês que na manifestação da CGTP desta semana disse AbrilAbril o seguinte: «A prestação da minha casa aumentou bastante e, portanto, quando vou ao supermercado tenho que reduzir nas coisas que posso levar. Tenho que olhar muito bem para os preços e tenho que fazer uma selecção daquilo que posso levar e não levar. É inadmissível vivermos num país onde o salário não chega sequer para comer».
 

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A questão, verdadeiramente importante, é que Portugal perdeu soberania monetária e o Banco de Portugal deixou de ser um banco central. Isto é, a política monetária portuguesa e a regulação do sistema financeiro deixou de ser decidida em Lisboa, foi transferida para Bruxelas e Frankfurt.

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