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|Pobreza

Isabel Jonet e os pobrezinhos de estimação

É que os pobres têm uma certa tendência natural para o gastar mal gasto. Sem pejo, Isabel Jonet, mais uma vez, expõe o seu carácter classista: os coitadinhos, para além de tolos, precisam que os ricos tomem conta deles.

A presidente do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet 
A presidente do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

Numa nova e extraordinária (pela falta de noção) intervenção, Isabel Jonet, Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, tornou a deixar evidente o paternalismo que subjaz à caridade. Depois de, em 2012, expressar a sua preocupação com a possibilidade de pessoas de baixos rendimentos comerem bife, a caridosa Marie Antoinette lusitana lamentou a falta de formação em economia doméstica dos pobres.  

«Quando se atribui uma ajuda deste tipo [a entrega de 125 euros a todas os cidadãos com receitas abaixo dos 2700 euros], é importante fazer uma pedagogia e explicar às pessoas que não podem ir gastar estas verbas todas de uma só vez», tentou argumentar Isabel Jonet, em declarações à Agência Lusa.

Curiosamente, esta preocupação nunca se aplica aos milionários que malbaratam os imensos lucros que extorquem, todos os anos, todos os meses, todos os dias, desses mesmos pobres. Faz hoje, 7 de Setembro de 2022, precisamente um ano que o actual presidente de El Salvador, Nayib Bukele, um populista da extrema-direita, desatou a jogar no casino aleatório das criptomoedas, tendo já perdido, em 12 meses, mais de 300 milhões de dólares pertencente ao povo salvadorenho.

As boas intenções de Jonet nunca se aplicam a esta classe de «investidores». Mário Ferreira, o empresário que gastou centenas de milhares de euros numa pseudo-viagem de 11 minutos ao espaço, nada tem com que se preocupar. Jonet não terá qualquer reparo a fazer sobre a sua conduta. 

A Pedagogia do Opressor

Subjacente às suas afirmações está a genuína preocupação que os pobres, recebendo um pouco de dinheiro extra, gastem tudo em todo o dinheiro em «copos e mulheres», como  afirmou o presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem, em 2017, referindo-se aos povos do Sul da Europa.

É muito fácil, vivendo numa redoma de vidro, assumir a posição paternalista que Isabel Jonet tem para com os «coitadinhos», a quem pretende, a todo o custa, ensinar a sua lição. Será sempre muito fácil falar de boas práticas de poupanças quando se vive, confortavelmente, há quase 30 anos, dos rendimentos de um familiar (suficientes para ambos e ainda criar mais cinco filhos), sem ter de se preocupar com as provações que esses milhões de trabalhadores enfrentam todos os dias nos seus postos de trabalho.

A total ausência de noção que aflige Isabel Jonet é sintomaticamente típica numa sociedade profundamente desigual como a nossa. Desconhecendo por completo a realidade destas pessoas, Jonet aplica a sua visão, distorcida, retrógada e paternalista aos outros.

Ignorando a realidade da pobreza, para Jonet, e segundo as declarações que causaram tanta celeuma, é equivalente que um rico passe a beber água da torneira a que um pobre deixe de comer carne. Entre o supérfluo e o indispensável há um mundo. As suas declarações expressam um pensamento do século XX, mas ainda do tempo remoto pré-1974, do pobre arranjadinho, sem outro projecto que não cumprir o de cumprir o seu desígnio de trabalhar até ao fim dos seus dias.

Na verdade, o que não entra na cabeça destas pessoas é que os seus motoristas, cabeleireiros, jardineiros e criadas, possam ter o mínimo de dignidade, ambições, gostos e vontades, para além de atender aos desejos e desmandos dos patrões. Chega a ser absurdo o quão idênticas são as declarações de Isabel Jonet e as famosas palavras da Marie Antoinette (Não têm pão? Comam bolos...).

A caridade da Jonet esconde o carácter classista do capitalismo e do liberalismo económico: para os patrões, nem chega a ser concebível que um pobre exija ser feliz e almeje um pouquinho mais de dignidade na vida. O pobre não é só alguém com menos (muito menos) dinheiro, é toda uma outra, e exótica, espécie. Lamentavelmente, uma espécie inferior.

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